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Após fracasso, Brasil, EUA e UE se atacam
Reunião, que teve também participação da Índia, não consegue destravar a Rodada Doha e termina em tiroteio verbal
Negociadora americana acusa delegação brasileira de abandonar negociações comerciais ; chanceler Amorim diz que "é mentira"
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A POTSDAM
A reunião do G4 (Brasil, Estados Unidos, Índia e União
Européia) destinada a salvar a
Rodada Doha de negociações
comerciais terminou no mais
redondo fracasso e em intenso
tiroteio verbal entre Brasil e
Estados Unidos, com a União
Européia também no meio. Até
o presidente George Walker
Bush criticou o Brasil.
Susan Schwab, a negociadora-chefe americana, acusou o
Brasil de não negociar de maneira responsável e emendou:
"O Brasil abandonou a negociação, primeiro na sua substância, e, depois, fisicamente".
Ao sair da entrevista coletiva,
disse à Folha que ela e seu pessoal tinham marcado a viagem
de volta para domingo (o encontro terminaria sábado), ao
passo que os brasileiros já haviam reservado passagens para
ontem mesmo, em sinal de que
preconceberam o fim prematuro da reunião.
"É mentira", fuzila de volta o
chanceler brasileiro, Celso
Amorim, referindo-se tanto à
primeira quanto à segunda
acusação. De fato, os brasileiros remarcaram suas passagens às pressas enquanto ocorriam as entrevistas coletivas.
Amorim faz o seu próprio
disparo. Disse que EUA e UE
chegaram para a reunião na
Alemanha já de acordo para
construir o que chamou de "zona de conforto mutuamente
satisfatória". Trocando em
miúdos: "Ofereceram, ambos,
cortes muito pequenos" na formidável proteção que dão a
seus produtores agrícolas, enquanto cobravam cortes muito
mais altos de Brasil, Índia e demais países em desenvolvimento na área de bens industriais.
Amorim começou a desconfiar de que havia algo errado já
na terça-feira, quando Peter
Mandelson, o comissário europeu do Comércio e anfitrião do
encontro, sugeriu que, "para
variar", a discussão começasse
por bens industriais (alusão ao
fato de que agricultura tem sido o tema vastamente predominante nessas negociações).
Amorim respondeu: "O centro da rodada é agricultura".
Mas o fracasso de Potsdam
começou mesmo a nascer no
jantar de quarta-feira, em um
restaurante de nome simbólico
para o que aconteceria no dia
seguinte: "Il Teatro".
Foi no jantar que europeus e
americanos, conforme a descrição de Amorim, começaram
a cobrar concessões em bens
industriais. Crivaram o chanceler de perguntas e anotavam
tudo. "Foi uma conversa muito
dura", avaliou Amorim.
Na manhã seguinte, a de ontem, até que se avançou em alguns aspectos. Fechou-se, por
exemplo, o capítulo relativo à
ajuda alimentar, que cai no âmbito de subsídio à exportação
de bens agrícolas e é muito praticado pelos Estados Unidos.
"É um tema muito sensível",
diria depois Mike Johanns, o
secretário de Agricultura dos
Estados Unidos.
Quando a sessão matinal caminhava para o fecho, Mandelson fez um resumo que, para
Amorim, soou como preparação para "um pouso suave do
fracasso", o que ele fez questão
de dizer ao próprio Mandelson.
O comissário europeu tem
sua própria versão: "Uma sessão plenária tinha sido anunciada [para 14h, 9h em Brasília], mas duas das quatro partes
convocaram uma entrevista
coletiva para pouco depois do
início".
Troca de acusações à parte,
deu-se o que Amorim batizou
de Cancún-ato 2, alusão à reunião ministerial da Organização Mundial do Comércio nesse balneário mexicano em
2003, na qual EUA e UE entraram com posições comuns e
saíram com um rotundo fiasco.
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