São Paulo, quinta, 21 de agosto de 1997.



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OPINIÃO ECONÔMICA
Desnacionalização da economia

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Em discurso pronunciado na semana passada, por ocasião de encontro com empresários do setor de construção pesada, em Brasília, o presidente da República negou taxativamente que esteja ocorrendo desnacionalização da economia. "Está havendo, sim, participação do capital externo, mas não predomínio", disse.
Os dados a respeito dessa questão são ainda bastante incompletos. Mas há informações que parecem contradizer o ponto de vista do presidente.
Agora em julho, a revista "Exame" divulgou o seu levantamento anual sobre as maiores empresas do Brasil. Esse levantamento contém informações que lançam alguma luz sobre a evolução recente da participação do capital estrangeiro na economia do país.
O aumento da participação relativa das empresas estrangeiras é impressionante. Em 1996, das receitas das maiores empresas do Brasil (privadas e estatais), 44,1% foram de empresas estrangeiras, contra 32% em 1994. Um crescimento de 12 pontos percentuais em apenas dois anos!
No mesmo período, em função das privatizações, a participação das empresas estatais caiu de 24% para 20,2% das vendas das maiores empresas.
A participação das privadas nacionais caiu de forma ainda mais acentuada, de 44% em 1994 para 35,7% em 1996, o que é atribuído, em grande parte, à onda de fusões e aquisições na qual o capital externo apareceu com frequência na ponta compradora.
Desde que a "Exame" começou os seus levantamentos anuais, em 1974, nunca foi tão elevado o peso relativo das empresas estrangeiras. O recorde anterior havia sido registrado em 1975, quando a participação das estrangeiras alcançou 41,8%. O crescimento recente da sua participação se deve não só à aquisição de empresas nacionais, como a Metal Leve, a Arno, a Iochpe-Maxion, a Lacta e tantas outras, mas também ao aumento das vendas em setores dominados por filiais de capital externo, como automóveis, higiene e limpeza, computação e farmacêutica.
Os resultados desse levantamento, embora impressionantes, não chegam a constituir uma surpresa completa. Afinal, nos anos recentes, estabeleceu-se um quadro macroeconômico em que as empresas brasileiras foram obrigadas a competir em bases desiguais.
As elevadíssimas taxas de juro e as restrições ao crédito tiveram efeitos arrasadores sobre muitas firmas nacionais, especialmente as de menor porte, que têm menos acesso a crédito em moeda estrangeira. A forte valorização cambial, combinada com uma aceleração improvisada da abertura às importações, submeteu os produtores domésticos, de forma abrupta, a uma intensa competição externa, que acabou se revelando destrutiva para muitas empresas.
Além disso, o sistema tributário não foi inteiramente adaptado à abertura externa, e conserva características, notadamente os tributos em cascata, que prejudicam os produtores nacionais relativamente a seus competidores do exterior.
A prevalecerem essas tendências e políticas, os anos 90 acabarão ficando na história como um período de forte desnacionalização e aumento da dependência externa do país. E, quando se escrever algum dia a biografia de Fernando Henrique Cardoso, talvez se conclua que um título apropriado seja "Dependência: da Teoria à Prática".


Paulo Nogueira Batista Jr., 42, professor da Fundação Getúlio Vargas e pesquisador-visitante do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, escreve às quintas-feiras nesta coluna.
E-mail: pnbjr@ibm.net



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