São Paulo, sábado, 22 de março de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

É hora de reaprender as lições dos anos 30

Crise financeira é basicamente uma versão atualizada das corridas aos bancos que varreram os EUA há três gerações

PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"

CASO BEN Bernanke, presidente do Federal Reserve (BC dos EUA), consiga salvar o sistema financeiro do colapso, ele será elogiado -e com razão- pelos seus heróicos esforços. Mas o que deveríamos estar perguntando é: como chegamos a essa situação?
Por que o sistema financeiro precisa de salvação?
Por que precisamos que economistas tímidos se tornem super-heróis?
A resposta, em certo nível fundamental, é que estamos pagando o preço de nossa deliberada amnésia. Escolhemos esquecer o que aconteceu nos anos 30 -e, porque nos recusamos a aprender com a história, estamos condenada a repeti-la.
Diferentemente da crença popular, o crash do mercado de ações em 1929 não foi o momento que definiu a Grande Depressão. O que transformou uma recessão comum em um colapso que ameaçou a civilização foi a onda de corridas a bancos que varreu os Estados Unidos em 1930 e 1931.
A crise bancária dos anos 30 demonstra que mercados financeiros desregulamentados e não fiscalizados podem facilmente sofrer um colapso catastrófico.
Com a passagem das décadas, porém, essa lição foi esquecida -e agora a estamos reaprendendo.

O que fazem os bancos
Para compreender o problema, é preciso entender o que fazem os bancos. Os bancos existem porque eles ajudam a reconciliar os desejos conflitantes dos poupadores e dos devedores. Os poupadores desejam liberdade -acesso ao dinheiro deles em curto prazo. Os devedores querem compromisso firme: não desejam enfrentar o risco de enfrentar exigências súbitas de pagamento.
Os bancos normalmente satisfazem a ambos os desejos: os depositantes têm acesso a seus fundos sempre que desejam, e, no entanto, a maior parte do dinheiro que eles entregam aos cuidados de um banco é usada para fazer empréstimos de longo prazo. O motivo para que isso funcione é que os saques e os novos depósitos em geral se equiparam, de modo que um banco necessita apenas de uma modesta reserva de caixa para cumprir seu compromisso para com os depositantes.
Mas, ocasionalmente -e muitas vezes com base em nada mais que boatos-, surge uma corrida a um banco, na qual muitas pessoas ao mesmo tempo tentam sacar o dinheiro que mantêm depositado. E um banco que enfrenta uma corrida de seus depositantes, por não dispor de caixa suficiente para atender aos pedidos destes, pode quebrar ainda que o boato seja falso.
Ainda pior, corridas a bancos podem ser contagiosas. Caso os depositantes em um banco percam seu dinheiro, os depositantes de outros bancos provavelmente se enervarão também, o que pode gerar uma reação em cadeia. Com isso, podem surgir efeitos econômicos mais amplos: à medida que os bancos sobreviventes tentam levantar dinheiro cobrando seus empréstimos, é possível que surja um círculo vicioso no qual as instituições criam uma compressão de crédito, o que gera maior número de insolvência em empresas e ainda mais problemas financeiros nos bancos, e assim por diante.
Isso, em resumo, foi o que aconteceu em 1930/1 e fez da Grande Depressão o desastre que ela foi. Por isso, o Congresso tentou garantir que a situação jamais se repetisse por meio de um sistema de regulamentos e garantias que oferece uma rede de segurança para o sistema financeiro.
E todos nós vivemos felizes por algum tempo -mas infelizmente não para sempre.
Wall Street não se conformava com a regulamentação, que limitava riscos, mas também os potenciais lucros. E pouco a pouco conseguiu manobrar para ampliar sua liberdade -em parte ao persuadir os políticos a relaxar as regras, mas principalmente por meio da criação de um "sistema bancário paralelo" que depende de complexos arranjos financeiros criados para contornar a regulamentação cujo objetivo era garantir que o sistema bancário se mantivesse seguro.

Garantias federais
Por exemplo, sob o antigo sistema, os poupadores contavam com garantias federais aos seus depósitos em bancos de poupança que eram severamente regulamentados, e os bancos usavam esse dinheiro para financiar a construção de casas. Com o tempo, porém, isso foi substituído em parte por um sistema em que os poupadores investiam seu dinheiro em fundos que adquiriam "commercial papers" lastreados por ativos junto a veículos especiais de investimento, que adquiriam obrigações caucionadas de dívida criadas a partir de hipotecas securitizadas -e tudo quase sem fiscalização.
Com o tempo, o sistema bancário paralelo ganhou controle cada vez maior sobre o setor bancário, porque os participantes desregulamentados do sistema pareciam oferecer termos melhores do que os bancos convencionais. Enquanto isso, aqueles que se preocupavam com o fato de que esse admirável mundo novo das finanças não contava com uma rede de segurança eram desdenhados e classificados como completamente antiquados.
O fato, porém, é que tocávamos a festa como se estivéssemos em 1929 -e 1930, enfim, chegou.

Versão atualizada
A crise financeira em curso é basicamente uma versão atualizada das corridas aos bancos que varreram a nação três gerações atrás. As pessoas não estão tirando dinheiro dos bancos para guardar no colchão, mas fazem o equivalente moderno disso, transferindo fundos do sistema bancário paralelo para títulos do Tesouro. E o resultado, agora como então, é um círculo vicioso de contração financeira.
Bernanke e seus colegas no Federal Reserve estão fazendo tudo que podem para pôr fim a esse círculo vicioso. Só podemos esperar que obtenham sucesso. De outra forma, os próximos anos serão muito desagradáveis -não uma nova Grande Depressão, com alguma sorte, mas decerto o pior colapso que vimos em décadas.
Mesmo que Bernanke obtenha sucesso, no entanto, não é assim que a economia deveria ser gerida. Chegou a hora de reaprender as lições dos anos 30 e retomar o controle sobre o sistema financeiro.


PAUL KRUGMAN, economista, é colunista do "New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA).

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Texto Anterior: Energia: Cheney pede a árabes maior produção de óleo
Próximo Texto: Imposto de Renda - Serviço Folha - IOB
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.