São Paulo, quinta-feira, 22 de janeiro de 2004

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LUÍS NASSIF

Um imenso Paraguai

No começo, aparentemente, era apenas uma proposta para fins específicos, que beneficiaria uma fábrica de papel e celulose no Amapá. O presidente do Senado, José Sarney, encaminhou o projeto de lei 2.403 estendendo as vantagens da Zona Franca de Manaus ao Amapá, para a implantação de fábricas utilizando recursos naturais da região.
Aberto o precedente, fez-se a farra do boi. Emenda daqui e ali, e, de um bairro de Manaus, pelo projeto de lei, a zona franca será estendida a toda a Amazônia legal, de Rondônia ao Amazonas.
Como se sabe, zonas francas são consideradas território estrangeiro para fins tributários. Não se pagam impostos sobre produtos adquiridos internamente nem sobre importados, e a produção é isenta de IPI, ICMS, PIS-Cofins e Imposto de Renda, além de financiamento a fundo perdido do Fundo Constitucional do Norte. Em todo lugar do mundo são zonas de processamento de exportação, vendendo exclusivamente para o mercado externo. O Brasil é o primeiro caso de uma zona franca vendendo para o próprio mercado interno.
Hoje em dia, a Zona Franca tem 70 mil trabalhadores, o que significa uma renúncia fiscal da ordem de R$ 100 mil por trabalhador/ano.
Estendendo a zona franca para outras localidades, a primeira vítima será a própria Zona Franca de Manaus. Depois, o restante do país. Se a idéia persistir, haverá transferência brutal de indústrias das regiões industrializadas para outras sem infra-estrutura, mas dentro da zona franca ampliada. E o processo crescerá de forma geométrica. Quanto mais empresas se transferirem para lá, maior será a carga tributária cobrada das remanescentes, acelerando ainda mais a transferência.
E se Rondônia tiver uma zona franca, como pretender que Mato Grosso permaneça vulnerável, sem reagir? Se se pode mudar radicalmente o modelo tributário regional mediante um mero projeto de lei, o que impedirá a bancada do Nordeste de reivindicar o mesmo tratamento? Ou as regiões pobres de Minas, São Paulo, Rio de Janeiro? Seria a porta aberta para o país se transformar em um imenso Paraguai.
É uma bomba de nêutron, que destrói o federalismo brasileiro, o modelo fiscal, qualquer veleidade de política industrial, e ameaça o próprio processo de industrialização do país. No entanto passaria incólume se o líder do PSDB na Câmara, Jutahy Magalhães, não tivesse identificado o projeto na pauta de convocação extraordinária -e o brecado. No final do ano, o "Globo" chegou a publicar uma matéria dizendo que o PSDB ajudara o governo, pois o poupara de vetar o projeto de lei de um aliado poderoso, o presidente do Senado José Sarney.
Qual não foi sua surpresa quando o projeto de lei foi introduzido na pauta da convocação extraordinária do Congresso.
Se o governo não quiser incomodar seu aliado, basta permitir que o projeto seja enviado à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara e, depois, às comissões de Economia e Finanças. Com isso, se abriria o debate e a própria opinião pública se incumbiria de sepultar essa temeridade.

E-mail -
Luisnassif@uol.com.br


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