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OPINIÃO ECONÔMICA
Crise social e modelo econômico
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Todos nós preferiríamos levar as nossas vidas e fingir
que não estamos vendo. Mas poucos conseguem escapar dos efeitos
da crise social, principalmente
nos grandes centros urbanos. Nas
últimas semanas, multiplicaram-se sinais de aprofundamento da
crise: invasões no campo e na cidade, conflitos armados em favelas, greves de diversas categorias
de funcionários públicos, cenas de
barbárie em rebelião de presidiários.
Uma das razões fundamentais
desse quadro preocupante é o desempenho medíocre da economia
e a sua incapacidade crônica de
proporcionar oportunidades satisfatórias para a grande maioria
da população. Não podemos perder de vista que o Brasil está há
quase 25 anos sem crescer de forma significativa.
Vinte e cinco anos! É toda uma
geração que simplesmente não
sabe o que é desenvolvimento. O
nosso país, que sempre foi uma
fronteira de expansão e um pólo
de atração para pessoas de todo o
mundo, passou a exportar brasileiros em número significativo,
pela primeira vez na sua história.
Desde o início da década de 80,
o Brasil vem crescendo, regra geral, bem abaixo do necessário para gerar empregos em qualidade e
quantidade adequadas. Como resultado, aumenta quase continuamente o número de desempregados e subempregados.
Um desses milhões de desempregados, capixaba, vendeu o
pouco que tinha e viajou para
Brasília. Passou dois dias na praça dos Três Poderes, tentando ser
recebido pelo presidente da República que ajudara a eleger. Acabou ateando fogo ao próprio corpo. Foi internado em estado grave
e morreu no último domingo.
Diante da tragédia social brasileira, o conservadorismo da política econômica, não só no governo atual como nos anteriores,
chega a ser escandaloso. A paciência dos brasileiros está no fim.
Os suicidas serão minoria. A
maioria recorrerá, cada vez mais,
às reivindicações, às greves e às
invasões. Crimes e transgressões
se tornarão mais freqüentes, aumentando a insegurança de todos.
É contra esse pano de fundo que
se pode compreender a insatisfação quase generalizada com a política econômica atual. O ano de
2003 foi bastante favorável ao
crescimento dos países em desenvolvimento. Se considerarmos o
grupo dos principais países
"emergentes", verificaremos que
quase todos eles registraram taxas de expansão elevadas. As
maiores taxas de crescimento do
PIB real (próximas de 10%) foram alcançadas por Argentina,
Índia e China. Turquia e Rússia
cresceram cerca de 6%. Taiwan,
Polônia, Indonésia e Coréia do
Sul experimentaram taxas da ordem de 4% a 5%. Nesse grupo, só
México e África do Sul registraram taxas medíocres, entre 1% e
2%, que representam crescimento
per capita próximo de zero.
O nosso resultado foi, como se
sabe, ainda pior. Num conjunto
mais amplo de 25 "mercados
emergentes", apenas Brasil e Israel acusaram diminuição do PIB
em 2003.
O ano de 2004 será melhor para
o Brasil. Mas não muito. O que está se configurando é uma recuperação tímida e desigual, muito inferior à que seria requerida para
começar a tirar o mercado de trabalho do estado calamitoso em
que se encontra há vários anos.
Não é à toa que aumentam as
críticas à política econômica. Vai
ficando mais claro que o país precisa não de uma flexibilização
das políticas atuais, mas de um
novo modelo econômico, isto é, de
uma orientação profundamente
diferente da que temos tido. Esse
novo modelo não precisaria ser
implementado de forma abrupta
e agressiva. Mas, se ele vier um
dia, a sua chegada será anunciada por um sinal seguro e inequívoco: ruídos de descontentamento em Washington, em Wall
Street e na Febraban.
Neste momento, em Brasília,
transcorre dentro do governo
uma discussão emocionante. Os
defensores de uma flexibilização
da política econômica propõem,
com o devido cuidado, uma revisão da meta de inflação para
2005. Discute-se acirradamente se
a meta atual de 4,5% deve ser aumentada um pouco, talvez para
5% ou 5,5%. O ministro Palocci
resiste, ao que parece.
Patético. Isso equivale (com o
perdão da comparação um pouco
surrada) a debater a disposição
das mesas para o chá das cinco no
convés do Titanic.
Não sei se deveria fazer mais
uma comparação. Hesito. Vá lá:
infelizmente, com o passar do
tempo, o governo Lula lembra cada vez mais um outro governo
sul-americano de triste memória
-o governo De la Rúa.
Não quero exagerar. Há tempo
de evitar desastres e tomar o rumo certo. O Brasil de 2004 não é a
Argentina de 2000 ou 2001. Mas
há semelhanças inquietantes:
uma grave crise socioeconômica e
um governo que, embora eleito
para mudar, tem medo de tentar
fazê-lo.
Uma mistura explosiva.
Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-EAESP, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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