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China "casa" com a crise mundial e a amplia
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI
A China cresceu 9% no trimestre encerrado em setembro, informa o Escritório Nacional de Estatísticas.
Em qualquer lugar do mundo, essa seria uma excelente
notícia. No Brasil, por exemplo,
o presidente Lula chama de
"momento mágico" o que produziu um crescimento de apenas 5,4% no ano passado.
Mas, na China e no momento
nada mágico que o mundo vive,
9% beira o desastre. Primeiro,
porque é o terceiro trimestre
consecutivo de queda no ritmo
de crescimento; segundo, porque o crescimento médio chinês nos últimos 28 anos foi de
9,7%; terceiro -e pior-, a desaceleração da China, ainda que
leve por enquanto, mostra que
ficou "noiva" da crise global, o
que contraria a teoria do "descasamento" entre as dificuldades do mundo rico e a pujança
incontrolável dos emergentes,
China à frente.
Teoria que realmente não fazia muito sentido, como dizia,
no início do ano, Yu Yongding,
diretor do Instituto de Política
e Economia Mundial da Academia de Ciências da China: "A
China depende tremendamente da demanda externa. As exportações respondem por 8,6%
de nossa economia".
Caindo a demanda externa,
reduz-se a aceleração desse
motor da economia chinesa.
O outro gigante emergente, a
Índia, também namora com a
crise. Seu primeiro-ministro,
Manmohan Singh, fez ontem
um discurso carregado do otimismo de ofício a que se obrigam as autoridades, mas admitiu: "De todo modo, nós precisamos estar preparados para
uma desaceleração temporária
da economia indiana".
O crescimento chinês, no período 2004/8, foi, na média, de
10,1%, enquanto o mundo crescia a metade (exatamente
5,1%). Em 2007, a China cresceu 11,4%. Fica claro, portanto,
que sua desaceleração, por leve
que seja, não é apenas um problema interno.
De todo modo, os 9% são um
espetáculo de crescimento
quando comparados aos dois
fatos de ontem na economia
real dos países ricos.
Fato 1 - A ministra francesa
da Economia, Christine Lagarde, reconheceu que não se materializará em 2009 nem o magro crescimento de 1% previsto
no Orçamento já enviado à Assembléia Nacional.
Fato 2 - No Reino Unido, o
jornal "The Guardian" informa
que a confiança dos empresários caiu a seu nível mais baixo
de todos os tempos, como resultado da crise do crédito e da
expectativa da divulgação, nesta semana, de números oficiais
que devem mostrar que a recessão já está instalada.
A recessão ou, no mínimo, a
desaceleração é a grande preocupação global, a ponto de Juan
Somavía, o diretor-geral da Organização Internacional do
Trabalho, ter dito ontem que o
número de desempregados
tende a aumentar dos 190 milhões de pessoas de 2007 para
210 milhões no ano que vem.
É por esse caminho que a crise hipotecária/bancária/bursátil chega ao cotidiano. Mas, enquanto o desemprego não aumenta tanto, a crise bancária
continua sem solução e, pior,
com previsões contrapostas.
Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu, disse que estavam dadas as
condições para "uma volta da
confiança" ao setor bancário,
que estaria "em vias de normalização".
"As coisas só vão melhorar
dentro de três a seis meses",
contrapõe John Thain, presidente da Merrill Lynch, que
ainda prevê "anos" para curar
todos os danos.
Cuidado entretanto com previsões de um ou outro. Trichet
aumentou os juros europeus
quando a crise já estava se instalando e a economia patinava.
Thain conduziu a Merrill
Lynch ao fracasso, tanto que foi
vendida, na crise, ao Bank of
America.
De todo modo, os sinais dos
mercados parecem dar mais razão a Thain do que a Trichet.
Até a Índia, aparentemente
afastada do epicentro da crise,
viu-se obrigada a reduzir em
um ponto percentual o compulsório de seus bancos, para
injetar liquidez no sistema financeiro.
O problema, de resto, parece
ser menos de liquidez e mais da
intangível confiança mesmo,
do que dá prova o caso do grupo
holandês ING, o maior do país e
o quinto mais importante da
Europa. Teve que receber socorro oficial de 10 bilhões, a
metade de tudo o que a Holanda reservara para ajudar bancos em dificuldades.
O ING, ao menos segundo
sua direção, não estava precisando de capital. "Nossos investidores diziam, faz apenas
algumas semanas, que tínhamos capital demais. Agora, no
entanto, nos pedem ainda mais
capital. É preciso enfrentar a
situação atual porque o mercado não admite incertezas, e a
confiança dos clientes é essencial", diz Michel Tilmant, seu
diretor-executivo.
A situação do ING dá razão a
Bob McDowall, diretor de pesquisas na Europa da consultoria Tower Group: "Banco é como religião: tudo gira em torno
de fé e confiança".
Enquanto a confiança não se
restabelece, mais um país europeu saiu em ajuda dos bancos: a Suécia lançou um programa de US$ 205 bilhões para aumentar a liquidez e para comprar ações de entidades financeiras, se necessário.
Não deixa de ser uma ironia:
a Suécia é apontada como o
país-modelo de solução de crises bancárias, pela maneira como atuou em 1992 em uma situação parecida com a de hoje,
embora não global como agora.
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