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São Paulo, sexta-feira, 22 de agosto de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Um gosto de vitória!

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

A decisão do Copom de reduzir em 2,5 pontos percentuais a taxa Selic deve ser recebida com alívio por todos nós. Ela marca o fim de um período em que a análise econômica inteligente foi substituída por um experimentalismo estatístico que custou muito caro ao Brasil. Foram alguns bilhões de reais em juros pagos, sem necessidade, pelo Tesouro e pelos devedores privados, além de uma perda expressiva de renda para milhões de trabalhadores.
Desta vez o Banco Central deixou de lado seu modelo econométrico de previsão de inflação, a caixa-preta que orientou o andamento da política monetária nos últimos meses, e rendeu-se aos sinais vitais que os mercados de bens e serviços e de trabalho vinham emitindo havia vários meses. Passamos a viver novamente em uma economia em que o fenômeno econômico volta a prevalecer.
A grande imprensa não vai levar à opinião pública essa mudança de comportamento, por ser ela sutil, de difícil compreensão e politicamente inadequada. Mas é fundamental, a fim de caminharmos para a frente, que essa reflexão seja feita. Não podemos mais voltar a incorrer nesse erro de brincar de laboratório de universidade.
Durante mais de cinco meses, um grupo de economistas manteve uma verdadeira batalha na opinião pública na defesa de uma política monetária que fosse pautada pelo acompanhamento estrutural da inflação que nos atingia, e não apenas guiada por números que saíam de uma equação matemática. Fomos chamados de atrasados, e um leitor da Folha chegou até a sugerir que eu voltasse aos bancos de uma escola de economia.
Quando argumentamos que os juros reais -em razão da queda acentuada do núcleo dos índices de inflação- estavam sendo elevados nas reuniões do Copom, obtivemos do presidente do Banco Central a resposta segundo a qual a instituição não tinha como controlar o juro real operado na economia. Sua observação não respondia à nossa argumentação na medida em que pedíamos apenas que o juro real fosse um dos fatores a serem considerados nas decisões sobre a Selic, um preço nominal sob total controle discricionário do Banco Central. Essa técnica de responder a uma pergunta feita com argumentos de outra que não foi feita é conhecida de todos nós.
Quando observamos que estava ocorrendo uma redução acentuada do poder de compra dos salários e que os trabalhadores estavam trocando emprego por menor remuneração de seu trabalho, o BC respondeu que estava havendo uma inércia inflacionária, em razão dos dissídios coletivos, que repunham a inflação passada. Nem mesmo as estatísticas publicadas pelo IBGE que mostravam uma queda expressiva do salário real da economia foram suficientes para abrir os olhos dos sábios econométricos que operavam o modelo de previsão de inflação daquela instituição.
Quando criticávamos o sistema de médias aparadas como forma adequada para medir o núcleo da inflação e defendíamos o uso do núcleo por exclusão, éramos chamados de velhos e retrógrados, apesar de ser essa a metodologia usada pelos principais bancos centrais do mundo desenvolvido.
Finalmente, quando afirmamos, ainda em maio, que a inflação já estava sob controle e que por isso o Copom deveria promover uma redução mais agressiva de juros, fomos acusados de pedir ao Banco Central que jogasse dados para decidir os caminhos da política monetária.
Com o correr do tempo e a queda continuada da inflação -chegamos até a índices negativos-, o Banco Central e seus defensores passaram a abandonar os valores-chave de sua política monetária que vinha sendo operada. Primeiro foi a absurda meta de inflação de 8,5% para o ano civil de 2003; depois a teoria da inércia inflacionária; em seguida o sistema de médias aparadas; o item seguinte a desaparecer das minutas das reuniões do Copom foi o tal modelo econométrico miraculoso; finalmente -pasme-se o meu leitor- a palavra juro real começou a visitar os textos dos departamentos econômicos das principais instituições financeiras e as falas dos diretores do BC. Todo esse movimento "feito à francesa", como se diz.
Com a decisão da última quarta-feira, voltamos, como disse no início deste nosso encontro, a falar todos a mesma linguagem. Durante estes últimos oito meses de terapia recessiva intensa, nossa economia deu provas de flexibilidade e racionalidade impressionantes. Sugiro que os professores de economia usem o período como um caso prático para suas aulas.
A vitória sobre a inflação teria sido conseguida a um custo social e econômico muito menor se o Banco Central tivesse tomado o rumo que eu e meus companheiros de caminho sugerimos ao longo de muitos meses. Mas, como essa cobrança será esquecida, outros erros semelhantes serão ainda cometidos pela equipe do ministro Palocci.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 60, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br

E-mail - lcmb2@terra.com.br


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