São Paulo, domingo, 21 de março de 1999

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
Autocrítica de técnicos do FMI não inclui juros

GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

O "day after" da desvalorização do real está confirmando uma das teses defendidas por economistas que condenavam a âncora cambial: com recessão e sem indexação, o impacto inflacionário é relativamente baixo e dificilmente escapará ao controle.
Há outros sinais positivos: o Banco Central passou a interferir no mercado financeiro, pautando a queda do dólar; há sinais de recuperação do crédito externo; os brasileiros podem repatriar suas poupanças pagando menos impostos. Falta a prova dos noves: começar a reduzir as taxas de juros.
Se depender da equipe técnica do FMI (Fundo Monetário Internacional), é melhor esperar sentado.
Uma alentada avaliação preliminar da experiência do Fundo na Indonésia, na Coréia do Sul e na Tailândia volta a defender o uso de juros altos para superar as crises. Uma cópia preliminar do estudo ("IMF-supported programs in Indonesia, Korea and Thailand: a preliminary assessment") está disponível no site do FMI (http:// www.imf.org).
²
Autocrítica
O relatório tem boa dose de autocrítica, em especial do viés macroeconômico do FMI.
Os autores reconhecem que, diferentemente de crises tradicionais, no Sudeste Asiático o problema não era de desequilíbrio nas contas públicas ou mesmo de crise nas contas externas.
A raiz da crise foi um desarranjo no sistema financeiro, provocado em parte pela liberalização mal feita, em parte pela falta de informação entre os próprios investidores até então entusiasmados com o "milagre asiático".
Ou seja, acostumado a ver tudo pela ótica macroeconômica, o FMI teve de enfrentar problemas em nível microeconômico.
Os ciclos de pessimismo e fuga de capitais foram provocados e agravados pela falta de regulação e supervisão adequada por parte dos bancos centrais da região.
O FMI também tem culpa no cartório, segundo seus técnicos: pois demorou a perceber a natureza do problema e a prática burocrática de liberar fundos de emergência em ritmo de conta-gotas só piorou as coisas.
Além da autocrítica, a equipe do Fundo reclama da inexistência de mecanismos para forçar os bancos privados a assumir parte dos custos do ajuste. A busca de instrumentos que atendam a essa exigência é vista como tarefa urgente, antes da próxima crise.
A questão dos juros, entretanto, fica fora da autocrítica, mesmo reconhecendo que em situações de fragilidade bancária é perigoso colocar os juros em níveis altos demais (a inadimplência apenas torna mais ampla a quebradeira de empresas e bancos).
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Sem indicadores
Entre os argumentos em favor de juros altos está o reconhecimento pragmático de que, em situações de crise financeira, simplesmente não há indicadores monetários confiáveis.
Para o Brasil, as conclusões desses técnicos têm ainda outra consequência desagradável.
Afinal, eles concedem que apenas em condições de alta fragilidade bancária e empresarial é aceitável questionar a política de juros altos.
É possível que, observando a economia brasileira, eles vejam uma situação mais próxima do enfoque tradicional do FMI (desequilíbrios macroeconômicos, com risco quase nulo de colapso do sistema financeiro).
Nesse contexto, o mais provável é que eles se oponham a uma redução mais rápida dos juros, mesmo que a inflação caia, as reservas subam e o crédito externo comece a voltar.
Já para quem não comunga no credo econômico do FMI, isso tem outro nome: puro sadismo.



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