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Indústria brasileira teme retomada de abertura comercial
Setor acha que dólar barato já reduziu proteção tarifária e teme pagar preço de concessão de ricos na agricultura
Industriais dizem que fatores como imposto alto, obrigações trabalhistas e câmbio já reduzem a competitividade do país
CLÁUDIA TREVISAN
DA REPORTAGEM LOCAL
A indústria brasileira vê com
apreensão a retomada das negociações da Rodada Doha de
liberalização do comércio global no momento em que o real
apresenta forte valorização.
O setor afirma que o enfraquecimento do dólar no Brasil
funciona na prática como uma
redução da proteção tarifária,
já que reduz o preço em real dos
produtos importados. O temor
da indústria é ficar ainda mais
exposta com um eventual acordo de liberalização comercial.
O principal objetivo de Doha
é reduzir as tarifas e subsídios
do setor agrícola, impostos sobretudo pelos países desenvolvidos. Para realizar essas concessões, Europa e EUA exigem
maior acesso de seus produtos
industriais aos mercados dos
países em desenvolvimento.
O processo de valorização do
real tem reduzido a disposição
da indústria a fazer concessões.
"Quanto mais se agrava o problema cambial no Brasil, mais
delicada fica a posição do setor", diz Humberto Barbato, diretor do Departamento de Comércio Exterior do Ciesp.
Durante 2006, o real teve valorização de 9,5% em relação ao
dólar. Em 2007, o ganho segue.
"Para ter concessão agrícola,
os países em desenvolvimento
vão ter que ceder na área industrial", diz Mário Marconini, do
Conselho de Relações Internacionais da Federação do Comércio de São Paulo.
Os setores potencialmente
mais afetados são os com tarifas mais altas consolidadas pelo
Brasil na OMC (Organização
Mundial do Comércio). No topo está a indústria automobilística, com proteção de 35%.
Rogélio Golfarb, presidente
da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos
Automotores) afirma que vê
Doha "com cautela". Sua preocupação inclui o real forte e a
eventual concorrência de carros produzidos em outros
emergentes. Ele diz que é favor
da abertura comercial e do regime de câmbio flutuante. Mas
ressalta que o país deve enfrentar os problemas que reduzem
a competitividade da indústria.
"Se combinarmos nível de
câmbio, ineficiências tributárias e o fato de muitos países
não terem quase nada de obrigações trabalhistas, fica muito
difícil competir", sustenta Golfarb. Segundo ele, o setor automobilístico responde por 15%
do PIB industrial e 5% do PIB
total do país. "A abertura tem
de ser acompanhada de medidas internas que aumentem a
competitividade da indústria."
Marconini avalia que outros
setores expostos à abertura comercial são os de calçados, eletroeletrônicos, químico e de
máquinas e equipamentos.
O presidente do Conselho
Superior de Comercio Exterior
da Fiesp, embaixador Rubens
Barbosa, diz que a preocupação
com o câmbio foi manifestada
por vários conselheiros em encontro realizado no início deste
mês para discutir Doha.
"Não ha dúvida de que o custo do financiamento interno
em razão da alta taxa de juros e
a continuada apreciação do real
representam um grande desafio para o setor industrial, porque reduzem a competitividade externa e interna dos produtos brasileiros", observa.
A expectativa da indústria,
segundo Barbosa, é que o resultado da negociação seja equilibrado e que os setores mais
prejudicados sejam compensados de alguma maneira.
O ministro Carlos Márcio
Cozendey, diretor do Departamento Econômico do Itamaraty, acredita que a preocupação com o câmbio não deveria
afetar as negociações. Cozendey afirma que a eventual conclusão da Rodada Doha produzirá efeitos no longo prazo.
Mas reconhece que a realidade atual não pode ser ignorada
e sugere que pode haver compensações para os setores
eventualmente prejudicados.
A tendência nas negociações,
diz Cozendey, é que se encontre um meio-termo entre as demandas dos países em Doha,
com tarifas industriais e agrícolas caindo de forma moderada.
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