São Paulo, quinta-feira, 21 de junho de 2007

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

Mudanças no monitoramento do FMI

Nosso objetivo foi evitar que se criassem, de maneira direta ou indireta, novas obrigações para os países

DEPOIS DE demorada negociação, a diretoria do FMI aprovou, por ampla maioria, uma nova decisão sobre o monitoramento ("surveillance") dos seus países-membros, em substituição a uma decisão que vigorava desde 1977. O grupo do Brasil votou a favor. O texto integral da decisão está sendo divulgado hoje.
O impulso inicial para essa negociação foi dado pelo governo americano. O principal objetivo era pressionar a China a aceitar uma apreciação da sua moeda, considerada "subvalorizada" ou "desalinhada".
Os demais países desenvolvidos apoiaram os EUA. O FMI, por sua vez, aproveitou a revisão da decisão de 1977 para tentar consolidar e ampliar o seu poder de interferir nas políticas dos países.
Como o Fundo não tem quase nenhuma influência sobre os países desenvolvidos, éramos nós, os subdesenvolvidos, o grande alvo da revisão. A China era a preocupação do momento, mas os demais países em desenvolvimento seriam prejudicados de forma duradoura se o FMI conseguisse aumentar o seu poder de fogo.
Desde o início, o nosso objetivo foi evitar a introdução, de maneira direta ou indireta, aberta ou sub-reptícia, de novas obrigações para os países-membros. Como disse o diretor-executivo de um país em desenvolvimento, não queríamos "dar mais dentes a um animal que não controlamos". Os países desenvolvidos tinham a maioria necessária para aprovar a revisão. Mas a legitimidade do Fundo ficaria abalada se uma decisão dessa importância fosse tomada contra a vontade de um número expressivo de países. Se tivessem tentado passar o trator em cima dos subdesenvolvidos, o resultado poderia ter sido a aprovação da decisão com voto contrário de, talvez, 8 ou 9 de um total de 24 diretores.
Foi preciso lutar com unhas e dentes, mas a posição do Fundo e dos países desenvolvidos mostrou-se razoavelmente flexível. No final, quase todas as nossas preocupações foram em grande medida incorporadas ao texto da decisão.
No Convênio Constitutivo do Fundo, há uma hierarquia entre as obrigações sobre política cambial e as que se referem a políticas domésticas. As primeiras são mais fortes e detalhadas; as segundas são leves e sucintas. Em linha com essa hierarquia, a nova decisão incluiu dispositivos sobre políticas internas como orientação para o Fundo -e não para os países-membros, seguindo sugestão apresentada pelo Brasil no início deste ano. O texto final da decisão esclarece que essa orientação ao Fundo não amplia o escopo, nem muda a natureza, direta ou indiretamente, das obrigações dos países.
Foram introduzidos novos conceitos na parte cambial, especialmente o polêmico "desalinhamento cambial". Conseguimos, entretanto, introduzir ressalvas à aplicação desse conceito, que é objeto de controvérsias conceituais e empíricas.
Além disso, foram retiradas menções negativas a intervenções cambiais, esterilização e controles de capital. A preocupação era resguardar instrumentos legítimos de política econômica.
A nova decisão tem outro aspecto positivo: ela estabelece limites à interferência no campo das políticas internas. Políticas fiscais, monetárias e financeiras serão monitoradas, mas outras políticas só serão objeto de acompanhamento na medida em que afetem a estabilidade externa da economia. Os países-membros devem considerar essa parte da decisão com cuidado, pois ela serve como proteção contra a tendência do Fundo a ampliar o alcance de suas recomendações.


PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 52, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).
pnbjr@attglobal.net


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