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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Mudanças no monitoramento do FMI
Nosso objetivo foi evitar que se criassem, de maneira direta ou indireta, novas obrigações para os países
DEPOIS DE demorada negociação, a diretoria do FMI aprovou, por ampla maioria, uma
nova decisão sobre o monitoramento ("surveillance") dos seus países-membros, em substituição a uma
decisão que vigorava desde 1977. O
grupo do Brasil votou a favor. O texto integral da decisão está sendo divulgado hoje.
O impulso inicial para essa negociação foi dado pelo governo americano. O principal objetivo era pressionar a China a aceitar uma apreciação da sua moeda, considerada
"subvalorizada" ou "desalinhada".
Os demais países desenvolvidos
apoiaram os EUA. O FMI, por sua
vez, aproveitou a revisão da decisão
de 1977 para tentar consolidar e ampliar o seu poder de interferir nas
políticas dos países.
Como o Fundo não tem quase nenhuma influência sobre os países
desenvolvidos, éramos nós, os subdesenvolvidos, o grande alvo da revisão. A China era a preocupação do
momento, mas os demais países em
desenvolvimento seriam prejudicados de forma duradoura se o FMI
conseguisse aumentar o seu poder
de fogo.
Desde o início, o nosso objetivo foi
evitar a introdução, de maneira direta ou indireta, aberta ou sub-reptícia, de novas obrigações para os países-membros. Como disse o diretor-executivo de um país em desenvolvimento, não queríamos "dar mais
dentes a um animal que não controlamos". Os países desenvolvidos tinham a maioria necessária para
aprovar a revisão. Mas a legitimidade do Fundo ficaria abalada se uma
decisão dessa importância fosse tomada contra a vontade de um número expressivo de países. Se tivessem tentado passar o trator em cima
dos subdesenvolvidos, o resultado
poderia ter sido a aprovação da decisão com voto contrário de, talvez, 8
ou 9 de um total de 24 diretores.
Foi preciso lutar com unhas e dentes, mas a posição do Fundo e dos
países desenvolvidos mostrou-se razoavelmente flexível. No final, quase
todas as nossas preocupações foram
em grande medida incorporadas ao
texto da decisão.
No Convênio Constitutivo do
Fundo, há uma hierarquia entre as
obrigações sobre política cambial e
as que se referem a políticas domésticas. As primeiras são mais fortes e
detalhadas; as segundas são leves e
sucintas. Em linha com essa hierarquia, a nova decisão incluiu dispositivos sobre políticas internas como
orientação para o Fundo -e não para os países-membros, seguindo sugestão apresentada pelo Brasil no
início deste ano. O texto final da decisão esclarece que essa orientação
ao Fundo não amplia o escopo, nem
muda a natureza, direta ou indiretamente, das obrigações dos países.
Foram introduzidos novos conceitos na parte cambial, especialmente o polêmico "desalinhamento
cambial". Conseguimos, entretanto,
introduzir ressalvas à aplicação desse conceito, que é objeto de controvérsias conceituais e empíricas.
Além disso, foram retiradas menções negativas a intervenções cambiais, esterilização e controles de capital. A preocupação era resguardar
instrumentos legítimos de política
econômica.
A nova decisão tem outro aspecto
positivo: ela estabelece limites à interferência no campo das políticas
internas. Políticas fiscais, monetárias e financeiras serão monitoradas, mas outras políticas só serão
objeto de acompanhamento na medida em que afetem a estabilidade
externa da economia. Os países-membros devem considerar essa
parte da decisão com cuidado, pois
ela serve como proteção contra a
tendência do Fundo a ampliar o alcance de suas recomendações.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 52, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa
um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).
pnbjr@attglobal.net
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