São Paulo, domingo, 21 de setembro de 2008

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Ipea faz concurso para dobrar pessoal e mudar perfil

Edital de seleção traz exigências distintas da formação tradicional de um economista e é objeto de controvérsia

Demandas vão de "evolução das políticas de direitos humanos e igualdade racial e de gênero" a programas de saneamento no PAC

GUSTAVO PATU
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Com o maior concurso público de sua história, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) está prestes a lançar uma estratégia visando duplicar seu quadro de pessoal, mudar o perfil de seus técnicos e ampliar suas atribuições e campos de estudo.
Trata-se da medida mais concreta desde que, no ano passado, o Ipea passou a ser vinculado diretamente ao Palácio do Planalto e seu presidente, Marcio Pochmann, tornou-se a voz mais ativa no governo em favor da heterodoxia econômica e do aumento do tamanho do Estado. Até aqui, a prometida nova orientação do órgão gerou mais polêmica pelo afastamento de quatro pesquisadores tidos como liberais ou independentes.
Recém-marcado para novembro, o concurso abre vagas para 80 funcionários estáveis, 62 deles técnicos de planejamento e pesquisa -a carreira responsável pela atividade-fim do instituto, com salário inicial de R$ 10,9 mil. De uma só vez, a atual equipe de 224 pesquisadores na ativa terá uma expansão superior a 25%.
As ambições da direção do Ipea, porém, são bem maiores. Pochmann disse à Folha que o planejamento estratégico do órgão, a ser divulgado em detalhes na próxima semana, prevê um quadro total em torno dos mil funcionários, o dobro do número disponível hoje, além de novas áreas de pesquisa.
O edital do concurso já reflete a intenção de diversificar o papel do Ipea. Pela primeira vez, são listadas sete especializações diferentes para os futuros pesquisadores, algumas delas com exigências bem distintas da formação tradicional de um economista, caso de "proteção social, direitos e oportunidades" ou "Estado, instituições e democracia".

Contraste
Já objeto de controvérsia no meio acadêmico, o edital contrasta com o do concurso anterior promovido pelo Ipea, no próprio governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Na prova de 2004, quando o instituto era presidido pelo sociólogo Glauco Arbix, era maior a exigência de conteúdo em estatística e econometria, que é a aplicação de métodos estatísticos e matemáticos na pesquisa econômica.
Sob a direção do economista Pochmann, a variedade de temas obrigatórios e à escolha dos candidatos se multiplica, a ponto de o edital ter se ampliado de 11 para 30 páginas.
Na especialidade de macroeconomia, por exemplo, é explicitada a cobrança de conhecimentos sobre teorias da dependência e os trabalhos da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina) e de Celso Furtado, principais referências dos economistas brasileiros de esquerda. Em 2004, tais tópicos estariam, no máximo, incluídos no tema genérico "evolução do pensamento econômico no Brasil".
O concurso anterior, que resultou na contratação de 22 servidores, fixava um único conteúdo para todos os candidatos. Embora, como agora, não fosse obrigatório o diploma de economista, o programa estipulado era muito semelhante aos dos cursos superiores da área, com ênfase em estatística, econometria, teoria econômica e economia brasileira.
No novo concurso, dependendo da área de especialização escolhida, as exigências vão de "evolução das políticas de direitos humanos, igualdade racial, igualdade de gênero e juventude no Brasil" a "programas de saneamento no PPA [Plano Plurianual] e no PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]".
"O concurso atual é mais difícil, porque é maior a exigência de conhecimentos dos candidatos", diz Pochmann.

Críticas
Previsivelmente, a nova orientação do Ipea e o edital do concurso têm sido recebidos com desconfiança e críticas dos círculos econômicos de pensamento mais liberal e ortodoxo. "Como o Ipea poderá realizar pesquisa econômica se em seu concurso não é cobrado o conteúdo mínimo para um pesquisador? Como é possível que o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada tenha pré-requisitos muito aquém daqueles exigidos para entrar nos cursos de mestrado do país?", reclama o blog "Espectro Econômico", produzido por mestrandos da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio.
"É impressão minha ou, depois que entrou esse monte de heterodoxo, a prova mudou radicalmente?", pergunta um participante de um fórum na internet de interessados no concurso que se identifica como "asus72".
Pochmann responde que não são novidade no Ipea pesquisas sobre temas diversos e a atuação de pesquisadores, não economistas. "O ex-secretário da Receita Everardo Maciel (governo FHC) é um técnico dos nossos quadros com formação em filosofia e geologia", argumenta.
O instituto procura, diz, profissionais qualificados para analisar e subsidiar políticas públicas, sem o objetivo de selecionar uma corrente ideológica -"um concurso não é capaz disso."


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