São Paulo, quarta-feira, 22 de julho de 2009

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ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Só resta tocar um tango argentino


A exportação brasileira para a Argentina segue muito de perto o desempenho da importação total do vizinho

NA MINHA última coluna, fiz uma breve menção à queda das exportações brasileiras para a Argentina como um dos fatores que pioraram o desempenho da indústria nacional a partir do final do ano passado. Parece inusitado, pois, mesmo sendo a Argentina um dos principais parceiros comerciais do país, esse mercado representou pouco menos de 9% do total exportado pelo Brasil no ano passado. No entanto, um exame mais detalhado mostra resultados interessantes.
Com efeito, se podemos descrever o Brasil, quando olhamos o conjunto de nossas vendas externas, essencialmente como um exportador de commodities, no caso do comércio com a Argentina em particular (e América Latina em geral) essa descrição certamente não se aplica. Enquanto manufaturas representam, em média, algo como 45% das exportações brasileiras, no caso das exportações para a Argentina elas representam mais de 90% do total, correspondendo a quase 20% das exportações desses produtos.
E não falamos aqui de qualquer produto manufaturado. Pela nossa classificação de comércio exterior, esse rótulo se aplica a produtos que vão de suco de laranja a aviões. Em se tratando das exportações para a Argentina, porém, o predomínio é de produtos como automóveis, celulares, autopeças e máquinas, sofisticados e com cadeias de produção longas e complexas, em contraste acentuado com as exportações brasileiras em geral. Apenas no que se refere a automóveis, mais de metade do valor exportado em 2008 foi destinada a nossos vizinhos.
Isso dito, entre o pico registrado em setembro de 2008 e junho deste ano, as exportações para a Argentina caíram 45%, fenômeno que, à luz dos dados citados, sugere um efeito fortemente negativo sobre a atividade. Usando mais uma vez o exemplo dos automóveis, observamos queda de 44% no valor exportado para aquele país entre janeiro e maio relativamente ao mesmo período do ano passado, o que explica quase dois terços da redução das exportações de automóveis nesse intervalo.
Há quem atribua esse desempenho fortemente negativo ao protecionismo argentino ou mesmo a uma suposta invasão de produtos chineses naquele mercado, mas acredito que a mera inspeção do gráfico sugere uma explicação mais simples e, espero, mais convincente.
Como é mostrado, o comportamento das exportações brasileiras para a Argentina segue muito de perto o desempenho das importações totais argentinas, ou seja, a queda de nossas exportações reflete essencialmente o colapso das importações platinas, que, entre o pico de julho do ano passado e maio deste ano, caíram nada menos que 55%.
Por outro lado, assim como no Brasil, as importações argentinas variam quase que integralmente devido ao desempenho da demanda doméstica. O colapso das importações (e de nossas exportações), portanto, nada mais é que o espelho de uma queda colossal da demanda argentina, sugerindo que a recuperação da indústria brasileira passa também pela reanimação da economia vizinha. Nesse meio-tempo, o negócio é tocar um tango argentino.


ALEXANDRE SCHWARTSMAN , 46, é economista-chefe do Grupo Santander Brasil, doutor em Economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley) e ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central.

Internet: http://www.maovisivel.blogspot.com/

alexandre.schwartsman@hotmail.com


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