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São Paulo, terça-feira, 22 de julho de 2003

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Sem cláusula, comissário europeu vê explosão de ações entre países

DA REPORTAGEM LOCAL

O tom do discurso do comissário da União Européia para a Agricultura, Franz Fischler, 57, sinaliza que as negociações da reunião ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio) em Cancún vão ter dois nós.
O primeiro: a discussão sobre a redução de subsídios. "Nem todos os subsídios agrícolas são ruins e não há como eliminar toda a ajuda que concedemos aos produtores europeus", disse.
O segundo: a questão da prorrogação da Cláusula da Paz. "Se a Cláusula da Paz não for prorrogada, vamos assistir a uma explosão do número de contenciosos entre os países-membros da OMC".
O pedido brasileiro- ao lado da Tailândia e da Austrália- para a abertura de painel (comitê de arbitragem) na OMC contra os subsídios europeus ao açúcar também dão uma mostra do campo de batalha que será Cancún.
Ontem, a União Européia exerceu o direito de bloquear a abertura de painel. Para Fischler, esse contencioso reflete uma ação extrema e prejudicial para os países ACP (África, Caribe e Pacífico), que são extremamente dependentes da renda das exportações de açúcar.
Roberto Rodrigues, ministro da Agricultura, rebate: "Defender os interesses do Brasil e pleitear redução de subsídios não é ação extrema".
A seguir, a entrevista concedida por Fischler à Folha. (CC)

Folha - Quais as perspectivas do sr. com relação à rodada interministerial em Cancún, em setembro? O sr. se considera otimista?
Franz Fischler -
Sou realista. Sei que as negociações serão muito duras porque há interesses muitos diferentes em jogo. Não vai haver consenso, a não ser que os países em desenvolvimento -especialmente os mais pobres, que dependem de cotas preferenciais- sintam que há propostas que os beneficiem.

Folha - Quais seriam os principais entraves ao avanço das negociações em Cancún?
Fischler -
A União Européia já avançou bastante na questão de subsídios com a reforma da PAC [política agrícola da UE] e isso vai refletir em Cancún. Fizemos um grande esforço para eliminar as práticas que distorcem o comércio. A dificuldade será conciliar posições extremas. No caso do Grupo de Cairns [18 países grandes produtores e exportadores agrícolas, entre eles o Brasil], há a ênfase na redução total dos subsídios e a luta por maior acesso a mercados. Só que nem todos os subsídios agrícolas são ruins e não há como eliminar toda a ajuda que concedemos aos produtores europeus. Quanto ao acesso a mercados, a UE hoje já e o maior importador de produtos agrícolas e o principal importador de alimentos dos países em desenvolvimento e dos LDCs [sigla em inglês para designar os países menos desenvolvidos]. No caso dos EUA, o problema é que eles querem interferir, opinar e solicitar que nós, da UE, façamos reformas profundas nos subsídios, coisa que já fizemos, mas eles não querem modificar suas regras sobre a questão. Na minha avaliação, a UE tem uma posição intermediária. Temos um compromisso com o avanço das negociações, mas todos os países -especialmente os desenvolvidos- têm de se comprometer com as mudanças.

Folha - No Brasil, alguns setores têm a percepção de que as negociações entre o Mercosul e a União Européia nos temas agrícolas poderiam caminhar mais rápido que aquelas na OMC. Como o sr. vê isso?
Fischler -
São duas negociações diferentes, com objetivos diferentes. Na OMC, temos questões mais abrangentes, que tratam de estabelecer regras e negociar modalidades. Já com o Mercosul há discussões mais pontuais, como a diminuição de tarifas. Ambas são importantes e podem correr paralelamente. No final de agosto, haverá um encontro entre os representantes dos dois blocos, mas não dá para prever o andamento dessas negociações. Neste momento, temos que dar importância às negociações no âmbito bilateral. Um fracasso em Cancún poderia ter consequências desastrosas para o comércio mundial.

Folha - O término da Cláusula da Paz no final de 2003 também pode contribuir para acirrar as tensões no comércio internacional. A UE defende a prorrogação da cláusula?
Fischler -
A UE não postulou nenhum pedido de prorrogação da cláusula. Porém acreditamos que se a cláusula da paz não for prorrogada, vamos assistir a uma explosão do número de contenciosos entre os países-membros da OMC. Esse cenário ainda pode ser agravado se as negociações em Cancún falharem. A nossa posição é negociar com os membros da OMC e procurar estabelecer as bases para uma nova Cláusula da Paz entre todos. Ela é um instrumento importante. Um aumento do número de "panels" [comitês de arbitragem] entre os países-membros só tende a prejudicar o comércio internacional e a emperrar a agenda da OMC.


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