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OPINIÃO ECONÔMICA
Governo não tem agenda de desenvolvimento
GESNER OLIVEIRA
A agenda de desenvolvimento do governo continua indefinida a despeito do sem-número
de documentos oficiais e oficiosos
que vieram a público nos últimos
meses. A divulgação na terça-feira, véspera da reunião do Copom
(Comitê de Política Monetária),
do "Roteiro para a nova agenda
de desenvolvimento econômico"
veio apenas confirmar esse fato.
Há dois problemas básicos. O
primeiro é o nível de generalidade
em que os temas são abordados.
Tal fato não geraria desconforto
se se tratasse de uma minuta de
programa de governo um ano antes das eleições. Ocorre que já se
foram praticamente 180 dias de
administração e o discurso ainda
é extremamente vago. Ninguém
espera que a noiva suba ao altar
com pontualidade britânica. Mas,
depois de meia hora, espera-se ao
menos que ela esteja a caminho
da igreja.
Assim como uma noiva caprichosa e detalhista, o sinuoso roteiro do governo faz uma longa explanação acerca da importância
da parceria entre os setores público e privado. A parceria público-privado é fundamental. Mas o
que será feito a respeito? Em que
prazo o governo pretende encaminhar projeto de lei sobre o assunto, que estava pronto na administração anterior? Qual o volume
estimado de investimentos e qual
o cronograma de implementação?
Essas perguntas ficam sem resposta, assim como dezenas de outras
relativas a metas específicas de
produção e investimento.
O segundo problema deriva do
fato de as prioridades serem celebradas em algumas manifestações com a mesma facilidade em
que desaparecem em outras. Tomem-se dois entre os inúmeros
exemplos.
Durante a campanha presidencial, a substituição de importações era enfatizada como uma
das peças fundamentais da política industrial e de comércio exterior. Segundo o item 30 do programa do PT, "o objetivo é viabilizar
o incremento das exportações, a
substituição competitiva das importações e a melhoria da infra-estrutura".
Ainda na mesma direção, as diretrizes do Plano Plurianual
2004-2007 assinalam que "há que
definir claramente os critérios de
escolha dos setores e das políticas
prioritárias para atingir os objetivos de elevar o investimento em
setores exportadores, que substituam importações...".
Chama a atenção, contudo, que
a expressão "substituição de importações" não seja utilizada nenhuma vez no roteiro apresentado pelo governo. Houve uma mudança de proposta? Qual foi a motivação? Ninguém sabe.
Curiosamente, temas importantes que estavam ausentes no programa de governo, como o da reforma da legislação de falências,
apareceram em documento anterior do Ministério da Fazenda,
mas inexplicavelmente desapareceram do roteiro. A julgar pela
correta prioridade que o governo
tem dado à questão, a modernização da ultrapassada legislação de
falências continua sendo importante para a agenda de desenvolvimento, mas não foi sequer citada no roteiro.
É preciso reconhecer que houve
progresso nos temas da regulação
e da defesa da concorrência. Essas
áreas foram olimpicamente ignoradas pelo programa do PT, talvez porque poderiam fazer parte
daquilo que era chamado de forma superficial e irrefletida de política neoliberal.
No entanto, e a despeito do
bombardeio que as agências sofreram no início do governo, o documento do PPA reconheceu a
importância da promoção de "políticas de concorrência e de controle de oligopólios e a reavaliação e a implementação de marcos
regulatórios relativos à infra-estrutura econômica".
Na mesma direção, o roteiro divulgado nesta semana reconhece
que é "fundamental o compromisso do governo com o estabelecimento de modelos regulatórios
transparentes, bem definidos e específicos para os setores de infra-estrutura (energia, transportes e
saneamento básico), reduzindo a
incerteza regulatória e estimulando a participação da iniciativa
privada". É bom que as áreas de
infra-estrutura do governo leiam
e levem a sério essas passagens.
A vagueza e inconstância das
proposições não permitem afirmar que o governo tenha uma
agenda de desenvolvimento. Ou
que esteja em curso uma "fase
dois" da política econômica. De
concreto, mesmo, só existe o enorme custo da recessão da economia.
Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do
Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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