São Paulo, domingo, 22 de março de 2009

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Início de safra enfrenta colapso do transporte de grãos

Reportagem cruza um dos principais corredores de exportação do Centro-Oeste e constata infraestrutura precária no país

Obra de duplicação do trecho Rondonópolis-Posto Gil (MT), por onde passa 15% do agronegócio, ainda é só uma promessa do PAC

AGNALDO BRITO
ENVIADO ESPECIAL AO CENTRO-OESTE

O jatinho com o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, se aproxima do aeroporto de Rondonópolis (MT). Wenderson Moreira, o Pretinho, sua em bicas, enquanto procura um maldito fusível do ar-condicionado que achou de pifar. Três fusíveis depois, a boleia do caminhão bitrem está com temperatura de gabinete.
Ministro embarcado, rodovia interditada para a visita, começa a viagem de 20 quilômetros em um dos mais importantes e movimentados corredores de exportação, a BR-163. Minutos depois, Nascimento anuncia um pacote de obras previstas no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), entre as quais a mais esperada: a duplicação do trecho de 300 quilômetros entre Rondonópolis e Posto Gil (MT), por onde passa 15% do agronegócio brasileiro.
Oito meses depois, a reportagem da Folha embarcou na mesma cabine climatizada do bitrem visitada pelo ministro. Saindo de Rondonópolis, subindo até Sorriso (MT) e retornando no "caminho da soja". Depois de cruzar 24 cidades e percorrer 2.470 quilômetros sobre estradas exauridas entre os Estados de Mato Grosso e Goiás, a constatação é a de que as obras do PAC existem apenas no papel e que o sistema de escoamento está em colapso.
A precária infraestrutura de escoamento começa a ficar cara demais, além do limite viável para despacho da produção rumo aos portos. A escalada de preços para o transporte não explodiu graças à crise, que esfriou a demanda internacional. Mas isso não elimina o esfacelamento dos corredores de exportação.
Da ineficiência para carregamento dos caminhões às longas esperas para descarregamento nos terminais. Dos buracos gigantes que ornam estradas em agonia à ausência de acostamento para constantes emergências. Do mato que engole a parca sinalização que poderia avisar de riscos escondidos na traiçoeira estrada ao completo abandono de longos trechos de rodovias federais por onde não se transita com velocidade superior àquela dos tempo das velhas diligências.
A questão já é econômica. Levantamento do Imea (Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária) mostra que, se o Estado fosse uma única fazenda, o custo total de produção e transporte superaria hoje a receita por hectare. Isso não vale para todos, mas, para alguns, sim. "O custo do transporte, a ser mantido como está, em alguns anos pode inviabilizar a produção em parte de Mato Grosso", diz Cid Ferreira, gerente de planejamento da Aprosoja (que reúne os produtores de soja de Mato Grosso).
Os custos de produção e transporte fazem a distância de Mato Grosso em relação ao Paraná aumentar. Na colheita neste momento, o Paraná terá uma vantagem em custos de 31% sobre Mato Grosso. A razão disso? O transporte.
Tomadas só as despesas de frete, a diferença é ainda maior, alcançando US$ 225 por hectare na soma dos custos de escoamento entre os dois grandes produtores de soja do país. O custo de frete no Paraná é de US$ 135/ha, em Mato Grosso será de US$ 360/ha nesta safra.
Basta percorrer os corredores das BRs 163 e 364 pelos quais a reportagem da Folha cruzou para entender o tamanho do problema. Pelo trecho passam 10 mil caminhões por dia numa rodovia que não suportaria a metade. Um terço da frota de caminhões tem mais de sete eixos. Cada eixo, com peso de dez toneladas, em uma pista que foi construída para suportar seis toneladas.
Aberta nos anos 60, a BR-163 exauriu. É uma evidência, admitida inclusive pelo governo, do esgotamento da infraestrutura e um obstáculo para novos saltos de competitividade.
A situação não é melhor na rodovia federal BR-452, que interliga Rio Verde a Itumbiara, em Goiás. Aliás, é bem pior. Ali, o piso ganhou até um apelido: asfalto Sonrisal.
A reportagem tomou mais de seis horas para cruzar os 197 quilômetros. A impressão percorrendo o caminho era a de estar cruzando uma estrada em zona de guerra, em área sob intenso bombardeio aéreo, tal a quantidade de buracos na pista. A velocidade em alguns trechos não superou 10 km/h.
Sentado à beira de um buraco gigante no meio da rodovia, Carlos Alberto Freitas, 46, enumera os prejuízos frequentes com o caminhão. Freitas transporta bagaço para fornos de secagem de soja e é um dos poucos obrigados a usar a estrada mesmo não havendo condições. "Antes, o governo mandava um caminhão de asfalto para jogar na estrada, agora nem isso. Sinceramente, isso aqui precisa ser reconstruído", diz.
A estrada era uma das principais rotas de escoamento de boa parte dos 11 milhões de toneladas de grãos da produção goiana que rumam para os portos de Santos e Paranaguá. As alternativas estão igualmente destruídas. Um exemplo pode ser visto na GO-206, saída para Mato Grosso do Sul. Há um ano, o rompimento de uma barragem destruiu a ponte sobre o rio Corrente. Hoje, uma pequena balsa suporta caminhões pequenos, mas as grandes carretas estão proibidas de transitar pelo corredor.
Com isso, os prejuízos com o transporte da produção vão se somando e tomando pouco a pouco a competitividade da região. "Tivéssemos aqui a produtividade por hectare do Rio Grande do Sul, não teríamos mais produção. O Centro-Oeste sobrevive queimando os ganhos da produtividade", afirma Pedro Arantes, analista da Faeg (Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás).


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