São Paulo, sábado, 22 de maio de 2004

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COMÉRCIO EXTERIOR

Impasse sobre acesso de produtos agrícolas aos EUA bloqueia negociação; prazo pode não ser cumprido

Reunião fracassa e Brasil vê Alca distante

FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON

Em um dos mais graves revezes desde o início das negociações, fracassou ontem em Washington a nova rodada de discussões entre Brasil e EUA para a criação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) em janeiro de 2005.
Em um movimento totalmente inesperado, os EUA comunicaram ao Brasil que vários de seus produtos agrícolas correm o risco de jamais terem acesso livre (tarifa zero) ao mercado americano.
"É uma novidade ruim, grave, séria e inesperada. A gente tem de repensar o título dessa Alca, pois está se tornando um acordo de regras cada vez mais vinculadas a problemas que não têm a ver com livre comércio", disse o co-presidente brasileiro da Alca, Ademar Bahadian, após encontro com seu colega americano, Peter Allgeier.
"Tivemos a ingrata e triste surpresa de saber que os temas relacionados a agricultura continuam causando problemas para os EUA", disse o brasileiro.
Até antes da reunião de ontem, os EUA concordavam em zerar ao longo dos próximos anos as tarifas para o ingresso de produtos agrícolas em seu mercado.
O prazo variaria para cada país ou grupo de países, e o Mercosul esperava obter o livre acesso a seus produtos agrícolas nos EUA depois de dez anos.
Bahadian afirmou que a mudança de atitude americana deverá atrasar o processo.
"O prazo de conclusão [da Alca] em 2005 foi marcado tentativamente. Não sou cego para não ver que cada vez mais estamos sendo constrangidos pelo tempo. Realmente há um atraso", disse.
Bahadian disse que a decisão americana é um reflexo dos acordos bilaterais e regionais que os EUA vêm perseguindo com vários países da região, e cujo resultado tem sido o de colocar o Brasil e o Mercosul em uma posição de isolamento.
Nesses acordos, cujo modelo é o entendimento firmado com o Chile, os países concordaram com todas as imposições norte-americanas para ter acesso livre ao mercado dos EUA.
Mas, como são países menores, o impacto sobre o setor agrícola dos EUA será muito limitado -ao contrário do que ocorreria caso o Brasil e a Argentina tivessem livre acesso, por exemplo.
"O que vou dizer agora não é agradável, mas cada vez me convenço mais de que os acordos bilaterais dos EUA vêm apenas consolidando a política protecionista agrícola norte-americana", afirmou Bahadian.
Há menos de um mês, em uma audiência com senadores no Congresso norte-americano, o representante de comércio dos EUA, Robert Zoellick, foi cobrado por membros da bancada agrícola a resguardar setores como o de açúcar nas atuais negociações comerciais em curso.
A audiência foi montada para explicar a vitória do Brasil sobre os EUA na OMC (Organização Mundial do Comércio) na questão dos subsídios internos dados pelos norte-americanos aos produtores de algodão.

"Perturbação"
Bahadian afirmou que a decisão de ontem dos EUA é "particularmente perturbadora" porque não se refere mais a negociações em torno de subsídios agrícolas.
Desde o início do processo de negociação da Alca, o Brasil insistia em negociar a eliminação dos subsídios agrícolas no mercado norte-americano.
Os EUA não concordaram e o Brasil acabou cedendo, desde que o ponto central das negociações passasse a estar concentrado no livre acesso a mercado -ponto que os EUA também retiram agora da mesa de negociação.
A reunião de ontem foi a terceira desde que as negociações da Alca empacaram no México, em fevereiro, por questões em nada relacionadas ao "grave e inesperado" problema apresentado pelos EUA ontem.
Os dois países ficaram de tentar agendar um novo encontro para o próximo dia 2 de junho, em Buenos Aires. Mas isso também não está mais garantido.


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