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ANÁLISE
Projeto ganha "finale" digno do regime militar
CLAUDIO ANGELO
EDITOR DE CIÊNCIA
Há uma dissociação entre a
imagem do presidente Lula nos
jornais ontem, afagando uma
criança indígena em Roraima, e
a ação da Advocacia-Geral da
União no mesmo dia para garantir justamente que os índios
fossem atropelados e que a usina de Cararaô fosse construída.
Aparentemente, o socioambientalismo do governo acaba
onde começam o PAC e a eleição de Dilma Rousseff.
O atropelo foi só mais um da
série que viabilizou Belo Monte, a começar da licença prévia
tratorada sobre o parecer técnico do Ibama contrário à obra.
Um projeto do regime militar
ganha, assim, um "finale" digno
da ditadura, com uma alteração
de slogan: na era Lula-Dilma,
"sovietes e eletricidade" complementam o "Brasil grande".
A serem concretizados os
planos do governo e o seu novo
modelo de licenciamento ambiental "top-down", por assim
dizer, Belo Monte é só o começo. O governo considera que
70% do potencial hídrico da
Amazônia está ainda por aproveitar, e a EPE planeja usinas
para virtualmente qualquer rio
da região que tenha uma cachoeira aproveitável. Em breve, para alegria de James Cameron, outras tribos da Amazônia poderão se juntar aos
caiapós e aos araras da Volta
Grande do Xingu na lista dos
índios atingidos por barragens.
Quem já está com as penas do
cocar arrepiadas são os mundurucus, do rio Tapajós. Nas
suas terras e arredores a Eletronorte planeja não uma, mas
cinco usinas hidrelétricas. Uma
delas, São Luiz do Tapajós, será
a terceira maior do país, com
6.133 megawatts de potência
instalada e um reservatório de
722 km2 -quase o dobro do de
Cararaô/Belo Monte.
Em novembro, os índios
mandaram uma carta ao presidente ameaçando guerra caso o
plano das usinas vá adiante.
Já a diretora do parque, Maria Lúcia dos Santos, diz que
não pode nem autorizar os estudos de impacto ambiental,
pois a lei não permite franquear acesso ao parque a atividades que lhe causarão dano.
"A não ser que rasguem o
Snuc", afirma, referindo-se à
lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação.
Rasgar o governo não rasgou,
mas publicou na semana passada um decreto regulamentando estudos do tipo em unidades
de conservação, justamente
para facilitar o projeto. O presidente do Instituto Chico Mendes, Rômulo Mello, disse à Folha que "as unidades de conservação não são intocáveis".
O atual ministro de Minas e
Energia, Márcio Zimmermann,
afirma que as usinas da Amazônia pós-Belo Monte serão baseadas em um novo conceito, o
de "usinas-plataforma". A fórmula prevê que os canteiros de
obras e as estradas criadas para
fazer as hidrelétricas sejam
abandonados para que a floresta se regenere. A operação das
usinas seria remota.
Por enquanto, o conceito só
existe nas propagandas da Eletrobras, que se gabam de que na
região do Tapajós a relação entre área preservada e área "sob
intervenção" será de 101 km2
para 1 km2. Só se esquecem de
dizer que, somados, os reservatórios do Tapajós serão maiores que a cidade de São Paulo.
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