São Paulo, terça-feira, 21 de outubro de 2008

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China "casa" com a crise mundial e a amplia

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

A China cresceu 9% no trimestre encerrado em setembro, informa o Escritório Nacional de Estatísticas.
Em qualquer lugar do mundo, essa seria uma excelente notícia. No Brasil, por exemplo, o presidente Lula chama de "momento mágico" o que produziu um crescimento de apenas 5,4% no ano passado.
Mas, na China e no momento nada mágico que o mundo vive, 9% beira o desastre. Primeiro, porque é o terceiro trimestre consecutivo de queda no ritmo de crescimento; segundo, porque o crescimento médio chinês nos últimos 28 anos foi de 9,7%; terceiro -e pior-, a desaceleração da China, ainda que leve por enquanto, mostra que ficou "noiva" da crise global, o que contraria a teoria do "descasamento" entre as dificuldades do mundo rico e a pujança incontrolável dos emergentes, China à frente.
Teoria que realmente não fazia muito sentido, como dizia, no início do ano, Yu Yongding, diretor do Instituto de Política e Economia Mundial da Academia de Ciências da China: "A China depende tremendamente da demanda externa. As exportações respondem por 8,6% de nossa economia".
Caindo a demanda externa, reduz-se a aceleração desse motor da economia chinesa.
O outro gigante emergente, a Índia, também namora com a crise. Seu primeiro-ministro, Manmohan Singh, fez ontem um discurso carregado do otimismo de ofício a que se obrigam as autoridades, mas admitiu: "De todo modo, nós precisamos estar preparados para uma desaceleração temporária da economia indiana".
O crescimento chinês, no período 2004/8, foi, na média, de 10,1%, enquanto o mundo crescia a metade (exatamente 5,1%). Em 2007, a China cresceu 11,4%. Fica claro, portanto, que sua desaceleração, por leve que seja, não é apenas um problema interno.
De todo modo, os 9% são um espetáculo de crescimento quando comparados aos dois fatos de ontem na economia real dos países ricos.
Fato 1 - A ministra francesa da Economia, Christine Lagarde, reconheceu que não se materializará em 2009 nem o magro crescimento de 1% previsto no Orçamento já enviado à Assembléia Nacional.
Fato 2 - No Reino Unido, o jornal "The Guardian" informa que a confiança dos empresários caiu a seu nível mais baixo de todos os tempos, como resultado da crise do crédito e da expectativa da divulgação, nesta semana, de números oficiais que devem mostrar que a recessão já está instalada.
A recessão ou, no mínimo, a desaceleração é a grande preocupação global, a ponto de Juan Somavía, o diretor-geral da Organização Internacional do Trabalho, ter dito ontem que o número de desempregados tende a aumentar dos 190 milhões de pessoas de 2007 para 210 milhões no ano que vem.
É por esse caminho que a crise hipotecária/bancária/bursátil chega ao cotidiano. Mas, enquanto o desemprego não aumenta tanto, a crise bancária continua sem solução e, pior, com previsões contrapostas.
Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu, disse que estavam dadas as condições para "uma volta da confiança" ao setor bancário, que estaria "em vias de normalização".
"As coisas só vão melhorar dentro de três a seis meses", contrapõe John Thain, presidente da Merrill Lynch, que ainda prevê "anos" para curar todos os danos.
Cuidado entretanto com previsões de um ou outro. Trichet aumentou os juros europeus quando a crise já estava se instalando e a economia patinava. Thain conduziu a Merrill Lynch ao fracasso, tanto que foi vendida, na crise, ao Bank of America.
De todo modo, os sinais dos mercados parecem dar mais razão a Thain do que a Trichet.
Até a Índia, aparentemente afastada do epicentro da crise, viu-se obrigada a reduzir em um ponto percentual o compulsório de seus bancos, para injetar liquidez no sistema financeiro.
O problema, de resto, parece ser menos de liquidez e mais da intangível confiança mesmo, do que dá prova o caso do grupo holandês ING, o maior do país e o quinto mais importante da Europa. Teve que receber socorro oficial de 10 bilhões, a metade de tudo o que a Holanda reservara para ajudar bancos em dificuldades.
O ING, ao menos segundo sua direção, não estava precisando de capital. "Nossos investidores diziam, faz apenas algumas semanas, que tínhamos capital demais. Agora, no entanto, nos pedem ainda mais capital. É preciso enfrentar a situação atual porque o mercado não admite incertezas, e a confiança dos clientes é essencial", diz Michel Tilmant, seu diretor-executivo.
A situação do ING dá razão a Bob McDowall, diretor de pesquisas na Europa da consultoria Tower Group: "Banco é como religião: tudo gira em torno de fé e confiança".
Enquanto a confiança não se restabelece, mais um país europeu saiu em ajuda dos bancos: a Suécia lançou um programa de US$ 205 bilhões para aumentar a liquidez e para comprar ações de entidades financeiras, se necessário.
Não deixa de ser uma ironia: a Suécia é apontada como o país-modelo de solução de crises bancárias, pela maneira como atuou em 1992 em uma situação parecida com a de hoje, embora não global como agora.


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