São Paulo, domingo, 22 de junho de 2008

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Consumidor tenta escapar de "armadilha" do crédito

Dinheiro fácil pode acabar em pesadelo para quem contrai várias prestações

Depois da euforia das compras, consumidores relatam desde pressão de empresas de cobrança até a perda da auto-estima


Filipe Redondo/Folha imagem
Dorabela Miranda, 47, tem hoje 60% do seu salário comprometido para pagar dívidas com crédito

PAULO DE ARAUJO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A expansão do crédito estimula a economia, mas ao mesmo tempo leva os consumidores a um beco sem saída. Após a gastança incentivada pelo crédito farto, muitos se vêem atolados em dívidas e acabam vivendo um pesadelo. A pressão das empresas de cobrança, a baixa auto-estima e até mal-estar físico fazem parte do relato dos endividados.
É o caso do analista de sistemas Gilberto Lima, 33. Há aproximadamente dois anos, ele vivia em plena euforia. Os bancos pareceram mais generosos e ampliaram o limite do cheque especial. O dinheiro disponível chegava a mais de dez vezes o seu salário. O carro zero dava para pagar em 60 meses. E assim ele passou a consumir "mais e mais".
A felicidade durou pouco e custou caro. Hoje, Lima acumula uma dívida de cerca de R$ 40 mil, mais de 15 vezes a sua renda mensal. Deve para dois bancos, uma financeira e uma rede de eletrodomésticos.
Lima diz que acabou iludido pelo dinheiro fácil e, quando parou para pensar, já estava "enrolado". Para ele, trata-se de um sistema "perverso".
"Eu sempre fui bom pagador. Mas eles te dão um monte de facilidades. É uma coisa que vicia. Você compra um carro legal, isso dá status. E a auto-estima vai lá para cima", diz.
Quando chegou a hora da verdade e veio a vez de pagar a conta, a situação toda se inverteu. Segundo Lima, o carro, um Corsa adquirido em 60 parcelas, foi sua primeira perda. Teve de entregá-lo após ficar devendo três prestações. Ele afirma que já tinha pago R$ 10 mil.
Depois, começou o assédio das empresas de cobrança, com "toda a pressão psicológica". Lima afirma que ainda levará cinco anos para conseguir se livrar da dívida. Até lá, terá de viver como tem vivido: "Não sei mais o que é me divertir. Minha vida agora é trabalho, casa e casa, trabalho", afirma.
Dorabela Miranda, 47, tem uma história parecida. Entrou na ciranda do crédito e aproveitou para comprar casa, carro, móveis para decoração e TV de 29 polegadas. Para pagar uma prestação, contraía dívida com o banco. E depois tomava mais dinheiro emprestado para cobrir o rombo na conta. Hoje, 60% do seu salário está comprometido.
"Crédito é uma armadilha, deixa a gente deslumbrada. Agora, estou numa gelada. A pressão é tanta que às vezes me sinto até meio doente", conta. Miranda teve de cortar muitas das coisas de que gostava : TV a cabo, curso de graduação em gestão de negócios, academia. Despesas, agora, só com o estritamente necessário.
Em comum, Lima e Miranda têm, além de suas dívidas, as visitas freqüentes ao site www.endividado.com.br, que trata do direito do consumidor.

Portas abertas
Mesmo com uma renda familiar mensal de R$ 13 mil, a jornalista e artista plástica brasiliense Gabriela de Souza assumiu cinco financiamentos diferentes: imobiliário, de veículo, crédito consignado e duas linhas de crédito pessoal.
Com o que ganha, ela consegue pagar todas as dívidas e faz questão de mantê-las em dia. Mas fica no vermelho com freqüência. Na semana passada, o saldo de duas contas estava negativo em R$ 7.000, pelos quais pagará juros de 152% ao ano.
Mesmo com tantos financiamentos, ela acredita que as portas dos bancos e financeiras de lojas continuam abertas. "Se eu quiser comprar uma TV de plasma, vou à Casas Bahia com meu contracheque. Tenho certeza que consigo", afirmou.

Ojeriza ao crédito
Na contramão da onda consumista está o administrador de empresas Douglas Benteo, 54. Tinha crédito farto quando era empresário do ramo de alimentos e bebidas. Mas a empresa acabou falindo, e os bancos lhe viraram as costas. Hoje, ele compra tudo à vista.
"Eu não me iludo com esse consumo louco, isso desestrutura as famílias. Esse sorriso todo, com máquina fotográfica, TV digital, celular, tudo a prazo, vai provocar uma quebradeira geral. Vamos ver o reverso da medalha", afirma.


Colaborou a Sucursal de Brasília


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