São Paulo, terça-feira, 21 de dezembro de 2004

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LUÍS NASSIF

Cadê o economista?

Em que se transformou o estudo de economia no Brasil nas últimas décadas? Autor de um pequeno clássico sobre o pensamento da escola de economia da PUC-Rio, o consultor André Araújo sustenta: o Brasil não tem mais pensadores de economia, "tem papagaios repetidores e copistas-detalhistas de subteses vindas de fora".
Basta ver os incríveis "Working Paper Series" (assim mesmo, em inglês) do site do Banco Central. É um deserto de pensamento econômico, diz ele, completamente diferente da matriz intelectual deles, os Estados Unidos, onde o debate entre escolas é intenso e enriquecedor.
Essa escola de economistas está no poder há 13 anos, desde o ministro Marcílio Marques Moreira, no governo Collor. Nesse período, não conseguiu emplacar um único economista brasileiro no segundo ou terceiro escalões do FMI. O máximo que conseguiram (e estufam o currículo com isso, diz Araújo) é figurar no banco de consultores pagos por trabalho, uma vala comum de milhares de nomes de terceira categoria.
Enquanto argentinos e chilenos se revezam nos melhores postos do Departamento do Hemisfério Ocidental, que jurisdiciona o Brasil -o melhor cliente devedor do Fundo desde a criação deste, em 1945-, os professores-doutores brasileiros nem chegam perto desse importante centro de decisões, pago pelo Brasil. Desde 2002 a fatura apresentada ao caixa do Tesouro em Brasília pelo FMI paga a totalidade das despesas administrativas do Fundo, inclusive sua folha de bons salários para 2.000 servidores, dos quais 1.000 são economistas. São US$ 800 milhões que o Brasil paga de encargos ao FMI e são US$ 800 milhões que o Fundo gasta por ano com despesas.
Mesmo assim, não há um único economista brasileiro que tenha apresentado qualquer trabalho original, de repercussão no exterior, que dissesse respeito às grandes questões que interessam ao Brasil. A razão disso é a ausência de debate público sobre a economia brasileira. Há uma torre de marfim, onde os grão-vizires desse pensamento cabeça-de-planilha desfilam platitudes e obviedades, com ares de sábios, reduzindo a economia a duas ou três variáveis, como poetastros que discutem métricas e filigranas em tertúlias literárias.
A discussão econômica se restringe, nesses centros, a discutir fórmulas vagas, se perder em detalhes estatísticos, sem nenhuma visão do todo. Como as teses originais são mais difíceis de serem apreendidas, a cobertura acaba se fixando em clichês e lugares-comuns. Há a elegia permanente da mediocrização.
Nos EUA -insiste Araújo-, o debate econômico está longe de ser exclusivo de economistas. Todo mundo fala, economia tem muito de arte e bom senso, não é preciso ser acadêmico para ter boa cabeça econômica.
Dentro do próprio mercado, há uma safra de economistas que não entrou nesse jogo marqueteiro dos cabeças-de-planilha. Faltam apenas uma articulação maior e um maior esforço da cobertura para captar as boas idéias que circulam.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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