São Paulo, quarta-feira, 22 de agosto de 2001

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LUÍS NASSIF

Paulino e a Eletrobrás

A propósito da coluna "O avô da crise energética" -que atribuía parte da crise energética à decisão do ex-presidente Itamar Franco de proibir reajuste de tarifas elétricas em período inflacionário-, recebo correspondência intrigante do ministro de Minas e Energia da época, Paulino Cícero. Intrigante porque, a pretexto de rebater o que escrevi, Paulino confirma integralmente tudo o que publiquei.
O que se disse aqui na coluna? 1) Que Itamar Franco havia impedido reajuste tarifário, o que deixou a Eletrobrás apertada; 2) que o então presidente da companhia, José Luiz Alqueres, e o então ministro de Minas e Energia, Paulino Cícero, montaram uma operação ruinosa de venda de parte do capital da empresa.
Antes disso, trabalhando no BNDES como diretor, Alqueres pretendera vender ações ordinárias da companhia, que o banco tinha em carteira. Alertei que se corria o risco de repetir o que aconteceu com a Telebrás, que teve ações vendidas a preço de banana, antes da privatização.
Alqueres me procurou e informou que haveria uma série de eventos que aumentariam substancialmente o valor da Eletrobrás. Segundo ele, a intenção do BNDES era dar alguma liquidez ao papel para valorizar a sua carteira, quando os eventos ocorressem.
Pouco tempo depois Alqueres saiu do BNDES e assumiu a presidência da Eletrobrás, com Paulino como seu chefe imediato. Anunciou-se, então, não uma pequena venda de papéis da Eletrobrás, para dar liquidez, mas a venda de 10% do capital da empresa, em condições ruinosas.
O cálculo foi feito tomando-se a média do valor de mercado de abril, sem nenhuma espécie de correção, em um período de inflação elevadíssima, de 30% ao mês. Depois o valor foi congelado por mais 30 dias, até 31 de maio, data do pagamento. Mostrei na época: "Por cerca de US$ 360 milhões permitiu-se a conversão de um patrimônio que, tomando-se por base critérios internacionais, poderia seguramente valer US$ 2,9 bilhões". Mais: "Para efeito de subscrição, as ações ordinárias estavam cotadas a Cr$ 2.400,00. No dia do vencimento do prazo de subscrição, o mercado já pagava Cr$ 5.320,00. Portanto bastaria subscrever o aumento de capital e vender em seguida as ações para lucrar 122% instantaneamente".
O que diz o ex-ministro Paulino? Reclama, primeiro, das críticas feitas ao governo Itamar. Diz que Itamar foi o "salvador" da Eletrobrás, devido ao programa de reestruturação do setor conduzido por Eliseu Rezende. De fato, foi um trabalho essencial para a reestruturação do setor. Justamente porque esse programa promoveria uma valorização das empresas não se poderia queimar capital com vendas antecipadas.
Depois nega que Itamar tenha achatado as tarifas do setor. "(...) Toda essa formidável inadimplência foi gerada pela insuficiência tarifária, que pontuou o governo Collor". No dia 14 de dezembro de 1992 fiz uma coluna sobre os problemas do setor, em cima de uma conversa com o então ministro Paulino Cícero: "As restrições tarifárias impostas pela decisão do presidente da República em atrasar os reajustes (...) obrigarão o setor a correr mais depressa na busca da verdade tarifária e da redução de custos das estatais", declarou Paulino. Ora, o presidente era Itamar Franco. O achatamento tarifário que promoveu na época é fato público e notório.
Quanto à operação em si, o que diz Paulino? Que "a gestão patrimonial do governo federal é feita pela Secretaria do Tesouro, que é do Ministério da Fazenda, e não do Ministério de Minas e Energia".
Trata-se de um solene sofisma. Quando a operação aconteceu, cobrei uma posição do presidente da República e ele incumbiu Paulino e Alqueres de dar as explicações. Eles tinham a prerrogativa de definir os preços. A explicação de Alqueres -dada na presença de Paulino- foi que relatório do Banco de Boston mostrava baixas perspectivas para o setor. Disse-lhe que a alegação não tinha pé nem cabeça, posto que o analista máximo do setor era ele próprio, presidente da Eletrobrás, que poucos meses antes me informara sobre mudanças estruturais que valorizariam todo o setor -o que de fato acabou ocorrendo.
Sua segunda alegação, então, foi que, com a compressão tarifária decretada por Itamar Franco, a estatal não tinha dinheiro sequer para comprar papel. E que, por isso, a operação teria se tornado inevitável. Tudo isso está registrado nas colunas da época.


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