São Paulo, domingo, 22 de fevereiro de 2009

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Banco vê erro em debate sobre taxa de juros

Sociedade deve atacar "a causa, e não o sintoma", do "spread" elevado, afirma o presidente da Febraban, Fabio Barbosa

Para executivo, Brasil será um dos poucos países com crescimento durante a crise; mas, mesmo assim, haverá mudanças após turbulência

TONI SCIARRETTA
DA REPORTAGEM LOCAL

O presidente da Febraban, Fabio Barbosa, não nega que os "spreads" [diferença entre as taxas de juros do dinheiro captado pelo banco e repassado ao consumidor] sejam altos no país -"não sou louco de ir contra uma evidência"-, mas diz que há muita desinformação e gente querendo jogar "gasolina" no debate. Barbosa defende que a discussão mude o foco do lucro dos bancos e vá para as razões do problema. "O "spread" pode melhorar? Não tenho dúvidas. Desde que se trabalhe nas causas, e não no sintoma."

 

FOLHA - O que bancos, governo e consumidor podem fazer para reduzir os "spreads"?
FABIO BARBOSA
- A questão é entender por que ele é mais alto do que em outros países. Tenho repetido que a razão é porque temos impostos na intermediação financeira que não existem em outros países, não temos cadastro positivo, temos crédito direcionado que sobrecarrega as operações de mercado, temos compulsório elevado, temos um monte de insegurança jurídica quanto a disputas demoradas no Judiciário. O crédito mais barato no mundo é o imobiliário. No Brasil, representa 3% do PIB, no Chile, 60%.
Óbvio que no Chile o "spread" [médio] acaba sendo mais baixo do que no Brasil, entre outras razões, por essa. Se os "spreads" tivessem subido para que os bancos auferissem mais lucros, então está faltando a consequência disso: os ganhos foram menores [em 2008].
Existem causas para que os "spreads" sejam mais elevados no Brasil. Se nós trabalharmos no sintoma, não vamos fazer nada; se trabalharmos nas causas, vamos. Agora, isso requer um estudo aprofundado. Cada uma dessas razões pode ter uma medida endereçada.

FOLHA - O que já aprendemos sobre "spread" e expansão do crédito?
BARBOSA
- Anos atrás, o governo trabalhou e criou o crédito consignado, reformou as garantias jurídicas do crédito imobiliário e de veículos. O Brasil não tinha moeda 14 anos atrás. O crescimento do crédito se deu após a estabilização, que permitiu um alongamento dos prazos. A gente está em um caminho muito rápido e não quer crescer mais que isso. Até porque o país não tem poupança.
Para que eu empreste para você, outro precisa poupar. Por que não tem crédito imobiliário? Porque é muito longo, o arcabouço jurídico não era bom, as garantias não eram adequadas, os juros eram muito altos.

FOLHA - Como proceder então?
BARBOSA
- Quero abrir um diálogo, conversar com os vários setores e ver o que pode ser feito. Tenho batido na questão do cadastro positivo, que terá efeito no médio prazo, e não no dia seguinte. Vai ter de ser constituído, entendido, estudado. E tem também a tributação da intermediação financeira. Não estou falando para baixar o imposto. O que não pode falar é: quero "spread" baixo e colocar imposto no "spread". Vamos trabalhar para ter um diagnóstico adequado e tomar decisões em cima disso. Acredito que uma decisão é tão boa quanto as informações nas quais se baseou. Informações boas tenderão a levar a boas decisões.

FOLHA - A bancarização ajudou a elevar os "spreads"? A expansão do crédito está ameaçada?
BARBOSA
- Não acredito. Se o país continuar crescendo, não. Quanto mais abrangente for o público tomador de empréstimo, mais alto é o "spread". Por que isso? Porque os bancos começaram trabalhando com uma base muito restrita [de clientes] há dez anos. À medida que populariza o crédito, você entra em camadas de risco em que seu conhecimento é menor. É inevitável que o "spread" suba. E, apesar de o prazo ter aumentado e novas classes tomadoras terem sido atendidas, o "spread" caiu. É fácil baixar o "spread": se eu emprestar dinheiro só para cliente de risco zero, o "spread" cai.

FOLHA - Há uma demonização dos bancos? O senhor vê um debate ideológico no país?
BARBOSA
- Há uma situação mundial em que os bancos estão parando de emprestar. A questão não é só o custo elevado, mas a paralisação no crédito e os bancos buscando recursos na sociedade -não gosto de falar no governo- para sobreviver. De repente, a gente coloca os bancos no Brasil -que continuam emprestando e não estão pedindo dinheiro- no mesmo patamar! A diferença aqui é que temos um sistema financeiro sólido. É isso o que faz com que o país possa olhar para planos de investimento, crescimento das vendas da indústria automobilística... O sistema financeiro sólido é um ativo da sociedade brasileira, é um ativo seu, meu, de todos nós. Por alguma razão que não entendo qual, resolveram achar que ele [banco] é o vilão. Cada vez que converso com alguém sinto a necessidade que as pessoas têm de colocar mais gasolina. Não tem que colocar gasolina, vamos melhorar. O "spread" pode melhorar?
Não tenho dúvidas. Desde que se trabalhe nas causas.

FOLHA - Por que essa campanha?
BARBOSA
- Buscam uma coisa sem saber bem o quê. [Dizem que] bancos estão empoçando liquidez; não houve empoçamento de liquidez, até porque banco perde dinheiro se tomar dinheiro no mercado e comprar título público -ao contrário do que se fala, comprar dinheiro a 102% e 103% do CDI e aplicar em CDI não dá dinheiro. Segundo, [dizem] que os bancos criaram uma crise de derivativos; não aconteceu.
Terceiro, os bancos pararam de emprestar; os balanços de todas as instituições mostram que estão crescendo os empréstimos. Quarto, [a discussão dos] "spreads". Estamos seguindo mais uma pista que não vai nos levar a lugar nenhum.

FOLHA - Há o temor de o governo tomar alguma medida para conter os "spreads", como fez com o tabelamento das tarifas?
BARBOSA
- Não estou preocupado que o governo venha a tomar medidas erradas porque, muito pelo contrário, está tomando decisões corretas. Colocou mais dinheiro para o BNDES fazer empréstimos, diminuiu o compulsório quando foi necessário, fez leilões de linha de comércio [exterior], reduziu o IPI dos automóveis. Estão tomando medidas pontuais que estão sendo acertadas. Há um barulho exagerado na busca de algumas soluções fáceis. Não existem soluções fáceis, existem soluções complexas para problemas complexos. No caso da crise internacional, depois de oito meses, ninguém foi capaz de reverter esse quadro mesmo com os trilhões de dólares que foram mobilizados.

FOLHA - Já podemos ver o país após a crise financeira?
BARBOSA
- O Brasil vive uma situação ímpar porque será um dos únicos com crescimento.
Daí achar que as coisas vão funcionar do jeito que funcionavam antes, não tem. Um pouco dessa especulação é porque as pessoas querem que as coisas sejam como antes da crise. Elas não serão. A crise é uma realidade, é relevante, impacta o Brasil. Vai ser é muito menor [aqui]. Qual o problema então?

FOLHA - Tem havido esse diálogo com o governo?
BARBOSA
- Tem havido. O governo tem conversado e procurado entender [os bancos]. Tanto que faço questão de dizer que não foram tomadas medidas [equivocadas]. Tem um barulho grande. Não tenho nenhuma reclamação em relação ao governo. Mantenho também diálogo com a Fiesp [indústria paulista], a Anfavea [montadoras] e todos o setores da sociedade para que possamos trabalhar nas causas, e não simplesmente olhar os sintomas e buscar soluções simples.


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