São Paulo, quarta-feira, 22 de março de 2006

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PÚBLICO X PRIVADO

Governo Kirchner acusa empresa controlada por franceses de não cumprir o contrato de concessão

Argentina reestatiza empresa de água e esgoto

FLÁVIA MARREIRO
DE BUENOS AIRES

Depois de três anos de embate com o consórcio privado que controlava a empresa Aguas Argentinas, o governo argentino rompeu o contrato com a concessionária e reestatizou ontem, por decreto, o serviço de água e esgoto na Grande Buenos Aires.
Para substituir Aguas Argentinas, cujo controle acionário é da francesa Suez (39,9% das ações), foi criada uma nova estatal, com 90% de ações do governo. Os outros 10% seguirão com os funcionários, o chamado PPP (Programa de Propriedade Participada).
No anúncio da decisão, o ministro do Planejamento, Julio de Vido, alegou o reiterado "não cumprimento" do contrato de concessão e afirmou que o rompimento se deu "por culpa" da empresa, que não teria cumprido planos de investimento e de ampliação dos serviços. Citando relatórios da agência reguladora, acusou a Aguas Argentinas de pôr em risco a saúde dos usuários, pelo suposto elevado nível de nitrato na água.
A empresa informou por nota que em setembro de 2005 seus controladores já haviam pedido o rompimento do contrato, "por culpa do concedente", e rechaçou os argumentos do governo de Néstor Kirchner. Disse ter feito "trabalho exemplar" desde 1993, quando começou a operar. Afirmou que fará uma transferência "ordenada" do serviço.
Não havia detalhes desse processo ontem. No anúncio, o ministro Julio de Vido instruiu aos diretores da nova estatal a fazerem uma auditoria dos ativos e assumir de imediato o serviço.
A disputa entre governo e a empresa começou em 2002, no auge da crise argentina. Desde então, a maior parte das tarifas públicas estão congeladas. A empresa e outros concessionários de serviços, como os de telefonia, tentavam, sem sucesso, obter da Casa Rosada autorização para reajuste.
No ano passado, tanto a controladora Suez como a espanhola Aguas de Barcelona (25% das ações) já haviam anunciado que deixariam o consórcio e buscavam compradores. Mas as negociações eram barradas pela falta de perspectiva de alta nas tarifas. A reestatização, como já havia acontecido com o serviço de correios, ficou mais próxima. Ontem, um porta-voz da empresa espanhola afirmou que a decisão não causou "surpresa". A Suez não havia se pronunciado.
Após a renegociação da dívida em moratória -controversa, mas considerada exitosa-, o embate com as privatizadas é o principal problema da relação de Kirchner com o organismos multilaterais como o FMI e com os governos da França e da Espanha.
A disputa com as empresas e a "insegurança jurídica" do país também é apontada por analistas como entrave ao investimento estrangeiro. A Bolsa de Buenos Aires fechou ontem em baixa de 0,59%, mas operadores não relacionavam o resultado à decisão.
Consertar o que considera "erros" do amplo processo de privatização da era Carlos Menem (1989-1999) é uma das bandeiras políticas de Kirchner. Por isso e por causa da perspectiva de alta da inflação, consultoras privadas descartam reajustes nas tarifas neste ano.
Antes da decisão de ontem, o último round entre Aguas Argentinas e Kirchner havia sido em fevereiro. Em discurso, o presidente reclamou da empresa e chamou de "flagelo" as falhas no serviço. A empresa respondeu cobrando subsídios e reajustes.
Diferentemente de outras concessionárias como a Telefônica e a Telecom, que fecharam acordos recentes com a Casa Rosada, a Suez se recusava a tirar a ação no tribunal de arbítrio do Banco Mundial onde cobra do governo argentino o ressarcimento do US$ 1,7 bilhão investidos no país.
Aguas Argentinas era responsável, até ontem, pelo abastecimento e serviços de esgoto de 12 milhões de pessoas de Buenos Aires e região metropolitana (cerca de um terço da população do país). O governo anunciou investimento de cerca de US$ 135 milhões entre 2006 e 2007 na nova estatal, e a notícia foi comemorada pelo sindicato de funcionários .


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