São Paulo, domingo, 21 de maio de 2006

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Brasil já exporta sua tecnologia da miséria urbana

Tailândia, China, Índia e Rússia copiam modelo brasileiro de separação de lixo baseado na organização de catadores

Cooperativas de reciclagem empregam 500 mil em todo o país e se tornam exemplo para multinacionais como Coca-Cola, Nestlé e Unilever

SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL

Carlos Antonio dos Reis, 31, ex-alcoólatra, quatro filhos, dois casamentos, um neto. Vive e sustenta a família com os R$ 210 mensais que ganha como catador de embalagens, papel e papelão. Personagem da ponta da cadeia da reciclagem do lixo urbano, setor que movimentou no ano passado R$ 7 bilhões, "Carlão" virou "benchmark" mundial.
Ele lidera a Coopamare (Cooperativa dos Catadores Autônomos de Papel, Aparas e Materiais Reaproveitáveis), de São Paulo, que reúne 60 catadores -uma das 400 apoiadas por empresas locais e internacionais. O modelo que busca engajar na reciclagem o poder público, os 500 mil desvalidos que vivem do lixo urbano e as empresas que distribuem seus produtos em embalagens descartáveis está sendo exportado para a China, a Índia, a Tailândia e a Rússia pelo Cempre (Compromisso Empresarial para Reciclagem).
É o know-how da miséria entrando na balança comercial do país. "A China, a Índia e a Tailândia também têm uma grande desigualdade social e de renda, como o Brasil, por isso o modelo do Cempre interessou àqueles países", diz André Vilhena, diretor-executivo da entidade.
A China, com 100 milhões de pessoas vivendo com menos de US$ 1 por dia, e a Índia, com 250 milhões abaixo da linha de pobreza, também têm catadores de lixo que atuam desorganizadamente. As matrizes da Coca-Cola, da Tetra Pak, da Nestlé e outras indústrias vinculadas ao Cempre sugeriram às suas subsidiárias naqueles países que procurassem conhecer a experiência brasileira, baseada na organização dos catadores. O que despertou tal interesse foi o fato de que vem crescendo o processamento de lixo reciclável e diminuindo o de lixões poluidores no país.
A preocupação das multinacionais ao importar o modelo brasileiro não é apenas com o ambiente. Nos países desenvolvidos que atingiram índices elevados de reciclagem elas têm de se responsabilizar pelos custos da coleta das embalagens que jogam no mercado. É o caso da Alemanha, campeã mundial em reciclagem, onde a coleta é subsidiada pela indústria a um custo de 4 bilhões de euros anuais. O subsídio é pago, no final, pelo consumidor na forma de uma taxa embutida no preço dos produtos.
A indústria recolhe a taxa e repassa os valores às prefeituras, que se responsabilizam pela coleta seletiva das embalagens. "Esse sistema não é viável em países emergentes. Estamos exportando um modelo de coleta seletiva sustentável, com inclusão social", diz Vilhena. Por ser auto-sustentável, segundo ele, é mais barato que o sistema alemão.
Newton Galvão, diretor de Assuntos Corporativos da Kraft Foods Brasil e presidente do Cempre, diz que no Brasil o problema da destinação do lixo ainda carece de uma política nacional. Desde 1991 tramita no Senado o projeto de lei nš 203, que visa estabelecer uma política nacional de resíduos (leia texto ao lado). "Não sei se um sistema como o alemão, que implicaria criar mais um imposto, funcionaria aqui", diz.
Segundo Galvão, a indústria defende uma solução para o lixo compartilhada entre as empresas, o consumidor - que separa os produtos inorgânicos do resto do lixo- e o poder público. Nesse modelo, organizar e aperfeiçoar o trabalho do catador é o centro da proposta da entidade empresarial.
As empresas vinculadas à ONG financiam o aluguel de galpões, de caminhões e doam equipamentos e uniformes aos catadores das cooperativas. Também orientam a montagem de serviço de coleta seletiva em condomínios, empresas e prefeituras.

Modelo brasileiro
Nos últimos anos, o volume de material recuperado do lixo urbano no país aumentou e o dos lixões encolheu. Em 1990, apenas 0,5% dos resíduos urbanos eram reciclados. Hoje, esse percentual chega a 10%. Já os detritos lançados nos lixões correspondiam a 90% da coleta diária em 1990. Em 2000, segundo os dados mais recentes do IBGE, 21,1% das 228,4 mil toneladas diárias de lixo urbano coletado foram para esses aterros.
Na China, por exemplo, só 20% do lixo produzido nas zonas urbanas é tratado, e o resto se amontoa. Segundo a agência oficial de notícias Xinhua, dois terços das cidades chinesas estão cercadas por lixo acumulado durante anos. Os lixões ocupam uma área superior a 500 milhões de metros quadrados, totalizando 4 bilhões de toneladas de detritos.
A Tailândia ainda não tem um mapeamento da situação do lixo urbano, primeira tarefa a ser realizada pelo Timpse (Thailand Institute of Packaging Management for Sustenaible Environment), o Cempre tailandês.
Na semana passada, o estafe contratado para administrar o Timpse esteve no Brasil. "Eles visitaram cooperativas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Também conheceram indústrias de reciclagem de embalagens PET e de papel e papelão", diz Vilhena.
O Timpse foi criado em dezembro passado por 16 empresas, entre elas as subsidiárias da Coca-Cola, da Tetra Pak, da Procter & Gamble e da Unilever, depois que o governo tailandês abandonou a idéia de adotar o sistema europeu.
As unidades da China e da Rússia também foram organizadas em dezembro do ano passado. Na Índia, as multinacionais estão analisando o projeto, após contatos iniciais com o Cempre.


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