São Paulo, segunda-feira, 21 de julho de 2008

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Para país, reação dos EUA a citação de nazista é tática

Amorim diz lamentar mal-estar causado por comparar ação de países ricos a Goebbels

No sábado, às vésperas de reunião sobre Doha, chanceler disse que campanha de "desinformação" lembrava frase de ministro de Hitler

Alan Marques - 21.mai.08/Folha Imagem


MARCELO NINIO
DE GENEBRA

O chanceler Celso Amorim lamentou ontem um possível mal-estar que possa ter causado ao citar um ministro nazista no sábado, quando afirmou que os países ricos usam a desinformação para não fazerem a sua parte nas negociações comerciais da Rodada Doha. Mas se manteve na ofensiva e, indagado, concordou que a reação irritada dos Estados Unidos é uma tática de negociação.
"Se ofendi alguém, eu lamento, não foi minha intenção. Mas mantenho: repetir uma distorção faz com que as pessoas acreditem que ela é a verdade", disse Amorim, ao fim de uma série de reuniões preparatórias para o encontro que começa hoje na OMC (Organização Mundial do Comércio) e que está sendo considerado a última cartada para salvar a Rodada Doha.
A polêmica citação foi feita durante entrevista coletiva concedida por Amorim no sábado, na sede da OMC. Ao se queixar de campanha de "desinformação" feita pelos países ricos nas negociações, ele disse que ela lembrava uma frase do ministro da Propaganda de Adolf Hitler, Joseph Goebbels.
"O autor [da frase] não é bom, mas é verdade: uma mentira dita muitas vezes vira verdade", disse o chanceler brasileiro. Ele criticava a impressão difundida pelos países desenvolvidos de que o entendimento sobre agricultura estava adiantado e que um acordo dependia das negociações industriais, em que os emergentes estão sendo cobrados a aceitar reduções de tarifas maiores.

Insultante
Ao saber da referência a um nazista feita por Amorim, a delegação americana reagiu com irritação. O porta-voz da representante do Comércio dos Estados Unidos, Susan Schwab, que é filha de sobreviventes do Holocausto, classificou a citação de "incrivelmente errada" e "insultante".
Já era madrugada em Genebra quando o porta-voz do Itamaraty, Ricardo Neiva Tavares, divulgou nota de esclarecimento, na qual afirmou que Amorim não pretendia ofender Schwab com a referência a "um fato histórico". Para a diplomacia brasileira, porém, os Estados Unidos exageraram a reação para enfraquecer o Brasil nas negociações. O próprio Amorim admitiu ontem que essa pode ter sido a intenção dos americanos.
Um diplomata da União Européia chamou a citação feita por Amorim de "altamente lamentável". O comissário de Comércio da UE, Peter Mandelson, não quis alimentar a polêmica. "Deixemos o senhor Goebbels de lado", disse, após se reunir com Amorim.

A reunião
O desconforto diplomático foi mais um episódio da guerra de nervos entre países desenvolvidos e em desenvolvimento que se acirrou na véspera de uma reunião tida como crucial para as relações comerciais no planeta nos próximos anos. A partir de hoje, ministros de mais de 30 países tentarão finalizar as bases para um acordo da Rodada Doha, a mais ambiciosa tentativa de abertura do comércio do planeta já tentada.
Ante as divergências que continuam a haver entre os países, entretanto, poucos acreditam que o nível de ambição original seja mantido. Alguns falam em uma versão "light" de Doha, que implicaria menos abertura dos mercados agrícolas dos ricos, mas também reduziria as exigências de redução de tarifas industriais dos países em desenvolvimento.
O fim de semana em Genebra foi de intensa movimentação diplomática, com diversas reuniões bilaterais e de alianças regionais e políticas, num esforço de última hora para consolidar posições. O G20, grupo de países em desenvolvimento encabeçado pelo Brasil, divulgou comunicado reiterando "o papel central" da agricultura para a obtenção de um acordo.
"Os países desenvolvidos são responsáveis pelas principais distorções e restrições no tocante a políticas e comércio agrícolas", diz a nota. Pela proposta que serve de base para as discussões, os EUA fixariam o teto de seus subsídios agrícolas entre US$ 13 bilhões e US$ 16,4 bilhões anuais, algo considerado ainda excessivo para os emergentes.
"Vamos brigar nesta semana para que esse mínimo seja reduzido ainda mais", disse ontem o negociador-chefe da Argentina, Nestor Stancanelli. Ele lembrou que esse mínimo é ainda quase o dobro dos subsídios concedidos pelos Estados Unidos no ano passado. Portanto, implicaria, se aplicado, um aumento da ajuda doméstica, e não uma queda.
A OMC programou reuniões diárias, de hoje a sábado, para romper o impasse. Diplomatas em Genebra, porém, dizem que os dois primeiros dias serão cruciais para saber se há para onde avançar.
Segundo Amorim, o diretor-geral da OMC, Pascal Lamy, pretende divulgar uma nova proposta na sexta-feira. Até lá, a guerra de nervos deve ter novos capítulos.


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