|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MARCIO POCHMANN
Riqueza concentrada e trabalho em excesso
O enfoque do tempo de trabalho e da formação da mão-de-obra precisa ser reconsiderado no Brasil
PARA CADA R$ 1 de riqueza gerada no mundo a partir do esforço físico do trabalho do homem em 2006, havia R$ 9 de responsabilidade do trabalho de natureza imaterial. Isso é claro quando
se considera a composição do PIB
(Produto Interno Bruto) acrescido
do conjunto de ativos financeiros
em circulação no planeta, que permite associar o trabalho imaterial às
atividades terciárias da estrutura de
produção de riqueza.
Em 1950, por exemplo, a cada R$
10 de riqueza gerados no mundo, somente R$ 4 provinham do trabalho
imaterial. Em menos de três décadas, a riqueza associada ao trabalho
imaterial cresceu quase 10%, em
média, ao ano, enquanto a do trabalho material aumentou a metade
disso.
Assim, destaca-se cada vez mais o
papel da revolução e da circulação
do capital a proporcionar a mutação
transgressora do valor do trabalho
na definição das novas formas de riqueza. Nesse sentido, o PIB dos países torna-se mais leve e com elevada
produtividade, tendo o trabalho
imaterial como principal força geradora de riqueza no mundo.
O que exige, em contrapartida,
amplos e constantes investimentos
em infra-estrutura, em ciência e em
tecnologia aplicada. A economia do
conhecimento responde, em síntese, pela potencialidade renovada de
fantástica ampliação da riqueza a
partir da base industrial consolidada
pela estrutura produtiva existente.
Em 2006, por exemplo, a cada
dois ocupados no mundo, um encontrava-se relacionado ao trabalho
material, enquanto em 1950 eram
três em cada quatro que trabalhavam. Nas economias capitalistas
avançadas, só um a cada três ocupados desenvolve trabalho material.
Se, de um lado, o avanço da demanda de trabalho imaterial pressupõe o desempenho econômico favorável, com investimentos elevados,
de outro a oferta relaciona-se ao fortalecimento cognitivo e demais habilidades da força de trabalho. Por
conta disso, a aprendizagem e a qualificação tendem a exigir um novo
reposicionamento do local de trabalho enquanto oportunidade de formação e capacitação de seus quadros, bem como um outro olhar sobre o papel da escola utilitária para o
trabalho, somente prisioneira da
educação às fases precoces da vida
humana.
Torna-se cada vez mais importante a educação para a vida toda, comprometida com a sociabilidade humana, com a preparação para o conhecimento para além do exercício
do trabalho. Isso porque, diferentemente da sociedade industrial
-quando havia uma expectativa
média de vida de 60 anos de idade e
uma nítida separação entre os tempos de trabalho material e de inatividade (educação infantil, aposentadoria, férias, feriados)-, percebe-se
no presente longevidade humana se
aproximando dos cem anos e uma
fronteira menos clara entre os tempos de trabalho imaterial e de inatividade.
Em decorrência da crescente intensificação do trabalho imaterial,
cada vez mais realizado também fora do local tradicional do trabalho, o
enfoque do tempo de trabalho e da
formação da mão-de-obra precisa
ser urgentemente reconsiderado no
Brasil, conforme se verifica em outras nações. A postergação do ingresso do jovem no mercado de trabalho e a redução do tempo de trabalho, conjugados com a valorização
e ampliação da qualificação e capacitação, são necessárias e contemporâneas de um mundo em que a riqueza cresce e concentra-se aceleradamente na mesma medida em que
gera um crescente excesso de trabalho.
MARCIO POCHMANN, professor licenciado do Instituto de
Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e
de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de
Campinas, é presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Hoje, excepcionalmente, a coluna de LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS não é publicada.
Texto Anterior: O ciclo de alta dos preços das commodities acabou? Próximo Texto: Bolsa fecha semana com desvalorização de 4,85% Índice
|