São Paulo, domingo, 21 de setembro de 2008

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Crise vai depurar os exageros da Bovespa

Para especialistas em mercado de capitais, os 70 mil pontos atingidos pelo índice da Bolsa em maio foram excessivos

Grau de investimento do país, commodities e capital externo impulsionaram a Bolsa a níveis mais altos do que seria a trajetória normal

CRISTIANE BARBIERI
DA REPORTAGEM LOCAL

Depuração, arrumação, consolidação. As palavras dos economistas e especialistas em mercado de capitais variam um pouco, mas o sentimento geral é um só: a crise internacional servirá para corrigir a Bovespa (Bolsa de Valores de São Paulo). Para muitos deles, os 70 mil pontos atingidos pelo Ibovespa, o índice que mede a evolução das ações mais negociadas, em maio, foram exagerados.
A opinião é que a Bolsa não tem tamanho nem empresas para tanta euforia e voltará a patamares mais realistas com a turbulência.
"Os 70 mil pontos eram uma bolha de liquidez internacional, na qual surfamos com a valorização dos emergentes", diz Júlio Sérgio Gomes de Almeida, consultor do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial). "Só que parte do crescimento foi puro lança-perfume: entorpece, mas não é efetivo."
O motivo da alta é conhecido. Os ativos financeiros, como ações, debêntures, títulos públicos e depósitos bancários, ganharam uma proporção gigantesca no mundo e cada vez mais distante da economia real.
Segundo estudo do McKinsey Global Institute, os ativos financeiros globais, que nos anos 1980 somavam US$ 12 trilhões, saltaram para US$ 90 trilhões no início dos anos 2000 e chegaram a US$ 167 trilhões em 2006, ano com dados mais recentes disponíveis.
A economia real também cresceu, mas a proporção foi muito menor. O PIB (Produto Interno Bruto) mundial, que era de US$ 10 trilhões em 1980, dobrou na década seguinte e alcançou US$ 48,3 trilhões em 2006. Ou seja, o peso das ativos financeiros que equivalia ao PIB ganhou um peso 3,5 vezes superior em pouco mais de 20 anos.
O relatório do McKinsey alertava de que o peso financeiro carregava o risco de "correções dolorosas". "O mercado às vezes tem o mesmo comportamento daquele artista plástico inglês [Damien Hirst] que diz que um porco empalhado vale 10 milhões de libras e o colecionador paga", diz o economista Roberto Troster. "Parte do movimento de alta era artificial e, agora, há conseqüências."

"Euforia soberana"
Segundo os especialistas, o excesso de caixa dos investidores estrangeiros voltou-se à Bovespa, que tem forte peso dos produtores de commodities e atraentes pela alta na demanda internacional. Houve ainda o crescimento doméstico e o grau de investimento, atingido em abril.
"Pode-se dizer que houve a euforia soberana", afirma David Kupfer, coordenador do grupo de competitividade da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). "Ela levou o Ibovespa a níveis mais altos do que seria uma trajetória normal e, com a mudança de humor, o enxugamento de liquidez e a reestruturação das posições dos grandes investidores internacionais, houve uma forte pressão de baixa."
Outro movimento que atraiu os investidores, segundo Kupfer, foi o fato de que as empresas, que tinham condições de aumentar a capacidade há anos, passaram a fazê-lo simultaneamente. Isso fez com que os analistas enxergassem um crescimento maior.
Neste momento, no entanto, a baixa também parece além da conta. "A maioria das empresas está sólida, solvente e com endividamento adequado", afirma Troster.

"Quedas exageradas"
De acordo com Roberto Padovani, estrategista de investimentos do banco WestLB, as quedas são exageradas e há espaço para recuperação.
"É cedo para prognósticos, mas, se não houver risco sistêmico, os preços voltarão a se ajustar", diz Padovani. "O investidor internacional não perdeu a confiança no mercado brasileiro, mas está com medo e busca portos seguros."
Na expectativa de Padovani, porém, a recuperação da Bovespa não acontecerá num movimento de "V", de súbita recuperação após a queda. Mesmo com a alta de 9,57% da Bolsa na sexta-feira e as oscilações que deverão continuar ocorrendo, os especialistas esperam que a tendência de baixa permaneça pelo menos até o fim do ano.

Longo cenário ruim
Há até quem veja o cenário difícil se estender por muito mais tempo. "A Bolsa só deverá dar retorno acima da Selic [taxa básica de juros] entre um ano e meio e dois anos", diz Francisco Pessoa Faria, economista da LCA Consultores.
William Eid Junior, coordenador do Centro de Estudos em Finanças da FGV (Fundação Getulio Vargas), afirma que um dos motivos para a expectativa da retomada é que a demanda por commodities continua em alta, o que poderá sustentar a economia e a Bolsa brasileira por muito tempo.
"A Bolsa estava no caminho de se tornar uma fonte importante de financiamento das empresas", diz Eid. "Ela deu esse refluxo, mas vai voltar."
Para Almeida, do Iedi, a crise poderá servir para tornar a Bovespa menos dependente dos estrangeiros. "Um país emergente não deve depender tanto de recursos externos porque a elasticidade é muito alta, tanto para cima como para baixo", diz Almeida. "Temos de incentivar o desenvolvimento do mercado de capitais com poupança interna."
Entre as alternativas, estaria o incentivo à poupança institucional, regulamentando os investimentos da previdência dos servidores públicos e ampliando os incentivos à previdência privada. "O governo também poderia aumentar sua própria poupança, investindo no mercado de capitais", diz Almeida.


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