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Ipea faz concurso para dobrar pessoal e mudar perfil
Edital de seleção traz exigências distintas da formação tradicional de um economista e é objeto de controvérsia
Demandas vão de "evolução das políticas de direitos humanos e igualdade racial e de gênero" a programas de saneamento no PAC
GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Com o maior concurso público de sua história, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada) está prestes a lançar
uma estratégia visando duplicar seu quadro de pessoal, mudar o perfil de seus técnicos e
ampliar suas atribuições e campos de estudo.
Trata-se da medida mais
concreta desde que, no ano passado, o Ipea passou a ser vinculado diretamente ao Palácio do
Planalto e seu presidente, Marcio Pochmann, tornou-se a voz
mais ativa no governo em favor
da heterodoxia econômica e do
aumento do tamanho do Estado. Até aqui, a prometida nova
orientação do órgão gerou mais
polêmica pelo afastamento de
quatro pesquisadores tidos como liberais ou independentes.
Recém-marcado para novembro, o concurso abre vagas
para 80 funcionários estáveis,
62 deles técnicos de planejamento e pesquisa -a carreira
responsável pela atividade-fim
do instituto, com salário inicial
de R$ 10,9 mil. De uma só vez, a
atual equipe de 224 pesquisadores na ativa terá uma expansão superior a 25%.
As ambições da direção do
Ipea, porém, são bem maiores.
Pochmann disse à Folha que o
planejamento estratégico do
órgão, a ser divulgado em detalhes na próxima semana, prevê
um quadro total em torno dos
mil funcionários, o dobro do
número disponível hoje, além
de novas áreas de pesquisa.
O edital do concurso já reflete a intenção de diversificar o
papel do Ipea. Pela primeira
vez, são listadas sete especializações diferentes para os futuros pesquisadores, algumas delas com exigências bem distintas da formação tradicional de
um economista, caso de "proteção social, direitos e oportunidades" ou "Estado, instituições e democracia".
Contraste
Já objeto de controvérsia no
meio acadêmico, o edital contrasta com o do concurso anterior promovido pelo Ipea, no
próprio governo Luiz Inácio
Lula da Silva.
Na prova de 2004, quando o
instituto era presidido pelo sociólogo Glauco Arbix, era maior
a exigência de conteúdo em estatística e econometria, que é a
aplicação de métodos estatísticos e matemáticos na pesquisa
econômica.
Sob a direção do economista
Pochmann, a variedade de temas obrigatórios e à escolha
dos candidatos se multiplica, a
ponto de o edital ter se ampliado de 11 para 30 páginas.
Na especialidade de macroeconomia, por exemplo, é explicitada a cobrança de conhecimentos sobre teorias da dependência e os trabalhos da Cepal
(Comissão Econômica para a
América Latina) e de Celso
Furtado, principais referências
dos economistas brasileiros de
esquerda. Em 2004, tais tópicos estariam, no máximo, incluídos no tema genérico "evolução do pensamento econômico no Brasil".
O concurso anterior, que resultou na contratação de 22
servidores, fixava um único
conteúdo para todos os candidatos. Embora, como agora,
não fosse obrigatório o diploma
de economista, o programa estipulado era muito semelhante
aos dos cursos superiores da
área, com ênfase em estatística,
econometria, teoria econômica
e economia brasileira.
No novo concurso, dependendo da área de especialização escolhida, as exigências vão
de "evolução das políticas de direitos humanos, igualdade racial, igualdade de gênero e juventude no Brasil" a "programas de saneamento no PPA
[Plano Plurianual] e no PAC
[Programa de Aceleração do
Crescimento]".
"O concurso atual é mais difícil, porque é maior a exigência
de conhecimentos dos candidatos", diz Pochmann.
Críticas
Previsivelmente, a nova
orientação do Ipea e o edital do
concurso têm sido recebidos
com desconfiança e críticas dos
círculos econômicos de pensamento mais liberal e ortodoxo.
"Como o Ipea poderá realizar
pesquisa econômica se em seu
concurso não é cobrado o conteúdo mínimo para um pesquisador? Como é possível que o
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada tenha pré-requisitos muito aquém daqueles
exigidos para entrar nos cursos
de mestrado do país?", reclama
o blog "Espectro Econômico",
produzido por mestrandos da
PUC (Pontifícia Universidade
Católica) do Rio.
"É impressão minha ou, depois que entrou esse monte de
heterodoxo, a prova mudou radicalmente?", pergunta um
participante de um fórum na
internet de interessados no
concurso que se identifica como "asus72".
Pochmann responde que não
são novidade no Ipea pesquisas
sobre temas diversos e a atuação de pesquisadores, não economistas. "O ex-secretário da
Receita Everardo Maciel (governo FHC) é um técnico dos
nossos quadros com formação
em filosofia e geologia", argumenta.
O instituto procura, diz, profissionais qualificados para
analisar e subsidiar políticas
públicas, sem o objetivo de selecionar uma corrente ideológica -"um concurso não é capaz disso."
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