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OPINIÃO ECONÔMICA
Tentativa de assassínio de caráter
MAILSON DA NÓBREGA
A ssassínio de caráter é a
destruição, sem defesa, da
imagem pública de um indivíduo.
Tal como no crime de morte, mesmo que o "assassino" venha a ser
condenado por difamação ou calúnia, não há mais como ressuscitar o caráter do "morto".
A imagem do indivíduo define
sua posição na sociedade e deriva
geralmente do êxito no governo,
na mídia, na empresa, na academia, na pesquisa, no esporte, na
medicina, nas artes e assim por
diante.
O linchamento moral é parente
próximo do assassínio de caráter.
Um caso famoso é o da Escola Base de São Paulo. Seus proprietários foram expostos à mídia, acusados de atos que beiravam a pedofilia, por pais histéricos, um delegado de polícia que queria mais
aparecer do que investigar e jornalistas pouco cuidadosos. Foram
depois inocentados.
Agora, está em curso uma tentativa de assassínio do caráter do
ministro do Planejamento, Martus Tavares. Afável, talentoso e
sério, ele goza da estima e da admiração dos que, como eu, o conheceram na administração pública federal.
O ministro Martus fez uma carreira brilhante. Em 15 anos no setor público, ele se credenciou a assumir o cargo que ora ocupa, por
seus próprios méritos.
De repente, sua assinatura em
um projeto de suplementação orçamentária -tecnicamente correto- foi o suficiente para que o
acusassem, sem provas, de envolvimento nos crimes relacionados
com a construção do prédio do
TRT de São Paulo.
Logo em seguida, divulgou-se
uma gravação com o juiz Nicolau
dos Santos, o qual fazia comentários desairosos sobre o ministro.
Era evidente que não se tratava
de uma conversa fortuita, mas de
uma armação para tocar determinados fatos.
Apesar disso, a revista afirmou,
na capa, que o ministro ajudava
na liberação de recursos. Era a
palavra de um juiz foragido da
Justiça contra a do indefeso ministro, que nem sequer foi ouvido.
Um conhecido senador, a quem
se atribui a fama de carrasco de
ministros e altos funcionários do
governo culpados ou inocentes,
dirigiu sua mira para o peito do
ministro Martus, tão logo leu as
notícias. Sôfrego, pediu a cabeça
do ministro, pronto a fazer mais
uma marca no cabo de seu revólver justiceiro.
É claro que, provada sua inocência, o ministro pode requerer
na Justiça a devida reparação
moral, em processo que se arrastará pelas calendas. É pouco provável, no final, que alguém pague
o preço justo pela leviandade.
Há um outro mal nesse lamentável episódio: a criação de novas
dificuldades para o governo continuar recrutando talentos. Nem
todos se sujeitarão ao risco de ter
o nome enlameado de forma marota e irresponsável.
Uma burocracia profissional,
eficaz e bem remunerada é fundamental para a democracia e
para o desenvolvimento.
No Brasil, o serviço público tem
sido um mecanismo de mobilidade social, além de fator de progresso econômico, social e político. Do ponto de vista estritamente
individual, são inúmeros os
exemplos dos que ascenderam na
escala social por meio das burocracias do Estado. Muitos têm integrado as elites dirigentes do
país.
Assim, o setor público exerce
um papel formativo. A incorporação de jovens funcionários às burocracias relevantes os leva também a aprender valores e normas
de comportamento que vão além
dos critérios de racionalidade estritamente técnicos.
Respeito à coisa pública e capacitação para discriminar entre o
interesse público e os interesses
privados são exemplos de valores
e normas que compõem um código de ética novo para o jovem recruta.
Burocracias federais têm mobilizado candidatos de todas as regiões do país, atuando também
como fator de distribuição mais
democrática das oportunidades
de acesso à elite dirigente.
Burocracias competentes podem ser fator de estabilidade política. Em ambiente democrático,
que permite a alternância no poder por meio do processo eleitoral,
o saber acumulado, os mecanismos de controle e de transmissão
do código de ética são mais permanentes e menos expostos às
flutuações políticas.
Não existe argumento que justifique a não-investigação do caso e
a punição dos culpados, observado o devido processo legal e o respeito aos direitos invioláveis dos
cidadãos. A busca responsável da
verdade merece o apoio de todos.
É preciso, todavia, evitar que
métodos inquisitoriais, sensacionalistas ou politicamente motivados continuem a conspurcar a
honra dos homens de bem. O ministro Martus Tavares não pode
ser mais uma vítima desse processo incivilizado e suicida.
Mailson da Nóbrega, 58, ex-ministro da
Fazenda (governo José Sarney), sócio da
Tendências Consultoria Integrada, escreve às sextas-feiras nesta coluna.
E-mail - mailson@palavra.inf.br
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