São Paulo, sexta-feira, 22 de junho de 2007

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Após fracasso, Brasil, EUA e UE se atacam

Reunião, que teve também participação da Índia, não consegue destravar a Rodada Doha e termina em tiroteio verbal

Negociadora americana acusa delegação brasileira de abandonar negociações comerciais ; chanceler Amorim diz que "é mentira"


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A POTSDAM

A reunião do G4 (Brasil, Estados Unidos, Índia e União Européia) destinada a salvar a Rodada Doha de negociações comerciais terminou no mais redondo fracasso e em intenso tiroteio verbal entre Brasil e Estados Unidos, com a União Européia também no meio. Até o presidente George Walker Bush criticou o Brasil.
Susan Schwab, a negociadora-chefe americana, acusou o Brasil de não negociar de maneira responsável e emendou: "O Brasil abandonou a negociação, primeiro na sua substância, e, depois, fisicamente".
Ao sair da entrevista coletiva, disse à Folha que ela e seu pessoal tinham marcado a viagem de volta para domingo (o encontro terminaria sábado), ao passo que os brasileiros já haviam reservado passagens para ontem mesmo, em sinal de que preconceberam o fim prematuro da reunião.
"É mentira", fuzila de volta o chanceler brasileiro, Celso Amorim, referindo-se tanto à primeira quanto à segunda acusação. De fato, os brasileiros remarcaram suas passagens às pressas enquanto ocorriam as entrevistas coletivas.
Amorim faz o seu próprio disparo. Disse que EUA e UE chegaram para a reunião na Alemanha já de acordo para construir o que chamou de "zona de conforto mutuamente satisfatória". Trocando em miúdos: "Ofereceram, ambos, cortes muito pequenos" na formidável proteção que dão a seus produtores agrícolas, enquanto cobravam cortes muito mais altos de Brasil, Índia e demais países em desenvolvimento na área de bens industriais.
Amorim começou a desconfiar de que havia algo errado já na terça-feira, quando Peter Mandelson, o comissário europeu do Comércio e anfitrião do encontro, sugeriu que, "para variar", a discussão começasse por bens industriais (alusão ao fato de que agricultura tem sido o tema vastamente predominante nessas negociações).
Amorim respondeu: "O centro da rodada é agricultura".
Mas o fracasso de Potsdam começou mesmo a nascer no jantar de quarta-feira, em um restaurante de nome simbólico para o que aconteceria no dia seguinte: "Il Teatro".
Foi no jantar que europeus e americanos, conforme a descrição de Amorim, começaram a cobrar concessões em bens industriais. Crivaram o chanceler de perguntas e anotavam tudo. "Foi uma conversa muito dura", avaliou Amorim.
Na manhã seguinte, a de ontem, até que se avançou em alguns aspectos. Fechou-se, por exemplo, o capítulo relativo à ajuda alimentar, que cai no âmbito de subsídio à exportação de bens agrícolas e é muito praticado pelos Estados Unidos. "É um tema muito sensível", diria depois Mike Johanns, o secretário de Agricultura dos Estados Unidos.
Quando a sessão matinal caminhava para o fecho, Mandelson fez um resumo que, para Amorim, soou como preparação para "um pouso suave do fracasso", o que ele fez questão de dizer ao próprio Mandelson.
O comissário europeu tem sua própria versão: "Uma sessão plenária tinha sido anunciada [para 14h, 9h em Brasília], mas duas das quatro partes convocaram uma entrevista coletiva para pouco depois do início".
Troca de acusações à parte, deu-se o que Amorim batizou de Cancún-ato 2, alusão à reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio nesse balneário mexicano em 2003, na qual EUA e UE entraram com posições comuns e saíram com um rotundo fiasco.


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