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Brasil já exporta sua tecnologia da miséria urbana
Tailândia, China, Índia e Rússia copiam modelo brasileiro de separação de lixo baseado na organização de catadores
Cooperativas de reciclagem empregam 500 mil em todo o país e se tornam exemplo para multinacionais como
Coca-Cola, Nestlé e Unilever
SANDRA BALBI
DA REPORTAGEM LOCAL
Carlos Antonio dos Reis, 31,
ex-alcoólatra, quatro filhos,
dois casamentos, um neto. Vive
e sustenta a família com os R$
210 mensais que ganha como
catador de embalagens, papel e
papelão. Personagem da ponta
da cadeia da reciclagem do lixo
urbano, setor que movimentou
no ano passado R$ 7 bilhões,
"Carlão" virou "benchmark"
mundial.
Ele lidera a Coopamare
(Cooperativa dos Catadores
Autônomos de Papel, Aparas e
Materiais Reaproveitáveis), de
São Paulo, que reúne 60 catadores -uma das 400 apoiadas
por empresas locais e internacionais. O modelo que busca
engajar na reciclagem o poder
público, os 500 mil desvalidos
que vivem do lixo urbano e as
empresas que distribuem seus
produtos em embalagens descartáveis está sendo exportado
para a China, a Índia, a Tailândia e a Rússia pelo Cempre
(Compromisso Empresarial
para Reciclagem).
É o know-how da miséria entrando na balança comercial do
país. "A China, a Índia e a Tailândia também têm uma grande desigualdade social e de renda, como o Brasil, por isso o
modelo do Cempre interessou
àqueles países", diz André Vilhena, diretor-executivo da entidade.
A China, com 100 milhões de
pessoas vivendo com menos de
US$ 1 por dia, e a Índia, com
250 milhões abaixo da linha de
pobreza, também têm catadores de lixo que atuam desorganizadamente. As matrizes da
Coca-Cola, da Tetra Pak, da
Nestlé e outras indústrias vinculadas ao Cempre sugeriram
às suas subsidiárias naqueles
países que procurassem conhecer a experiência brasileira, baseada na organização dos catadores. O que despertou tal interesse foi o fato de que vem crescendo o processamento de lixo
reciclável e diminuindo o de lixões poluidores no país.
A preocupação das multinacionais ao importar o modelo
brasileiro não é apenas com o
ambiente. Nos países desenvolvidos que atingiram índices
elevados de reciclagem elas
têm de se responsabilizar pelos
custos da coleta das embalagens que jogam no mercado. É
o caso da Alemanha, campeã
mundial em reciclagem, onde a
coleta é subsidiada pela indústria a um custo de 4 bilhões de
euros anuais. O subsídio é pago,
no final, pelo consumidor na
forma de uma taxa embutida
no preço dos produtos.
A indústria recolhe a taxa e
repassa os valores às prefeituras, que se responsabilizam pela coleta seletiva das embalagens. "Esse sistema não é viável
em países emergentes. Estamos exportando um modelo de
coleta seletiva sustentável, com
inclusão social", diz Vilhena.
Por ser auto-sustentável, segundo ele, é mais barato que o
sistema alemão.
Newton Galvão, diretor de
Assuntos Corporativos da
Kraft Foods Brasil e presidente
do Cempre, diz que no Brasil o
problema da destinação do lixo
ainda carece de uma política
nacional. Desde 1991 tramita
no Senado o projeto de lei nš
203, que visa estabelecer uma
política nacional de resíduos
(leia texto ao lado). "Não sei se
um sistema como o alemão, que
implicaria criar mais um imposto, funcionaria aqui", diz.
Segundo Galvão, a indústria
defende uma solução para o lixo compartilhada entre as empresas, o consumidor - que separa os produtos inorgânicos
do resto do lixo- e o poder público. Nesse modelo, organizar
e aperfeiçoar o trabalho do catador é o centro da proposta da
entidade empresarial.
As empresas vinculadas à
ONG financiam o aluguel de
galpões, de caminhões e doam
equipamentos e uniformes aos
catadores das cooperativas.
Também orientam a montagem de serviço de coleta seletiva em condomínios, empresas
e prefeituras.
Modelo brasileiro
Nos últimos anos, o volume
de material recuperado do lixo
urbano no país aumentou e o
dos lixões encolheu. Em 1990,
apenas 0,5% dos resíduos urbanos eram reciclados. Hoje, esse
percentual chega a 10%. Já os
detritos lançados nos lixões
correspondiam a 90% da coleta
diária em 1990. Em 2000, segundo os dados mais recentes
do IBGE, 21,1% das 228,4 mil
toneladas diárias de lixo urbano coletado foram para esses
aterros.
Na China, por exemplo, só
20% do lixo produzido nas zonas urbanas é tratado, e o resto
se amontoa. Segundo a agência
oficial de notícias Xinhua, dois
terços das cidades chinesas estão cercadas por lixo acumulado durante anos. Os lixões ocupam uma área superior a 500
milhões de metros quadrados,
totalizando 4 bilhões de toneladas de detritos.
A Tailândia ainda não tem
um mapeamento da situação
do lixo urbano, primeira tarefa
a ser realizada pelo Timpse
(Thailand Institute of Packaging Management for Sustenaible Environment), o Cempre
tailandês.
Na semana passada, o estafe
contratado para administrar o
Timpse esteve no Brasil. "Eles
visitaram cooperativas em São
Paulo e no Rio de Janeiro.
Também conheceram indústrias de reciclagem de embalagens PET e de papel e papelão",
diz Vilhena.
O Timpse foi criado em dezembro passado por 16 empresas, entre elas as subsidiárias da
Coca-Cola, da Tetra Pak, da
Procter & Gamble e da Unilever, depois que o governo tailandês abandonou a idéia de
adotar o sistema europeu.
As unidades da China e da
Rússia também foram organizadas em dezembro do ano passado. Na Índia, as multinacionais estão analisando o projeto,
após contatos iniciais com o
Cempre.
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