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Após 24 horas na estrada, mais 36 para descarregar
Primeiro, é preciso enfrentar a BR-364; depois, chuva e falta de higiene no terminal
Estrutura oferecida a mais de 300 caminhoneiros é precária: pátio lamacento
e apenas dois chuveiros
e três vasos sanitários
DO ENVIADO AO CENTRO-OESTE
Vinte e quatro horas depois
de iniciada a viagem de 850 quilômetros, entre os municípios
de Sorriso (centro-norte de
Mato Grosso) e de Alto Araguaia (extremo sul do Estado),
o bitrem com 37 toneladas de
soja se aproxima manso da fila
que avança sobre a BR-364.
Caminhão estacionado, Giovani Moreira, o Alcalina, corre
para o meio da fila. "Quantos?",
pergunta ao companheiro.
"Trezentos!", responde o colega à frente. "Trezentos? Ah,
meu Deus!", lamenta Moreira.
Pelas contas de Alcalina, o
descarregamento vai demorar.
Nos últimos tempos, a espera
era de pelo menos 24 horas,
mas, durante os dias em que a
reportagem da Folha esteve na
região, o tempo entre a chegada e a saída do terminal superou 36 horas.
Alcalina chegou à última posição da fila de classificação da
carga às 19h da quarta-feira
(dia 11) e só conseguiu ser chamado para descarregar na madrugada da sexta-feira (13).
Saiu do terminal com a carroçaria vazia às 8h do mesmo dia.
Tem sido assim, o que elimina
a possibilidade de fazer duas
viagens por semana entre a zona produtora e o terminal.
Pelos terminais de Alto Araguaia e Alto Taquari passam
28% de toda a soja em grãos
produzida em Mato Grosso
com destino à exportação. São
2,43 milhões de toneladas, segundo dados da Aprosoja.
O longo período de espera
aborrece, mas ter de enfrentar
as condições de acomodação é
algo ainda pior. "Isso aqui é um
chiqueiro", reclama Ademir
Dias Machado, 44. Vindo de Sinop (MT), Machado estava há
14 horas no terminal. Com os
amigos Ademir Menolli e Daniel Alves de Araújo, criticou a
estrutura sob a qual é obrigado
a viver pelo menos uma vez por
semana. "É assim há três anos,
nunca mudou", afirma.
Uma chuva torrencial no fim
da tarde transformou o pátio
interno num imenso lamaçal, o
que só piora as condições gerais. Em períodos de grande
fluxo de carregamento, como
agora, no início da safra agrícola, os dois chuveiros e os três
sanitários existentes no banheiro são as únicas opções para se tentar manter algum nível
de higiene pessoal.
A conclusão é óbvia. A estrutura não suporta uma população superior a 300 pessoas. O
cheiro do banheiro é insuportável e, invariavelmente, os
dois chuveiros elétricos (o terceiro pifou) não aguentam horas e horas de banhos ininterruptos. A fila do lado de fora da
pequena porta de 80 centímetros de onde se pode ter acesso
ao corredor onde estão os banheiros é permanente. Muitos
desistem. "Não tomei e nem sei
se vou tomar banho hoje. Você
já foi lá?", pergunta Machado.
Conformados com a estrutura precária do local, o casal Antônio Maciel de França, 35, e
Rosemara Firmino de Moraes,
38, prepara, no meio do pátio
de caminhões e de lama, o jantar. "Já tentei desistir, mas isso
aqui é uma condenação", diz
França. Os cinco filhos estão
em Jaciara, cidade às margens
da rota da soja. Com sorte, nenhum deve encarar a vida numa boleia, torce.
A chamada para conduzir o
caminhão ao descarregamento
vem de um megafone instalado
no meio do pátio. Como tudo, o
sistema também não agrada
aos caminhoneiros, que são
obrigados a ficar acordados à
espera do chamado.
"O sujeito está cansado e não
pode dormir. Tem de ficar ouvindo durante toda a madrugada a chamada pelo megafone.
Poderiam, pelo menos durante
a noite, colocar um funcionário
para chamar o caminhoneiro
na cabine", reclama Araújo.
Melhorar condições
A ALL (América Latina Logística) admite os problemas. A
companhia promete agilizar o
fluxo de carga e oferecer acomodações menos insalubres
para os caminhoneiros.
(AB)
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