São Paulo, Quarta-feira, 22 de Setembro de 1999
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LUÍS NASSIF

A ingenuidade política

Ser ingênuo em política é bom ou mau sinal? É preferível o malicioso ao ingênuo, o dissimulado ao de boa-fé? A julgar pelas "denúncias" envolvendo o governador do Espírito Santo, José Ignácio, é mau negócio ser transparente na vida pública.
Ignácio candidatou-se ao governo do Espírito Santo. Eleito, tinha dívida de campanha. Contratou um empréstimo de R$ 3,2 milhões junto ao Banco do Estado do Espírito Santo (Banestes). No vencimento, houve uma operação bancária que permitiu que o empréstimo fosse quitado com doação de campanha, feita por duas empresas especializadas em serviço público. A doação foi registrada no Tribunal Regional Eleitoral, assim como todas as despesas de campanha.
Teria sido simples ao governador evitar o escândalo. Bastaria ter montado a operação com um banco privado ou indicado um "laranja". Em vez disso, decidiu fazer a operação com o banco de seu Estado -do qual era cliente há anos-, seguindo todos os procedimentos de crédito bancário, apresentando garantias e pagando juros de mercado. O empréstimo foi quitado no prazo, trazendo lucro ao banco. Onde está o escândalo? Seguramente no arrombamento do direito constitucional do sigilo bancário. Mas não foi isso o que ocorreu.
Bastou divulgar a operação em forma de escândalo para que tudo parecesse escandaloso. Quando não se identificou nenhuma irregularidade, partiu-se para as chamadas indagações acusatórias: por que duas empresas prestadoras de serviço público contribuiriam para a campanha de José Ignácio? Pelo mesmo motivo que empresas contribuem para as campanhas de FHC, Lula, Ciro Gomes, ACM, Covas, Britto, Garotinho etc. Ou toda contribuição eleitoral é imoral ou não se pode conferir às contribuições para a campanha de José Ignácio uma imoralidade que só é decorrência da maneira escandalosa com que se divulgou o fato.
É o mesmo caso das denúncias do ex-ministro da Justiça Renan Calheiros contra o governador de São Paulo, Mário Covas. Calheiros saiu do governo agastado com Covas. A carta remetida a Fernando Henrique é um conjunto de suposições sobre as razões que teriam levado Covas a criticá-lo publicamente.
É um contra-senso imaginar que o governador que controla o segundo orçamento da República vá patrocinar negócios no governo federal, ficando nas mãos de um ministro de partido contrário. Se tivesse que fazer negociatas, Covas teria feito em seu próprio Estado, com gente da sua confiança.
Tem alguma coisa de podre nesse modo de fazer notícia -que virou padrão internacional.

Língua-de-Trapo
Do notável analista Noel Rosa, sobre a cena pública brasileira atual: "Você me disse que a vizinha disse / que eu sempre disse que você é louca. / Essa vizinha que só faz trancinha / de falar sozinha, vive sempre rouca. / (...) Encontrei ate quem garantisse / que a vizinha disse que eu falei demais. / E esse alguém que fala mal de todo mundo / creio que no fundo não e mau rapaz. / Que bom seria se eu, face a face, / hoje declarasse para a vizinha rouca / que ela deve se chamar Língua-de-Trapo / quanto bate-papo! quanto bate boca!".

Índex
Talvez fosse o caso de montar um antiíndex, que valesse para todos os órgãos de imprensa, para evitar a repetição de erros que já foram retificados, mas permanecem soltos no ar, como ectoplasmas. Exemplos recentes:
* O cirurgião Roberto Pagura não ressuscitou Cláudia Liz ou Osmar Santos. No caso Liz, principalmente, Pagura limitou-se a dar manutenção ao que havia sido feito no primeiro atendimento e a propagandear o que não fez.
* O ex-ministro da Saúde de Collor Alceni Guerra não saiu do governo coberto de acusações. Foi vítima de uma acusação -a compra de bicicletas- que se revelou infundada. Foi absolvido em todas as instâncias.


E-mail: lnassif@uol.com.br



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