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Crise vai depurar os exageros da Bovespa
Para especialistas em mercado de capitais, os 70 mil pontos atingidos pelo índice da Bolsa em maio foram excessivos
Grau de investimento do país, commodities e capital externo impulsionaram a Bolsa a níveis mais altos do que seria a trajetória normal
CRISTIANE BARBIERI
DA REPORTAGEM LOCAL
Depuração, arrumação, consolidação. As palavras dos economistas e especialistas em
mercado de capitais variam um
pouco, mas o sentimento geral
é um só: a crise internacional
servirá para corrigir a Bovespa
(Bolsa de Valores de São Paulo). Para muitos deles, os 70 mil
pontos atingidos pelo Ibovespa, o índice que mede a evolução das ações mais negociadas,
em maio, foram exagerados.
A opinião é que a Bolsa não
tem tamanho nem empresas
para tanta euforia e voltará a
patamares mais realistas com a
turbulência.
"Os 70 mil pontos eram uma
bolha de liquidez internacional, na qual surfamos com a valorização dos emergentes", diz
Júlio Sérgio Gomes de Almeida, consultor do Iedi (Instituto
de Estudos para o Desenvolvimento Industrial). "Só que parte do crescimento foi puro lança-perfume: entorpece, mas
não é efetivo."
O motivo da alta é conhecido.
Os ativos financeiros, como
ações, debêntures, títulos públicos e depósitos bancários,
ganharam uma proporção gigantesca no mundo e cada vez
mais distante da economia real.
Segundo estudo do McKinsey Global Institute, os ativos
financeiros globais, que nos
anos 1980 somavam US$ 12 trilhões, saltaram para US$ 90 trilhões no início dos anos 2000 e
chegaram a US$ 167 trilhões
em 2006, ano com dados mais
recentes disponíveis.
A economia real também
cresceu, mas a proporção foi
muito menor. O PIB (Produto
Interno Bruto) mundial, que
era de US$ 10 trilhões em 1980,
dobrou na década seguinte e alcançou US$ 48,3 trilhões em
2006. Ou seja, o peso das ativos
financeiros que equivalia ao
PIB ganhou um peso 3,5 vezes
superior em pouco mais de 20
anos.
O relatório do McKinsey
alertava de que o peso financeiro carregava o risco de "correções dolorosas". "O mercado às
vezes tem o mesmo comportamento daquele artista plástico
inglês [Damien Hirst] que diz
que um porco empalhado vale
10 milhões de libras e o colecionador paga", diz o economista
Roberto Troster. "Parte do movimento de alta era artificial e,
agora, há conseqüências."
"Euforia soberana"
Segundo os especialistas, o
excesso de caixa dos investidores estrangeiros voltou-se à Bovespa, que tem forte peso dos
produtores de commodities e
atraentes pela alta na demanda
internacional. Houve ainda o
crescimento doméstico e o
grau de investimento, atingido
em abril.
"Pode-se dizer que houve a
euforia soberana", afirma David Kupfer, coordenador do
grupo de competitividade da
UFRJ (Universidade Federal
do Rio de Janeiro). "Ela levou o
Ibovespa a níveis mais altos do
que seria uma trajetória normal e, com a mudança de humor, o enxugamento de liquidez e a reestruturação das posições dos grandes investidores
internacionais, houve uma forte pressão de baixa."
Outro movimento que atraiu
os investidores, segundo Kupfer, foi o fato de que as empresas, que tinham condições de
aumentar a capacidade há
anos, passaram a fazê-lo simultaneamente. Isso fez com que
os analistas enxergassem um
crescimento maior.
Neste momento, no entanto,
a baixa também parece além da
conta. "A maioria das empresas
está sólida, solvente e com endividamento adequado", afirma Troster.
"Quedas exageradas"
De acordo com Roberto Padovani, estrategista de investimentos do banco WestLB, as
quedas são exageradas e há espaço para recuperação.
"É cedo para prognósticos,
mas, se não houver risco sistêmico, os preços voltarão a se
ajustar", diz Padovani. "O investidor internacional não perdeu a confiança no mercado
brasileiro, mas está com medo
e busca portos seguros."
Na expectativa de Padovani,
porém, a recuperação da Bovespa não acontecerá num movimento de "V", de súbita recuperação após a queda. Mesmo
com a alta de 9,57% da Bolsa na
sexta-feira e as oscilações que
deverão continuar ocorrendo,
os especialistas esperam que a
tendência de baixa permaneça
pelo menos até o fim do ano.
Longo cenário ruim
Há até quem veja o cenário
difícil se estender por muito
mais tempo. "A Bolsa só deverá
dar retorno acima da Selic [taxa
básica de juros] entre um ano e
meio e dois anos", diz Francisco Pessoa Faria, economista da
LCA Consultores.
William Eid Junior, coordenador do Centro de Estudos em
Finanças da FGV (Fundação
Getulio Vargas), afirma que um
dos motivos para a expectativa
da retomada é que a demanda
por commodities continua em
alta, o que poderá sustentar a
economia e a Bolsa brasileira
por muito tempo.
"A Bolsa estava no caminho
de se tornar uma fonte importante de financiamento das
empresas", diz Eid. "Ela deu esse refluxo, mas vai voltar."
Para Almeida, do Iedi, a crise
poderá servir para tornar a Bovespa menos dependente dos
estrangeiros. "Um país emergente não deve depender tanto
de recursos externos porque a
elasticidade é muito alta, tanto
para cima como para baixo",
diz Almeida. "Temos de incentivar o desenvolvimento do
mercado de capitais com poupança interna."
Entre as alternativas, estaria
o incentivo à poupança institucional, regulamentando os investimentos da previdência dos
servidores públicos e ampliando os incentivos à previdência
privada. "O governo também
poderia aumentar sua própria
poupança, investindo no mercado de capitais", diz Almeida.
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