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ENTREVISTA
LUIZ CARLOS TRABUCO CAPPI
Bancos vão ganhar com inclusão social no Brasil
Presidente do Bradesco diz que país vai repetir trajetória dos EUA no ganho de renda
PASSADO um ano da quebra do Lehman
Brothers, o presidente do Bradesco,
Luiz Carlos Trabuco Cappi, afirma que
a crise pareceu mais feia do que se comprovou. Admite que os bancos privados foram
conservadores na concessão de crédito, perderam espaço para as instituições públicas, mas
afirma que isso não poderia ter sido muito diferente porque as empresas e os consumidores
também ficaram receosos de tomar empréstimo.
"O crédito é calibrado pela demanda. E a demanda também caiu". Agora, diz ele, chegou a hora de
recuperar o terreno perdido. "Vamos voltar a
crescer como antes da crise", disse.
TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL
Na agência localizada na favela Heliópolis (zona sul de
SP), Trabuco Cappi disse à Folha que o Brasil passará na próxima década por uma inclusão
social semelhante à vivida há
um século pelos EUA, que possibilitou a emergência do maior
mercado consumidor do planeta. Na visão do Bradesco, esse é
o mercado que os bancos disputarão nos próximos anos.
Segundo maior banco privado do país, o Bradesco disputa o
atendimento à baixa renda com
o Banco do Brasil e a Caixa. No
varejo tradicional, a concorrência é com o Itaú Unibanco e o
Santander/Real. Para ele, são
esses os bancos que estarão no
jogo daqui a dez anos ou mais.
"A consolidação bancária acabou. Daqui para a frente, a disputa será em segmentos."
FOLHA - A crise foi pintada mais
feia do que se comprovou?
LUIZ CARLOS TRABUCO CAPPI - Exatamente. Parece que as crises
agora são mais intensas, mas
passam com mais rapidez do
que em outras épocas. O Estado
e os mecanismos de controle
conseguem realmente corrigir
[os problemas]. Aquele temor
de que o dólar avançasse acima
de R$ 2,50 não se confirmou.
FOLHA - Mas no crédito o Bradesco
poderia ter aberto mais a torneira?
TRABUCO - O crédito é um produto de demanda. Você calibra
a oferta de crédito dependendo
da procura. E, quando há desaceleração, a empresa precisa de
menos capital de giro porque
está com capacidade ociosa ou
muito estoque. Nos momentos
de instabilidade, você tem ajustes e alguns tropeços. Mas as
políticas anticíclicas [de estímulo] são adequadas quando
são feitas pelos governos. Ao
sistema privado cabe continuar
com o crédito aberto, mas dependendo da demanda; nunca
com oferta imensurável.
FOLHA - Caixa e BB falam que, enquanto Bradesco, Itaú e Santander
fecharam as torneiras, eles ganharam mercado. É verdade? O que vocês farão para recuperar terreno?
TRABUCO - Os dois bancos ganharam uma fatia de mercado
em determinados nichos e em
determinados setores. Mas o
nosso crescimento do crédito
antes da crise foi maior. A gente
não pode ver essa realidade em
cima de uma única fotografia,
mas de várias que vão compondo o filme da evolução do crédito. Agora é hora de retomar esse mercado. Neste momento, a
gente sente um aumento da demanda de crédito bastante saudável. As empresas querem aumentar a sua capacidade produtiva. Por isso, a nossa estimativa é que o crédito cresça acima de 20% [em 2010].
FOLHA - Por que só agora o banco
abriu uma agência na maior favela
de SP? Pobre é bom pagador?
TRABUCO - Quando os pobres se
transformam em consumidores, você passa a ter uma revolução silenciosa. O pobre sem
consumo estrangula a expectativa de vida, a esperança, o desejo de progresso. O Brasil não
é um país pobre, é desigual. E
essa pobreza que vira consumidora, graças à mobilidade social, é o que faz com que os
shopping centers de classe
mais elevada estejam repletos
de consumidores ao mesmo
tempo que uma José Paulino e
uma 25 de Março [ruas de comércio popular] estão pulsando no comércio de baixa renda.
FOLHA - Qual é esse potencial?
TRABUCO - Nos próximos anos,
vamos provar ao mundo essa
capacidade de inclusão social.
O Brasil vai ficar marcado na
história pela repetição daquilo
que foi, no início do século passado, a [emergência da] sociedade de consumo americana.
Se nós olharmos para eles no
início do século passado e para
o Brasil de hoje, nós vemos um
Brasil que está batendo em 194
milhões de habitantes, que vai
continuar crescendo. Essa população vai se estabilizar em
250 milhões de habitantes,
quando a renda per capita estará por volta de US$ 14 mil, nível
de países europeus.
FOLHA - O sr. está dizendo que estamos atrasados um século?
TRABUCO - Eu diria que estamos atrasados uns 30 anos para
chegar a uma sociedade emergente de consumo, que zerou o
seu deficit habitacional, que é
estimado hoje entre 8 milhões
e 11 milhões de famílias que não
possuem endereço. Olhando
para a frente, a progressão que
o crédito imobiliário pode ter é
formidável. Ele penetra hoje
3,5% do PIB. Nossa estimativa
é que esteja ao redor de 11% do
PIB em 2014. Ainda é muito
pouco, mas vamos triplicar.
No caso de automóveis, estão
faltando no Brasil 8 milhões de
veículos para nós chegarmos à
mesma proporção argentina.
Se nós tivermos a mesma proporção dos EUA, daqui a 50
anos, será um automóvel por
habitante. A gente está vivenciando a redução da desigualdade entre as classes no país.
FOLHA - Existia um temor de lidar
com a baixa renda?
TRABUCO - A experiência com o
pequeno e médio cliente mostra que ele tem uma propriedade que é só dele: o nome. E ele
tem preservado isso. Quando
não consegue honrar os seus
pagamentos, é o primeiro que
aparece para quitar as dívidas
que ficaram para trás.
FOLHA - Mas a Caixa e o BB estão
mais adiantados nesse mercado.
Qual o diferencial do Bradesco?
TRABUCO - A nossa força é estar
em todos os segmentos. A Caixa e o BB fazem um trabalho
importante de inclusão bancária e de concessão de crédito.
São bancos modernos, que receberam um choque de informática. Mas as modernizações
tecnológicas vão se transformando em commodity. Nós
sempre estamos preocupados
em criar coisas novas no Bradesco. Criamos 10 mil máquinas de biometria [identificação
por digital], estamos objetivando lá na frente a substituição de
senhas ou até do cartão.
FOLHA - A consolidação bancária
acabou? Daqui a dez anos, veremos
os mesmos competidores?
TRABUCO - O mercado bancário
está consolidado. Entre os bancos de presença nacional, você
teve convergência para dois estatais, dois privados e dois estrangeiros -são todos extremamente competitivos. Tem
outros que vão atuar regionalmente e vamos ter bancos de
nicho. Você tem uma grande
competição, mas não uniforme.
Vai se dar em segmentos e certos setores. Bancos de cobertura nacional são esses. Com a
competição, ganham o mercado e o consumidor.
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