São Paulo, domingo, 22 de julho de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Apesar da queda do dólar, americanos elevam idas à Europa

Em 12 meses, moeda caiu 8,9% ante o euro, mas turistas mantêm planos de passar férias do outro lado do Atlântico

Norte-americanos gastaram US$ 3,8 bi em serviços ligados a viagens na Europa no 1º tri, 5,5% a mais do que em 2006

MARK LANDLER
DO "NEW YORK TIMES", EM HEIDELBERG

Um dia depois que Michael Kingsley chegou à romântica cidade universitária de Heidelberg (Alemanha), descobriu que não estava no pique necessário para desfrutar das ruas calçadas com pedras, das casas de madeira com janelas enfeitadas por flores e nem mesmo do castelo sobre a colina.
Kingsley havia esquecido a bateria e o carregador de sua câmera em um hotel em Londres e sabia que, em sua condição de turista, comprar substitutos por aqui doeria em seu bolso. O prejuízo? US$ 143. Em sua cidade, Falls Church, nos EUA, ele diz, o custo não teria excedido os US$ 100.
Para os americanos em visita à Europa nas férias de verão, a queda acentuada do dólar ante o euro e a libra esterlina transformou preços assustadores em parte inevitável da rotina turística -a diária do hotel em que os Kinsgley se hospedaram em Londres era de US$ 500; cinco bombons minúsculos da Harrod's custavam US$ 10.
"Não tem problema", disse Kingsley, 59, com um riso resignado. "Só terei de trabalhar alguns anos a mais para pagar por essas férias." Sua mulher, Laura, fez o que pôde para reconfortá-lo: "É dinheiro de brinquedo", disse.
Passados cinco verões desde o início do longo declínio do dólar, os americanos já se acostumaram a cafés de US$ 5 e contas de três dígitos no restaurante. Mas a mais recente queda do dólar, a US$ 0,72 diante do euro e a US$ 2,01 diante da libra, transformou o que era um simples choque em uma forma peculiar de assombro turístico.
Para Kaelon Kroft, da Califórnia, a maior causa de espanto foi o preço da Coca-Cola, em Paris. "Acabamos de pagar 9,50 por uma lata em um café. No nosso hotel, o bar servia um copo de Coca por 4." "Isso é mais de US$ 5", disse sua mulher, Kristi. Na verdade, o preço é pouco mais de US$ 5,50.

Danos
Os Kroft e os Kingsley tiveram de encurtar suas férias na Europa a fim de limitar os danos causados pelo aperto no câmbio. Mas não consideraram seriamente a hipótese de cancelar as férias e seu otimismo e determinação de aproveitar ao máximo as oportunidades foram ecoados em muitas entrevistas com turistas norte-americanos, da Irlanda à Itália.
A tendência também é refletida pelas estatísticas de turismo de França, Alemanha, Espanha e outros países, segundo as quais o número de americanos na Europa cresceu neste ano, apesar da erosão no valor do dólar. Os especialistas dizem que isso atesta a persistência e a crescente afluência dos turistas norte-americanos, e o atrativo permanente da Europa como destino turístico.
"Os norte-americanos que visitam a Europa tendem a ter nível mais elevado de educação e renda mais alta, de modo que o câmbio os afeta menos", disse Joachim Scholz, do conselho de turismo alemão. "Mesmo os mochileiros têm mais dinheiro do que no passado, se você considerar o preço dos albergues."
Os americanos gastaram US$ 3,8 bilhões em serviços ligados a viagens na Europa no primeiro trimestre deste ano, 5,5% acima dos mesmos meses do ano passado. Em 2006, eles adquiriram US$ 22,8 bilhões em serviços ligados a viagens, quase 10% a mais do que em 2002, quando dólar e euro estavam próximos da paridade.
Isso deve representar alívio para os empresários de hotelaria e restaurantes europeus, já que muitos especialistas em câmbio dizem que a moeda americana ainda não caiu tudo o que deve cair ante o euro.

Do outro lado
Do outro lado do Atlântico, o dólar fraco encorajou um boom de turismo europeu nos EUA. E as mudanças no câmbio estimulam inversão no fluxo de comércio, com as exportações americanas ganhando força apesar das queixas cada vez mais insistentes dos europeus quanto ao prejuízo que o dólar barato vem causando à competitividade de sua indústria.
Nos últimos 12 meses, o dólar caiu 8,9% diante do euro e 9,9% diante da libra esterlina. Mas a erosão se tornou mais dramática nas últimas semanas, depois que muitos americanos já haviam reservado suas viagens à Europa. Ainda assim, a maioria deles parece ter decidido manter o plano de férias.
"Muitos norte-americanos adquirem seus pacotes nos EUA e os pagam em dólares, de modo que nem percebem a diferença", disse Thierry Baudier, presidente do conselho nacional de turismo francês. "Quando eles chegam, é tarde demais para reconsiderar."
Mark Trotter, professor na Califórnia, está conduzindo 27 de seus alunos em uma excursão por Madri e Barcelona e disse que se sentiu alarmado com a queda do dólar nas duas últimas semanas. Mas ninguém desistiu da viagem -de fato, o grupo atual é o maior que ele já conduziu à Europa.
"Lembro que fiz essa viagem por US$ 2,1 mil ainda em 2003", contou Trotter. "Neste ano, custou US$ 2,8 mil. Mas, para ser sincero, os pais não hesitam por um segundo."

Ajustes
É certo que os turistas estão fazendo alguns ajustes em seus itinerários e em seus hábitos de consumo. Paris cada vez mais se torna destino de viagens de final de semana. Os Kroft decidiram não prolongar sua estadia lá, ao contrário do que planejavam, devido ao custo. Em 2008, a família de quatro pessoas provavelmente optará pelo Havaí ou pelas ilhas Virgens, onde o dólar é moeda corrente.
O aperto que a queda do câmbio causa é mais doloroso para os americanos que vivem na Europa, mas têm salários em dólar. Eles sofrem erosão na renda real que, em certos casos, não é compensada integralmente por seus empregadores.
Jennifer Aquino, que vive em Madri, disse que sente o aperto quando faz compras para a casa, paga aluguel ou sai para jantar. "É assustador. Isso me fez pensar duas vezes sobre minha decisão de construir uma vida na Europa." Para alguns, porém, há até a sensação de que a reversão é justa. Linda Miller, de Honolulu, visita freqüentemente a Europa. "Nós sempre acreditamos que os EUA estavam levando alguma vantagem indevida", diz, relembrando como ela e o marido, Stephen, haviam vivido com conforto em viagens passadas à Europa.


Tradução de PAULO MIGLIACCI


Texto Anterior: HSBC diz que segue norma internacional
Próximo Texto: Euro valorizado
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.