São Paulo, segunda-feira, 22 de junho de 2009

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Recessão do crédito persiste para as pequenas empresas

Pesquisa aponta que 63% das micro e pequenas ainda são afetadas pela crise

Queda na demanda e dificuldade para conseguir empréstimo são principais problemas; impacto é maior na indústria e no agronegócio


CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Quatro em cada dez micro e pequenas empresas do país reclamam que ainda não há melhora na oferta de crédito oferecido pelos bancos, apesar das várias medidas anunciadas pelos governos federal e estaduais para incrementar os financiamentos e aliviar o caixa dos empreendimentos, atingidos pela crise financeira mundial.
É o que mostra levantamento feito, a pedido da Folha, pelo Sebrae-SP com 4.200 micro e pequenas empresas (MPEs) de todos os Estados e distribuídas pela indústria, pelo comércio e pelo setor de serviços. A pesquisa, feita entre 16 de março e 15 de maio, é a primeira de âmbito nacional com o objetivo de avaliar os reflexos da crise nesse segmento empresarial.
A crise não apenas afetou, mas ainda afeta os negócios de 63% dessas empresas. Queda na demanda e dificuldade para obter crédito -que, além de mais disputado, passou a ser mais caro- são os principais impactos sentidos pelas MPEs.
Os efeitos são piores para empresas do setor industrial e do agronegócio, cujas atividades são mais voltadas para exportação. Ou naquelas que fabricam produtos para o mercado interno com alto valor unitário e que dependem da concessão de crédito para vender ao consumidor -caso de eletroeletrônicos e móveis.
Entre os empresários do comércio e dos serviços, setores mais dependentes da renda do consumidor, os impactos são menores. Nesse caso, a queda da demanda ocorre porque o consumidor teme a incerteza da economia e, por isso, adia as compras de longo prazo.
Enquanto 42% das empresas reclamam que persiste a dificuldade para conseguir empréstimos, 28% nem sequer sabem responder a questão. Só 30% notaram melhora.
Em setembro do ano passado, antes de as turbulências internacionais afetarem o Brasil, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, um dos poucos canais das empresas para conseguirem empréstimos com juros menores e prazos maiores) havia emprestado R$ 1,159 bilhão às micro e pequenas que buscaram financiamento nas linhas de crédito disponíveis para esse segmento. Esse valor representava 14,3% do total emprestado para empresas de todos os portes, ou R$ 8,128 bilhões.
Em abril deste ano, o segmento das MPEs conseguiu financiamentos que, somados, chegaram a R$ 818 milhões -10,6% do total emprestado pelo BNDES a todas as empresas (R$ 7,721 bilhões). O valor emprestado é 30% menor do que o de setembro de 2008.
"O problema do crédito continua presente. Burocracia, exigências exageradas para que a empresa dê garantias reais de que vai cumprir as regras do empréstimo e desinformação ainda são problemas constantes no dia a dia desse perfil de empreendedor. Com a crise, as exigências se acentuam", diz Ricardo Tortorella, diretor-superintendente do Sebrae-SP.

Desinformação
Tatiana Tichauer, proprietária da Doctor Clean, indústria de produtos antissépticos, diz que a expansão da empresa e a contratação de mais empregados esbarram no jogo de empurra-empurra e desinformação dos próprios bancos.
"Com a questão da gripe suína, as nossas vendas aumentaram. Preciso de empréstimo para promover ações em pontos de venda e não tenho conseguido crédito para capital de giro. Não quero comprar máquinas, como oferecem algumas poucas linhas existentes."
A empresária passou os últimos 60 dias esperando uma resposta de um banco que a havia informado, equivocadamente, de que conseguiria o financiamento no BNDES. "Agora, a informação é outra. A linha que buscava não existe."
A justificativa do setor financeiro para aumentar as exigências e selecionar ainda mais os clientes é o risco de inadimplência -que, segundo dados do Banco Central, cresceu tanto para pessoas físicas como para empresas. Em abril, os calotes representavam 5,2% dos empréstimos comerciais (crédito pessoal, cheque especial e empréstimos de capital de giro às empresas). O nível foi o mais alto desde outubro de 2000.

Erros e acertos
Para Fábio Pina, economista da Fecomercio SP, o governo acerta ao forçar os bancos públicos a baixar os juros para empréstimos a empresas e a fomentar a criação de fundos para estimular a ampliação dos financiamentos, mas o maior problema é a demora na implementação das medidas. "Até os recursos, que estão mais escassos, caros e disputados, chegarem à praça demora muito."
Há duas semanas, o governo editou medida provisória que libera R$ 4 bilhões da União para criar dois fundos que visam garantir operações de crédito para micro, pequenas e médias empresas e para trabalhadores autônomos. A expectativa é dar cobertura para que R$ 48 bilhões sejam concedidos em empréstimos a partir de julho.
O governo pretende, com a medida, estimular o mercado financeiro a voltar a emprestar para as pequenas e a reduzir o "spread" (diferença entre os juros pagos pelos bancos ao captar recursos no mercado e a taxa cobrada dos clientes) nos financiamentos às empresas.
"O "spread" foi reduzido para crédito consignado, financiamento de automóveis e grandes empresas, mas não para as médias e pequenas", afirma Milton Bógus, diretor titular do Departamento da Micro, Pequena e Média Indústria da Fiesp (federação das indústrias paulistas). "Quando a taxa Selic cai um ponto percentual, os juros para linhas de capital de giro baixam de 32,7% para 32,5% ao ano. Ou seja, nada."
A falta de crédito pode até afetar o abastecimento, segundo avalia, em alguns segmentos que se beneficiam do consumo direto, caso de alimentos, confecções e calçados. "Em junho, notamos melhora gradativa no emprego e na demanda. Mas, sem crédito, as empresas não conseguem capital para comprar matéria-prima e fazer a produção girar. Se a demanda não é atendida, o abastecimento pode ser prejudicado."

Expectativa
A disponibilidade do crédito só deve melhorar, na avaliação de Fabio Silveira, economista da RC Consultores, a partir do último trimestre deste ano. "Mas isso deve ocorrer apenas se não houver novas turbulências externas, o que não está totalmente descartado."
Para o Sebrae-SP, as expectativas para o segundo semestre são positivas. "Quase metade dos entrevistados prevê que o faturamento vai aumentar, o que é até esperado, já que deve ocorrer a reposição das perdas. E 66% acreditam que o nível de emprego deva se manter. O empresário já vê mais que uma luz no fim do túnel, começa a soltar o freio", diz Tortorella.


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