São Paulo, sexta-feira, 21 de abril de 2000


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OPINIÃO ECONÔMICA

A nova agricultura

MAILSON DA NÓBREGA

A agricultura brasileira foi quem mais sofreu o impacto da crise fiscal do Estado. Isso porque sua base de apoio oficial, um primitivo esquema de subsídios creditícios, começou a se esboroar em meados da década de 70 até falir totalmente na década de 80.
Por suas características, a agricultura precisa do apoio do Estado. Nos países desenvolvidos, o arsenal inclui medidas protecionistas e de defesa de preços, investimentos em pesquisa, gastos em extensão rural e ensino e, limitadamente, subsídios ao crédito.
Os países da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico) gastaram, em 1998, US$ 360 bilhões em programas rurais. Nos EUA, foram US$ 15 bilhões de ajuda de emergência nos últimos dois anos, menos de 0,5% dos gastos federais, mas um indicador do prestígio político do setor.
Líderes e analistas brasileiros requerem o mesmo tratamento, o que é mais do que justo. O problema é que costumam confundir subsídio à agricultura com crédito subsidiado.
Por isso, previram que a falência do crédito rural oficial traria a catástrofe. Ao contrário, a safra de grãos passou de 51 milhões de toneladas em 1980 para 71 milhões em 1989. Hoje, passa de 80 milhões de toneladas, uma expansão de mais de 60% no período.
Os agricultores aumentaram a preocupação com a qualidade e os custos. Houve elevação expressiva da produtividade da mão-de-obra. O pessoal ocupado diminuiu 23% entre 1985 e 1996, enquanto o produto agregado cresceu 30%.
A produtividade da terra cresceu sistematicamente de 1987 a 1998, à média anual de 1,85%. Causas: uso mais intenso da terra no período, maior utilização da tecnologia desenvolvida pela Embrapa e intensa profissionalização da agricultura.
O fim da generosidade do crédito subsidiado que em muitos casos promovia e disfarçava a ineficiência tem sua parcela de responsabilidade nessas mudanças.
A abertura da economia também favoreceu a agricultura, que passou a ter acesso a insumos, máquinas e equipamentos importados de menor preço e maior qualidade, alterando os termos de troca em seu favor.
Estudos do professor Guilherme da Silva Dias indicam que a abertura contribuiu para aumentar os preços dos produtos em relação aos insumos e possibilitou a sua mais ampla importação e exportação.
A falência do sistema de crédito oficial aproximou mais a agricultura dos outros segmentos do agribusiness. A agroindústria, a rede de varejo e os fornecedores de insumos se tornaram fontes importantes de financiamento, ainda que com imperfeições.
A Cédula do Produto Rural (CPR), criada em 1994, é outra boa novidade. A evolução dos investidores institucionais e do mercado de capitais poderá transformar a CPR e outros títulos em instrumentos de financiamento amplo e relativamente barato ao setor.
A agricultura brasileira tende a se beneficiar da atual onda de inovações nos países industrializados, derivada da tecnologia da informação, da biotecnologia e da Internet.
O uso combinado de satélites, mapas digitais e computadores já permite associar, com precisão, análise de solos e cálculo de nutrientes. Custos são reduzidos, racionaliza-se o uso da terra e se protege melhor o meio ambiente.
Na biotecnologia, as sementes geneticamente modificadas (GM) podem constituir a base para uma nova revolução verde. Ainda há muitas dúvidas sobre seus efeitos em seres humanos, mas dificilmente essa técnica será abandonada.
Apesar das resistências, as GM continuam ganhando terreno. Ano passado, foram responsáveis por 33% da produção de milho e 55% da de algodão, nos EUA, e por 90% da colheita de soja na Argentina. Safras transgênicas tendem a dominar o futuro da agricultura. Variações, como arroz com vitamina A, serão comuns.
A Internet na agricultura já é uma realidade. A rede fornece notícias, consultoria e instrumentos para gestão de riscos. Nos países desenvolvidos, leilões eletrônicos já funcionam para comprar e vender produtos e insumos.
Há um novo termo na praça, "agr-e-business". Calcula-se que nos próximos três anos as transações pela Internet relacionadas com a agricultura alcancem US$ 400 bilhões.
Estamos, pois, diante de uma "nova agricultura". Ela já está chegando ao Brasil pelas mãos da Embrapa, da Internet e de um moderno agribusiness. Já se vê áreas da agricultura utilizando satélites e outras técnicas avançadas.
Ainda há sérios problemas, como o perverso sistema tributário, os juros altos e um insatisfatório sistema de crédito rural. Os sinais são, entretanto, encorajadores. Podemos assistir a um salto de produção e de qualidade nos próximos anos.


Mailson da Nóbrega, 57, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney), sócio da Tendências Consultoria Integrada, escreve às sextas-feiras nesta coluna.
E-mail: mailson@palavra.inf.br


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