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COMÉRCIO EXTERIOR
Impasse sobre acesso de produtos agrícolas aos EUA bloqueia negociação; prazo pode não ser cumprido
Reunião fracassa e Brasil vê Alca distante
FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON
Em um dos mais graves revezes
desde o início das negociações,
fracassou ontem em Washington
a nova rodada de discussões entre
Brasil e EUA para a criação da Alca (Área de Livre Comércio das
Américas) em janeiro de 2005.
Em um movimento totalmente
inesperado, os EUA comunicaram ao Brasil que vários de seus
produtos agrícolas correm o risco
de jamais terem acesso livre (tarifa zero) ao mercado americano.
"É uma novidade ruim, grave,
séria e inesperada. A gente tem de
repensar o título dessa Alca, pois
está se tornando um acordo de regras cada vez mais vinculadas a
problemas que não têm a ver com
livre comércio", disse o co-presidente brasileiro da Alca, Ademar
Bahadian, após encontro com seu
colega americano, Peter Allgeier.
"Tivemos a ingrata e triste surpresa de saber que os temas relacionados a agricultura continuam
causando problemas para os
EUA", disse o brasileiro.
Até antes da reunião de ontem,
os EUA concordavam em zerar ao
longo dos próximos anos as tarifas para o ingresso de produtos
agrícolas em seu mercado.
O prazo variaria para cada país
ou grupo de países, e o Mercosul
esperava obter o livre acesso a
seus produtos agrícolas nos EUA
depois de dez anos.
Bahadian afirmou que a mudança de atitude americana deverá atrasar o processo.
"O prazo de conclusão [da Alca]
em 2005 foi marcado tentativamente. Não sou cego para não ver
que cada vez mais estamos sendo
constrangidos pelo tempo. Realmente há um atraso", disse.
Bahadian disse que a decisão
americana é um reflexo dos acordos bilaterais e regionais que os
EUA vêm perseguindo com vários países da região, e cujo resultado tem sido o de colocar o Brasil
e o Mercosul em uma posição de
isolamento.
Nesses acordos, cujo modelo é o
entendimento firmado com o
Chile, os países concordaram
com todas as imposições norte-americanas para ter acesso livre
ao mercado dos EUA.
Mas, como são países menores,
o impacto sobre o setor agrícola
dos EUA será muito limitado
-ao contrário do que ocorreria
caso o Brasil e a Argentina tivessem livre acesso, por exemplo.
"O que vou dizer agora não é
agradável, mas cada vez me convenço mais de que os acordos bilaterais dos EUA vêm apenas consolidando a política protecionista
agrícola norte-americana", afirmou Bahadian.
Há menos de um mês, em uma
audiência com senadores no Congresso norte-americano, o representante de comércio dos EUA,
Robert Zoellick, foi cobrado por
membros da bancada agrícola a
resguardar setores como o de açúcar nas atuais negociações comerciais em curso.
A audiência foi montada para
explicar a vitória do Brasil sobre
os EUA na OMC (Organização
Mundial do Comércio) na questão dos subsídios internos dados
pelos norte-americanos aos produtores de algodão.
"Perturbação"
Bahadian afirmou que a decisão
de ontem dos EUA é "particularmente perturbadora" porque não
se refere mais a negociações em
torno de subsídios agrícolas.
Desde o início do processo de
negociação da Alca, o Brasil insistia em negociar a eliminação dos
subsídios agrícolas no mercado
norte-americano.
Os EUA não concordaram e o
Brasil acabou cedendo, desde que
o ponto central das negociações
passasse a estar concentrado no
livre acesso a mercado -ponto
que os EUA também retiram agora da mesa de negociação.
A reunião de ontem foi a terceira desde que as negociações da Alca empacaram no México, em fevereiro, por questões em nada relacionadas ao "grave e inesperado" problema apresentado pelos
EUA ontem.
Os dois países ficaram de tentar
agendar um novo encontro para o
próximo dia 2 de junho, em Buenos Aires. Mas isso também não
está mais garantido.
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