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ARTIGO
Dez anos de metas para a inflação
Foi o suposto conservadorismo do Copom que abriu espaço para ações que contribuirão para a recuperação da economia
MÁRIO MESQUITA
ESPECIAL PARA A FOLHA
O regime de metas para a inflação foi formalmente adotado
pelo Brasil em junho de 1999. A
despeito de enfrentar considerável ceticismo em Washington e em Wall Street, que, na
época, pareciam ter mais simpatia pelo regime de conversibilidade argentino, e também
no país, o regime tem sido bem--sucedido e está consolidado.
Sem oferecer uma panaceia
econômica -nenhum regime
monetário o faz-, o regime de
metas para a inflação vem se
mostrando inequivocamente
superior às alternativas, sejam
elas metas cambiais ou para
agregados monetários.
Este décimo aniversário é a
ocasião propícia para se avaliar
o desempenho do regime, reexaminando, à luz dos fatos, algumas das controvérsias, ou
mitos, propagadas ao longo da
última década, sobre seu desenho e sua implementação.
O primeiro refere-se à ideia
de que, ao perseguir metas para
a inflação, o Comitê de Política
Monetária do Banco Central
(Copom) tenderia a punir a atividade econômica. Tal mito parece ser calcado na crença, ultrapassada, de que seria possível elevar a taxa de crescimento
sustentado da economia com
maior tolerância à inflação. Na
verdade, os benefícios da redução da inflação para o crescimento ficam nítidos se considerarmos o importante trabalho, recentemente publicado,
do Comitê de Datação de Ciclos
Econômicos da Fundação Getulio Vargas.
Segundo esse trabalho, que
cobre o período entre janeiro
de 1980 e março de 2009, as recessões não se tornaram mais
frequentes após a adoção do regime de metas para a inflação.
Ao contrário, foi sob esse regime que se verificou a fase de expansão mais prolongada de toda a amostra -21 trimestres
entre o terceiro trimestre de
2003 e o terceiro de 2008-, e
que só foi abortada pela contração econômica mundial, a mais
severa desde os anos 30 do século passado.
O segundo mito é o de que o
Copom foi excessivamente
conservador, ou seja, que praticou política monetária consistentemente mais restritiva do
que o necessário para promover a convergência da inflação
às metas. Se isso fosse verdade,
a inflação deveria se situar consistentemente abaixo da trajetória de metas. Não foi, contudo, o que ocorreu.
Desde a adoção do regime de
metas, a inflação tem estado
mais tempo acima do que abaixo do valor central para a meta.
De fato, desde 1999 a inflação
permaneceu 72% do tempo em
níveis superiores ao valor central da meta, e 26% acima do limite superior do intervalo de
tolerância, mas nunca rompeu
o limite inferior. A propósito,
cabe ressaltar que foi o suposto
conservadorismo do Copom,
ao conter os danos, derivados
da forte aceleração inflacionária ocorrida no ano passado, sobre as expectativas de inflação,
que abriu espaço para ações de
política monetária que terão
efeitos contracíclicos, contribuindo para a recuperação da
atividade econômica em 2009 e
em 2010.
Poder-se-ia contra-argumentar que, se não o Copom,
draconiano então foi o Conselho Monetário Nacional, ao fixar metas exageradamente ambiciosas para a inflação brasileira. Isso também não corresponde aos fatos. A média das
metas centrais para os países
emergentes era de 7,2% em
1999, mas se deslocou para
3,6% em 2009 (2,1% para países desenvolvidos), diante do
valor de 4,5% vigente no país
nos últimos anos. De uma
amostra, compilada por pesquisadores do Banco Central,
de 25 países que atualmente
adotam o sistema de metas para a inflação, 17 dos quais emergentes, em 2009 somente 2
apresentam valores centrais da
meta superiores ao do Brasil
(Guatemala e Turquia) e 2 o
mesmo valor (Indonésia e África do Sul). Além disso, o intervalo de tolerância de 4 pontos
percentuais adotado pelo Brasil é o maior da amostra.
Outra crítica ao Copom é que
ele não daria a devida importância ao equilíbrio externo na
definição da política monetária. Novamente a crítica não
encontra respaldo nos dados.
Foi exatamente sob a égide do
regime de metas para a inflação
com flutuação cambial que a
economia brasileira superou
crônicos problemas de balanço
de pagamentos, atingindo o
grau de investimento.
E foi sob
o regime de metas para a inflação com flutuação cambial que
o Banco Central teve acesso,
em momento de crise financeira global, a um acordo de
"swap" recíproco de moedas
com o Federal Reserve, em vez
de ter de recorrer ao FMI.
O desempenho do setor externo na economia sob esse regime, que alternou conjunturas
externas benignas (como em
2003-2008) e adversas (1999-2002 e mais recentemente),
contrasta de forma nitidamente favorável com o que se observou em períodos de câmbio administrado, nos anos 80 e 90 do
século passado. A divisão de
trabalho, política monetária
voltada para o equilíbrio interno, consubstanciado nas metas
para a inflação, e câmbio flutuante para atingir o equilíbrio
externo, vem se mostrando
bastante eficiente, como evidencia o rápido ajuste da conta
corrente ocorrido desde o final
de 2008.
Os economistas do Banco
Central não ignoram o papel da
taxa de câmbio no mecanismo
de transmissão da política monetária, apenas o colocam em
perspectiva -mudanças da taxa de câmbio, assim como de
diversas outras variáveis, são
analisadas sob o ponto de vista
do efeito que poderão ter sobre
a trajetória futura da inflação.
Essa posição pode ocasionalmente desagradar a certos setores, mas é a mais adequada do
ponto de vista macroeconômico, é a única posição possível
sob um verdadeiro regime de
metas para a inflação e, em última análise, é a mais apropriada
para a sociedade como um todo.
Um tema recorrente de controvérsia, que no caso brasileiro tornou-se mais evidente sob
o regime de metas, é a questão
das defasagens da política monetária. Essas defasagens fazem com que a política monetária deva ser ajustada antes
que seus efeitos se tornem evidentes, daí a ênfase atribuída às
projeções para a inflação e ao
balanço dos riscos em torno do
cenário prospectivo central, no
processo decisório do Copom.
O regime de metas para a inflação é, em resumo, bastante
flexível e, ao enfatizar a transparência, em nosso caso por
meio da divulgação das notas
das reuniões do Copom, dos
Relatórios de Inflação, bem como das frequentes audiências
da diretoria do Banco Central
no Congresso Nacional, especialmente adaptado à governança democrática. Mas flexibilidade não implica ambiguidade de propósitos: cabe ao Copom calibrar a política monetária de forma a promover a convergência da inflação para a
trajetória de metas estabelecida pelo CMN.
Essa calibragem leva em conta um amplo conjunto de informações, como o grau de ociosidade na utilização dos fatores
de produção, as expectativas de
inflação, a persistência inflacionária e a evolução dos custos
das importações, bem como de
itens administrados, mas sempre -e quanto a isso não deve
haver dúvida na sociedade-
com foco no objetivo precípuo
da política monetária, que é alinhar a dinâmica dos preços às
respectivas metas.
No dia 21 de junho de 1999, o decreto nº 3.088
estabeleceu o sistema de metas para a inflação
como diretriz para o regime de política monetária brasileiro.
MÁRIO MESQUITA, 43, economista, é diretor
de Política Econômica do Banco Central do Brasil.
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