São Paulo, quarta-feira, 21 de setembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FOSSO

Brasil não só está entre os 4 países mais desiguais em estudo do Banco Mundial como tem mecanismos para perpetuar situação

Bird vê "armadilha da desigualdade" no país

FERNANDO CANZIAN
ENVIADO ESPECIAL A WASHINGTON

Mais uma vez, o Brasil recebeu destaque negativo em estudo do Bird (Banco Mundial). O país foi apresentado ontem como um dos mais desiguais do mundo e envolto no que a instituição chamou de "inequality trap" (armadilha da desigualdade).
Campeão da desigualdade social na América Latina, o Brasil só está melhor hoje do que quatro países africanos (Suazilândia, República Centro-africana, Botswana e Namíbia), segundo o Bird.
Pior: o Brasil reúne quase todos os ingredientes possíveis citados pelo estudo "Eqüidade e Desenvolvimento" para continuar perpetuando essa situação.
No trabalho, o país ganhou destaque em texto sob o título "Oportunidades desiguais persistem por gerações no Brasil".
Nele, o Bird observa que não somente a renda dos mais pobres é um problema, ao lado da falta de bons serviços como saúde e educação, mas que não há no Brasil condições e mecanismos de interação entre ricos e pobres.
O Banco Mundial vê avanços nos últimos 12 anos, principalmente após a implantação do programa Bolsa-Família no governo FHC e sua ampliação no governo Lula, mas constata que eles são absolutamente insuficientes para mudar o quadro.
No trabalho, o Bird considera "eqüidade" como chances iguais a todos, independentemente de cor, raça ou nível social.

Elite e poder
Já a "armadilha da desigualdade", segundo o Bird, dá-se quando a elite econômica e política se perpetua no poder, criando mecanismos financeiros e legislativos para manter o comando e obter vantagens.
Um exemplo clássico no caso brasileiro seria quando o Poder Legislativo ou Judiciário aumenta os próprios salários ou se recusa a cortar ganhos previdenciários incompatíveis com os do resto da sociedade.
O Bird cita outros exemplos, desde casamentos constantes entre os filhos de uma mesma elite política e empresarial à falta de financiamentos em condições iguais para ricos e pobres.
As desigualdades nos empréstimos revelam mais um problema no Brasil, segundo o Bird: a falta de um capitalismo mais avançado. "Se uma pessoa pobre tiver uma grande idéia, jamais conseguirá um financiamento bancário nas mesmas condições que alguém rico", diz o estudo.
Na apresentação do trabalho, o economista-chefe do Bird, François Bourguignon, disse que são dois os "pilares" do Bird para o desenvolvimento: clima favorável para investimentos nos países e concessão de poderes econômicos e sociais para os mais pobres.
"Quanto melhores forem o clima para negócios e a eqüidade social, maior será o potencial do crescimento e da distribuição de renda", diz Bourguignon.
Além de falhar na questão da eqüidade, o Brasil também foi colocado, na semana passada, na 119ª posição entre 155 países em um novo ranking do Bird que avaliou o clima para negócios em várias regiões do mundo.
O economista brasileiro Francisco Ferreira, um dos principais autores do estudo apresentado ontem, comparou a um "Estado de bem-estar social truncado" a atual situação brasileira.
"O Estado é muito bom em taxar as pessoas e distribuir o dinheiro somente entre os mais ricos. O que temos falhado em fazer é gastar mais em áreas onde as pessoas mais pobres mais precisam", afirmou.
Ferreira cita como exemplo clássico a educação: filhos de famílias ricas que estudam em bons colégios particulares acabam entrando nas universidades públicas. "Subsidiamos na universidade pessoas ricas que freqüentaram boas escolas privadas em vez de subsidiar mais pessoas pobres em escolas públicas", diz.
O economista afirma que, comparado à Coréia do Sul (um exemplo de país que massificou a educação pública de boa qualidade), o Brasil gasta de três a quatro vezes mais com pessoas adultas em universidades públicas.
Segundo o Bird, além de todas as dificuldades citadas para romper a "armadilha da desigualdade", o Brasil tem um problema adicional, que é uma das cargas tributárias mais altas do mundo.
Hoje, ela supera 36% do PIB (Produto Interno Bruto), contra 12% no México, por exemplo -país que ainda teria espaço para aumentar impostos para subsidiar os mais pobres.
O estudo do Bird foi lançado na véspera do início da reunião conjunta entre o banco e o FMI (Fundo Monetário Internacional).
O FMI deve anunciar hoje uma queda nas projeções de crescimento para as principais economias européias, um crescimento de 3,5% para os EUA neste ano e melhora no Japão. Também serão conhecidas as projeções para o Brasil e a América Latina.
O Fundo deve ressaltar também que os altos preços do petróleo e investimentos insuficientes tanto na produção quanto no refino do produto continuarão a constituir uma ameaça à economia global.


Texto Anterior: Mercado Aberto
Próximo Texto: Fosso: Banco prega "revolução pró-mercado"
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.