São Paulo, quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

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PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.

'Prontos para liderar mais uma vez'


Apesar da comemoração, a eleição de Obama pode ter aspectos problemáticos para o resto do mundo


QUANDO ACEITEI vir para Washington, em 2007, não podia imaginar que se aproximavam dois eventos extraordinários: a maior crise econômico-financeira dos últimos 70 anos, com epicentro aqui nos Estados Unidos, e uma das mais importantes eleições da história do país. Os dois fenômenos parecem interligados. Será que Barack Obama teria vencido sem o dramático agravamento do quadro financeiro de setembro de 2008 em diante? O racismo ainda é uma grande realidade por aqui. A decisão fatídica de permitir o colapso do Lehman Brothers, anunciada no dia 14 de setembro, intensificou a crise financeira e talvez tenha selado a sorte da candidatura republicana.
Seja como for, para os EUA, a eleição de Obama foi um alto negócio. O país está em festa, altamente satisfeito consigo mesmo. A imagem dos americanos no resto do planeta, muito machucada no período George W. Bush, melhora de cinco em cinco minutos. Em resumo, um grande sucesso de público e bilheteria.
Um parêntese sobre Washington.
Nos últimos dias, a cidade estava transfigurada, irreconhecível. Uma massa ululante ocupou as ruas, as praças e todos os lugares públicos. O leitor talvez não saiba, mas a capital dos Estados Unidos é uma cidade ultracosmopolita. Os estrangeiros dominam a paisagem. Quase todos os países do mundo têm embaixadas e/ou consulados aqui. Há muitas organizações internacionais sediadas em Washington (FMI, Banco Mundial, BID, OEA etc.), e os seus funcionários são em grande parte estrangeiros. Além disso, existem milhares de trabalhadores imigrantes, desempenhando tarefas que os americanos não se dignam mais a fazer (ou só fariam por salários proibitivos): motoristas de táxi, empregados de hotéis, restaurantes, bares, clubes etc. Assim, é possível encontrar de tudo em Washington -de etíopes a iranianos, de russos a paquistaneses, de colombianos a coreanos, de libaneses a ucranianos. De vez em quando, aparece até um americano por aqui. Pois bem. Com a posse de Obama, Washington foi invadida por americanos. Vieram, eufóricos, dos quatro cantos do país. A celebração é justa. Os americanos, diria Fernando Pessoa, estão rindo como quem tem chorado muito.
O resto do mundo também comemora. Os estrangeiros têm a esperança de que Obama venha a inaugurar uma nova fase nas relações internacionais dos EUA, marcada por mais respeito e consideração dos outros países, inclusive dos menos desenvolvidos.
Aqui começam as minhas dúvidas. O clima nos Estados Unidos é de autocongratulação ruidosa. A autoestima dos americanos, sempre bastante elevada, passa por um momento de grande exacerbação. Uma superpotência cheia de gás e de moral pode ser problemática para as outras nações.
Não tenha dúvida, leitor, a eleição de um presidente afroamericano representa para os EUA um tremendo impulso em termos de "soft power", a capacidade de dominar por meios culturais e ideológicos. Esse aspecto do poder americano sofreu uma erosão impressionante nos anos Bush. Obama é o político ideal, como que encomendado, para desfazer esse estrago.
Ele sabe disso. No seu discurso de posse, dirigindo-se a "todos os outros povos e governos que estão assistindo hoje", anunciou com grande presunção: "Estamos prontos para liderar mais uma vez". O resto do mundo que se cuide.

PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 53, escreve às quintas-feiras nesta coluna. Diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

pnbjr@attglobal.net


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