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CÉSAR BENJAMIN
Crise e bravatas
A rede de interesses rentistas é
grande demais, o que impede
que o Fed aproveite a crise para
promover mudanças de fundo
BANCOS, POR definição, estão
sempre em desequilíbrio. Numa ponta, recebem depósitos
que podem ser sacados a qualquer
momento pelos titulares das contas.
Na outra ponta, usam esses recursos
para conceder créditos que só podem ser cobrados paulatinamente,
conforme os prazos contratuais. Devem à vista aos correntistas e recebem a prazo dos tomadores de empréstimos. Interessa à sociedade
que eles corram os riscos inerentes a
esse descompasso, pois a oferta de
crédito é essencial ao desenvolvimento. Mas também interessa que
eles sejam empreendimentos seguros.
Para compatibilizar essas duas variáveis contraditórias -exposição
ao risco e segurança-, os bancos integram um subsistema específico
em qualquer economia. Entre as características desse subsistema, está
a possibilidade de recorrer, a qualquer tempo, a um emprestador de
última instância, o banco central.
Ele pode exercer essa função porque
recebe da sociedade a excepcional
prerrogativa de fabricar dinheiro.
Os bancos centrais devem garantir a solvência do sistema bancário.
Isso exige uma contrapartida: como
fiadores do sistema, eles precisam
acompanhar, supervisionar e controlar as operações financeiras, em
tempo real, as quais devem seguir
regras muito mais estritas do que
aquelas a que estão sujeitas as empresas comuns. Se não for assim, os
operadores podem perpetrar imprudências e insanidades, na busca
de lucros desmesurados, confiantes
em que os prejuízos, quando existirem, serão automaticamente repassados à sociedade pela ação dos bancos centrais.
Nas últimas décadas, nos EUA e
em outros países, esse necessário
equilíbrio entre cobertura e regulamentação se desfez. As legislações e
as práticas de controle foram eliminadas ou enfraquecidas. Qualquer
desregulamentação passou a ser
considerada boa, pois o Estado tornou-se intrinsecamente mau. Ao
mesmo tempo, as operações especulativas se sofisticaram, tornando-se
cada vez mais complexas, formando
uma rede densa e opaca, vocacionada para se expandir.
O transbordamento, para o mundo, dessa forma de gestão da riqueza
ganhou o nome de globalização, glamorizada em cada país por grupos
locais de rentistas. Eles recusam regulamentações nacionais. Mas,
quando as crises eclodem, sabem
que terão proteção, pois nenhum
Estado fica inerte diante da iminência de um desastre financeiro. Também sabem que não estão sozinhos,
pois, direta ou indiretamente, lidam
com recursos de investidores institucionais que não podem quebrar.
Tornaram-se, ao mesmo tempo, livres e protegidos. Por isso, cada vez
mais irresponsáveis. Reapareceu o
espectro de crises recorrentes.
A rede de interesses rentistas já é
grande demais, o que impede que o
banco central norte-americano
(Fed) aproveite a crise atual para
promover mudanças de fundo. Como o dólar, na prática, é moeda de
curso forçado na economia mundial
-pois grande parte da riqueza do
mundo está em títulos do Tesouro
americano-, mais uma vez o Fed
buscará maneiras de exportar prejuízos. Provavelmente terá êxito, à
custa de trincar ainda mais os alicerces do sistema internacional.
Quanto ao Brasil, a arrogância governamental é pura bravata. Nossa
vulnerabilidade externa permanece
elevada, e o agravamento súbito da
situação mundial não deve ser descartado. Os mercados especulativos
só podem funcionar quando seus
agentes fazem avaliações diferentes
sobre a direção futura dos preços.
Quando as avaliações convergem,
esses mercados se paralisam, pois
deixam de existir compradores e
vendedores de diferentes expectativas. Ocorre o "efeito manada": todos
correm na mesma direção. Os preços desabam, e o simples manejo da
taxa de juros é incapaz de deter o desastre. Se isso ocorrer, o custo, para
o mundo, será muito alto. Principalmente para nós.
CESAR BENJAMIN, 53, editor da Editora Contraponto e
doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de "Bom Combate" (Contraponto, 2006). Escreve aos sábados, a cada 15 dias, nesta coluna.
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