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OPINIÃO ECONÔMICA
Um gosto de vitória!
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
A decisão do Copom de reduzir em 2,5 pontos percentuais a taxa Selic deve ser recebida com alívio por todos nós. Ela
marca o fim de um período em
que a análise econômica inteligente foi substituída por um experimentalismo estatístico que custou muito caro ao Brasil. Foram
alguns bilhões de reais em juros
pagos, sem necessidade, pelo Tesouro e pelos devedores privados,
além de uma perda expressiva de
renda para milhões de trabalhadores.
Desta vez o Banco Central deixou de lado seu modelo econométrico de previsão de inflação, a
caixa-preta que orientou o andamento da política monetária nos
últimos meses, e rendeu-se aos sinais vitais que os mercados de
bens e serviços e de trabalho vinham emitindo havia vários meses. Passamos a viver novamente
em uma economia em que o fenômeno econômico volta a prevalecer.
A grande imprensa não vai levar à opinião pública essa mudança de comportamento, por ser
ela sutil, de difícil compreensão e
politicamente inadequada. Mas é
fundamental, a fim de caminharmos para a frente, que essa reflexão seja feita. Não podemos mais
voltar a incorrer nesse erro de
brincar de laboratório de universidade.
Durante mais de cinco meses,
um grupo de economistas manteve uma verdadeira batalha na
opinião pública na defesa de uma
política monetária que fosse pautada pelo acompanhamento estrutural da inflação que nos atingia, e não apenas guiada por números que saíam de uma equação
matemática. Fomos chamados de
atrasados, e um leitor da Folha
chegou até a sugerir que eu voltasse aos bancos de uma escola de
economia.
Quando argumentamos que os
juros reais -em razão da queda
acentuada do núcleo dos índices
de inflação- estavam sendo elevados nas reuniões do Copom,
obtivemos do presidente do Banco Central a resposta segundo a
qual a instituição não tinha como
controlar o juro real operado na
economia. Sua observação não
respondia à nossa argumentação
na medida em que pedíamos apenas que o juro real fosse um dos
fatores a serem considerados nas
decisões sobre a Selic, um preço
nominal sob total controle discricionário do Banco Central. Essa
técnica de responder a uma pergunta feita com argumentos de
outra que não foi feita é conhecida de todos nós.
Quando observamos que estava
ocorrendo uma redução acentuada do poder de compra dos salários e que os trabalhadores estavam trocando emprego por menor remuneração de seu trabalho,
o BC respondeu que estava havendo uma inércia inflacionária,
em razão dos dissídios coletivos,
que repunham a inflação passada. Nem mesmo as estatísticas
publicadas pelo IBGE que mostravam uma queda expressiva do
salário real da economia foram
suficientes para abrir os olhos dos
sábios econométricos que operavam o modelo de previsão de inflação daquela instituição.
Quando criticávamos o sistema
de médias aparadas como forma
adequada para medir o núcleo da
inflação e defendíamos o uso do
núcleo por exclusão, éramos chamados de velhos e retrógrados,
apesar de ser essa a metodologia
usada pelos principais bancos
centrais do mundo desenvolvido.
Finalmente, quando afirmamos, ainda em maio, que a inflação já estava sob controle e que
por isso o Copom deveria promover uma redução mais agressiva
de juros, fomos acusados de pedir
ao Banco Central que jogasse dados para decidir os caminhos da
política monetária.
Com o correr do tempo e a queda continuada da inflação -chegamos até a índices negativos-,
o Banco Central e seus defensores
passaram a abandonar os valores-chave de sua política monetária que vinha sendo operada. Primeiro foi a absurda meta de inflação de 8,5% para o ano civil de
2003; depois a teoria da inércia
inflacionária; em seguida o sistema de médias aparadas; o item
seguinte a desaparecer das minutas das reuniões do Copom foi o
tal modelo econométrico miraculoso; finalmente -pasme-se o
meu leitor- a palavra juro real
começou a visitar os textos dos
departamentos econômicos das
principais instituições financeiras
e as falas dos diretores do BC. Todo esse movimento "feito à francesa", como se diz.
Com a decisão da última quarta-feira, voltamos, como disse no
início deste nosso encontro, a falar todos a mesma linguagem.
Durante estes últimos oito meses
de terapia recessiva intensa, nossa economia deu provas de flexibilidade e racionalidade impressionantes. Sugiro que os professores de economia usem o período
como um caso prático para suas
aulas.
A vitória sobre a inflação teria
sido conseguida a um custo social
e econômico muito menor se o
Banco Central tivesse tomado o
rumo que eu e meus companheiros de caminho sugerimos ao longo de muitos meses. Mas, como
essa cobrança será esquecida, outros erros semelhantes serão ainda cometidos pela equipe do ministro Palocci.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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