São Paulo, quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

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Indústria brasileira teme retomada de abertura comercial

Setor acha que dólar barato já reduziu proteção tarifária e teme pagar preço de concessão de ricos na agricultura

Industriais dizem que fatores como imposto alto, obrigações trabalhistas e câmbio já reduzem a competitividade do país

CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL

A indústria brasileira vê com apreensão a retomada das negociações da Rodada Doha de liberalização do comércio global no momento em que o real apresenta forte valorização.
O setor afirma que o enfraquecimento do dólar no Brasil funciona na prática como uma redução da proteção tarifária, já que reduz o preço em real dos produtos importados. O temor da indústria é ficar ainda mais exposta com um eventual acordo de liberalização comercial.
O principal objetivo de Doha é reduzir as tarifas e subsídios do setor agrícola, impostos sobretudo pelos países desenvolvidos. Para realizar essas concessões, Europa e EUA exigem maior acesso de seus produtos industriais aos mercados dos países em desenvolvimento.
O processo de valorização do real tem reduzido a disposição da indústria a fazer concessões. "Quanto mais se agrava o problema cambial no Brasil, mais delicada fica a posição do setor", diz Humberto Barbato, diretor do Departamento de Comércio Exterior do Ciesp.
Durante 2006, o real teve valorização de 9,5% em relação ao dólar. Em 2007, o ganho segue.
"Para ter concessão agrícola, os países em desenvolvimento vão ter que ceder na área industrial", diz Mário Marconini, do Conselho de Relações Internacionais da Federação do Comércio de São Paulo.
Os setores potencialmente mais afetados são os com tarifas mais altas consolidadas pelo Brasil na OMC (Organização Mundial do Comércio). No topo está a indústria automobilística, com proteção de 35%.
Rogélio Golfarb, presidente da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) afirma que vê Doha "com cautela". Sua preocupação inclui o real forte e a eventual concorrência de carros produzidos em outros emergentes. Ele diz que é favor da abertura comercial e do regime de câmbio flutuante. Mas ressalta que o país deve enfrentar os problemas que reduzem a competitividade da indústria.
"Se combinarmos nível de câmbio, ineficiências tributárias e o fato de muitos países não terem quase nada de obrigações trabalhistas, fica muito difícil competir", sustenta Golfarb. Segundo ele, o setor automobilístico responde por 15% do PIB industrial e 5% do PIB total do país. "A abertura tem de ser acompanhada de medidas internas que aumentem a competitividade da indústria."
Marconini avalia que outros setores expostos à abertura comercial são os de calçados, eletroeletrônicos, químico e de máquinas e equipamentos.
O presidente do Conselho Superior de Comercio Exterior da Fiesp, embaixador Rubens Barbosa, diz que a preocupação com o câmbio foi manifestada por vários conselheiros em encontro realizado no início deste mês para discutir Doha.
"Não ha dúvida de que o custo do financiamento interno em razão da alta taxa de juros e a continuada apreciação do real representam um grande desafio para o setor industrial, porque reduzem a competitividade externa e interna dos produtos brasileiros", observa.
A expectativa da indústria, segundo Barbosa, é que o resultado da negociação seja equilibrado e que os setores mais prejudicados sejam compensados de alguma maneira.
O ministro Carlos Márcio Cozendey, diretor do Departamento Econômico do Itamaraty, acredita que a preocupação com o câmbio não deveria afetar as negociações. Cozendey afirma que a eventual conclusão da Rodada Doha produzirá efeitos no longo prazo.
Mas reconhece que a realidade atual não pode ser ignorada e sugere que pode haver compensações para os setores eventualmente prejudicados.
A tendência nas negociações, diz Cozendey, é que se encontre um meio-termo entre as demandas dos países em Doha, com tarifas industriais e agrícolas caindo de forma moderada.


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