São Paulo, domingo, 22 de março de 2009

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Após 24 horas na estrada, mais 36 para descarregar

Primeiro, é preciso enfrentar a BR-364; depois, chuva e falta de higiene no terminal

Estrutura oferecida a mais de 300 caminhoneiros é precária: pátio lamacento e apenas dois chuveiros e três vasos sanitários

DO ENVIADO AO CENTRO-OESTE

Vinte e quatro horas depois de iniciada a viagem de 850 quilômetros, entre os municípios de Sorriso (centro-norte de Mato Grosso) e de Alto Araguaia (extremo sul do Estado), o bitrem com 37 toneladas de soja se aproxima manso da fila que avança sobre a BR-364.
Caminhão estacionado, Giovani Moreira, o Alcalina, corre para o meio da fila. "Quantos?", pergunta ao companheiro. "Trezentos!", responde o colega à frente. "Trezentos? Ah, meu Deus!", lamenta Moreira.
Pelas contas de Alcalina, o descarregamento vai demorar. Nos últimos tempos, a espera era de pelo menos 24 horas, mas, durante os dias em que a reportagem da Folha esteve na região, o tempo entre a chegada e a saída do terminal superou 36 horas.
Alcalina chegou à última posição da fila de classificação da carga às 19h da quarta-feira (dia 11) e só conseguiu ser chamado para descarregar na madrugada da sexta-feira (13). Saiu do terminal com a carroçaria vazia às 8h do mesmo dia. Tem sido assim, o que elimina a possibilidade de fazer duas viagens por semana entre a zona produtora e o terminal.
Pelos terminais de Alto Araguaia e Alto Taquari passam 28% de toda a soja em grãos produzida em Mato Grosso com destino à exportação. São 2,43 milhões de toneladas, segundo dados da Aprosoja.
O longo período de espera aborrece, mas ter de enfrentar as condições de acomodação é algo ainda pior. "Isso aqui é um chiqueiro", reclama Ademir Dias Machado, 44. Vindo de Sinop (MT), Machado estava há 14 horas no terminal. Com os amigos Ademir Menolli e Daniel Alves de Araújo, criticou a estrutura sob a qual é obrigado a viver pelo menos uma vez por semana. "É assim há três anos, nunca mudou", afirma.
Uma chuva torrencial no fim da tarde transformou o pátio interno num imenso lamaçal, o que só piora as condições gerais. Em períodos de grande fluxo de carregamento, como agora, no início da safra agrícola, os dois chuveiros e os três sanitários existentes no banheiro são as únicas opções para se tentar manter algum nível de higiene pessoal.
A conclusão é óbvia. A estrutura não suporta uma população superior a 300 pessoas. O cheiro do banheiro é insuportável e, invariavelmente, os dois chuveiros elétricos (o terceiro pifou) não aguentam horas e horas de banhos ininterruptos. A fila do lado de fora da pequena porta de 80 centímetros de onde se pode ter acesso ao corredor onde estão os banheiros é permanente. Muitos desistem. "Não tomei e nem sei se vou tomar banho hoje. Você já foi lá?", pergunta Machado.
Conformados com a estrutura precária do local, o casal Antônio Maciel de França, 35, e Rosemara Firmino de Moraes, 38, prepara, no meio do pátio de caminhões e de lama, o jantar. "Já tentei desistir, mas isso aqui é uma condenação", diz França. Os cinco filhos estão em Jaciara, cidade às margens da rota da soja. Com sorte, nenhum deve encarar a vida numa boleia, torce.
A chamada para conduzir o caminhão ao descarregamento vem de um megafone instalado no meio do pátio. Como tudo, o sistema também não agrada aos caminhoneiros, que são obrigados a ficar acordados à espera do chamado.
"O sujeito está cansado e não pode dormir. Tem de ficar ouvindo durante toda a madrugada a chamada pelo megafone. Poderiam, pelo menos durante a noite, colocar um funcionário para chamar o caminhoneiro na cabine", reclama Araújo.

Melhorar condições
A ALL (América Latina Logística) admite os problemas. A companhia promete agilizar o fluxo de carga e oferecer acomodações menos insalubres para os caminhoneiros. (AB)


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