São Paulo, sexta-feira, 21 de julho de 2000


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OPINIÃO ECONÔMICA

Tentativa de assassínio de caráter

MAILSON DA NÓBREGA

A ssassínio de caráter é a destruição, sem defesa, da imagem pública de um indivíduo. Tal como no crime de morte, mesmo que o "assassino" venha a ser condenado por difamação ou calúnia, não há mais como ressuscitar o caráter do "morto".
A imagem do indivíduo define sua posição na sociedade e deriva geralmente do êxito no governo, na mídia, na empresa, na academia, na pesquisa, no esporte, na medicina, nas artes e assim por diante.
O linchamento moral é parente próximo do assassínio de caráter. Um caso famoso é o da Escola Base de São Paulo. Seus proprietários foram expostos à mídia, acusados de atos que beiravam a pedofilia, por pais histéricos, um delegado de polícia que queria mais aparecer do que investigar e jornalistas pouco cuidadosos. Foram depois inocentados.
Agora, está em curso uma tentativa de assassínio do caráter do ministro do Planejamento, Martus Tavares. Afável, talentoso e sério, ele goza da estima e da admiração dos que, como eu, o conheceram na administração pública federal.
O ministro Martus fez uma carreira brilhante. Em 15 anos no setor público, ele se credenciou a assumir o cargo que ora ocupa, por seus próprios méritos.
De repente, sua assinatura em um projeto de suplementação orçamentária -tecnicamente correto- foi o suficiente para que o acusassem, sem provas, de envolvimento nos crimes relacionados com a construção do prédio do TRT de São Paulo.
Logo em seguida, divulgou-se uma gravação com o juiz Nicolau dos Santos, o qual fazia comentários desairosos sobre o ministro. Era evidente que não se tratava de uma conversa fortuita, mas de uma armação para tocar determinados fatos.
Apesar disso, a revista afirmou, na capa, que o ministro ajudava na liberação de recursos. Era a palavra de um juiz foragido da Justiça contra a do indefeso ministro, que nem sequer foi ouvido.
Um conhecido senador, a quem se atribui a fama de carrasco de ministros e altos funcionários do governo culpados ou inocentes, dirigiu sua mira para o peito do ministro Martus, tão logo leu as notícias. Sôfrego, pediu a cabeça do ministro, pronto a fazer mais uma marca no cabo de seu revólver justiceiro.
É claro que, provada sua inocência, o ministro pode requerer na Justiça a devida reparação moral, em processo que se arrastará pelas calendas. É pouco provável, no final, que alguém pague o preço justo pela leviandade.
Há um outro mal nesse lamentável episódio: a criação de novas dificuldades para o governo continuar recrutando talentos. Nem todos se sujeitarão ao risco de ter o nome enlameado de forma marota e irresponsável.
Uma burocracia profissional, eficaz e bem remunerada é fundamental para a democracia e para o desenvolvimento.
No Brasil, o serviço público tem sido um mecanismo de mobilidade social, além de fator de progresso econômico, social e político. Do ponto de vista estritamente individual, são inúmeros os exemplos dos que ascenderam na escala social por meio das burocracias do Estado. Muitos têm integrado as elites dirigentes do país.
Assim, o setor público exerce um papel formativo. A incorporação de jovens funcionários às burocracias relevantes os leva também a aprender valores e normas de comportamento que vão além dos critérios de racionalidade estritamente técnicos.
Respeito à coisa pública e capacitação para discriminar entre o interesse público e os interesses privados são exemplos de valores e normas que compõem um código de ética novo para o jovem recruta.
Burocracias federais têm mobilizado candidatos de todas as regiões do país, atuando também como fator de distribuição mais democrática das oportunidades de acesso à elite dirigente.
Burocracias competentes podem ser fator de estabilidade política. Em ambiente democrático, que permite a alternância no poder por meio do processo eleitoral, o saber acumulado, os mecanismos de controle e de transmissão do código de ética são mais permanentes e menos expostos às flutuações políticas.
Não existe argumento que justifique a não-investigação do caso e a punição dos culpados, observado o devido processo legal e o respeito aos direitos invioláveis dos cidadãos. A busca responsável da verdade merece o apoio de todos.
É preciso, todavia, evitar que métodos inquisitoriais, sensacionalistas ou politicamente motivados continuem a conspurcar a honra dos homens de bem. O ministro Martus Tavares não pode ser mais uma vítima desse processo incivilizado e suicida.


Mailson da Nóbrega, 58, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney), sócio da Tendências Consultoria Integrada, escreve às sextas-feiras nesta coluna.
E-mail - mailson@palavra.inf.br


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