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São Paulo, sábado, 21 de junho de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Governo não tem agenda de desenvolvimento

GESNER OLIVEIRA

A agenda de desenvolvimento do governo continua indefinida a despeito do sem-número de documentos oficiais e oficiosos que vieram a público nos últimos meses. A divulgação na terça-feira, véspera da reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), do "Roteiro para a nova agenda de desenvolvimento econômico" veio apenas confirmar esse fato.
Há dois problemas básicos. O primeiro é o nível de generalidade em que os temas são abordados. Tal fato não geraria desconforto se se tratasse de uma minuta de programa de governo um ano antes das eleições. Ocorre que já se foram praticamente 180 dias de administração e o discurso ainda é extremamente vago. Ninguém espera que a noiva suba ao altar com pontualidade britânica. Mas, depois de meia hora, espera-se ao menos que ela esteja a caminho da igreja.
Assim como uma noiva caprichosa e detalhista, o sinuoso roteiro do governo faz uma longa explanação acerca da importância da parceria entre os setores público e privado. A parceria público-privado é fundamental. Mas o que será feito a respeito? Em que prazo o governo pretende encaminhar projeto de lei sobre o assunto, que estava pronto na administração anterior? Qual o volume estimado de investimentos e qual o cronograma de implementação? Essas perguntas ficam sem resposta, assim como dezenas de outras relativas a metas específicas de produção e investimento.
O segundo problema deriva do fato de as prioridades serem celebradas em algumas manifestações com a mesma facilidade em que desaparecem em outras. Tomem-se dois entre os inúmeros exemplos.
Durante a campanha presidencial, a substituição de importações era enfatizada como uma das peças fundamentais da política industrial e de comércio exterior. Segundo o item 30 do programa do PT, "o objetivo é viabilizar o incremento das exportações, a substituição competitiva das importações e a melhoria da infra-estrutura".
Ainda na mesma direção, as diretrizes do Plano Plurianual 2004-2007 assinalam que "há que definir claramente os critérios de escolha dos setores e das políticas prioritárias para atingir os objetivos de elevar o investimento em setores exportadores, que substituam importações...".
Chama a atenção, contudo, que a expressão "substituição de importações" não seja utilizada nenhuma vez no roteiro apresentado pelo governo. Houve uma mudança de proposta? Qual foi a motivação? Ninguém sabe.
Curiosamente, temas importantes que estavam ausentes no programa de governo, como o da reforma da legislação de falências, apareceram em documento anterior do Ministério da Fazenda, mas inexplicavelmente desapareceram do roteiro. A julgar pela correta prioridade que o governo tem dado à questão, a modernização da ultrapassada legislação de falências continua sendo importante para a agenda de desenvolvimento, mas não foi sequer citada no roteiro.
É preciso reconhecer que houve progresso nos temas da regulação e da defesa da concorrência. Essas áreas foram olimpicamente ignoradas pelo programa do PT, talvez porque poderiam fazer parte daquilo que era chamado de forma superficial e irrefletida de política neoliberal.
No entanto, e a despeito do bombardeio que as agências sofreram no início do governo, o documento do PPA reconheceu a importância da promoção de "políticas de concorrência e de controle de oligopólios e a reavaliação e a implementação de marcos regulatórios relativos à infra-estrutura econômica".
Na mesma direção, o roteiro divulgado nesta semana reconhece que é "fundamental o compromisso do governo com o estabelecimento de modelos regulatórios transparentes, bem definidos e específicos para os setores de infra-estrutura (energia, transportes e saneamento básico), reduzindo a incerteza regulatória e estimulando a participação da iniciativa privada". É bom que as áreas de infra-estrutura do governo leiam e levem a sério essas passagens.
A vagueza e inconstância das proposições não permitem afirmar que o governo tenha uma agenda de desenvolvimento. Ou que esteja em curso uma "fase dois" da política econômica. De concreto, mesmo, só existe o enorme custo da recessão da economia.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br

E-mail - gesner@fgvsp.br


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