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OPINIÃO ECONÔMICA
O PT salvou o Brasil
MARCOS CINTRA
É preciso reconhecer o pragmatismo do presidente Lula.
Seu governo fez o que ninguém,
principalmente os petistas, jamais
esperava que fosse feito. Resgataram o Brasil do desastre quase
certo. Por quanto tempo, ninguém sabe. Mas evitaram a derrocada que, no fim do ano passado, chegou a ser considerada inevitável.
Há exatamente um ano o mundo não apostaria nenhum tostão
furado no futuro da economia
brasileira. No final do ano passado, o dólar explodiu, as Bolsas desabaram, os juros galgaram as alturas, a dívida pública chegou a
63% do PIB, a inflação voltou aos
dois dígitos, o risco Brasil nos
mercados financeiros internacionais atingiu mais de 2.400 pontos,
atrás apenas da Argentina e da
Nigéria. Ninguém investia, os
aplicadores estrangeiros repatriaram seus recursos livres, todos
vendiam, ninguém comprava.
Alguns culpavam a política econômica de FHC e os efeitos do populismo de seu primeiro mandato. Outros atribuíam ao FMI os
males advindos da política de
austeridade que fora exigida após
as duas operações de salvamento
que o organismo coordenou a favor do Brasil, em 1998 e 2002. Outros ainda imputavam a crise ao
discurso do PT, às suas estapafúrdias propostas pré-eleitorais de
governo, e apostavam que seu
comportamento oposicionista irresponsável e oportunista seria
prova segura do tipo de governo
que estaria sendo instalado. Mas
o fato é que, quando a oposição
virou situação, as perspectivas
para a economia brasileira eram
as piores possíveis.
O PT assumiu o governo e rezou
pela cartilha do FMI. Apertou a
política monetária e aprofundou
a contenção fiscal. A inflação medida pelo IPCA caiu de 2,25% em
janeiro para 0,34% em agosto; o
dólar desabou de R$ 3,50 para R$
2,90; o risco Brasil deslizou para
cerca de 600 pontos. O desemprego bateu 13% da PEA, e a taxa de
crescimento estimada pelo mercado mergulhou para menos de
1%. Tudo exatamente como esperado pela receita do PT/FMI.
Hoje a crise é outra. E a discussão também. Apenas nove meses
após a transição de governo o debate que se trava é se o acordo
com o FMI deve ou não ser renovado.
Há diferenças significativas entre o momento atual e as crises do
passado. Pela primeira vez as discussões sobre o FMI não ocorrem
em cenário emergencial de instabilidade monetária ou de crise
nas contas externas. Pelo contrário, houve notável melhoria na
evolução do balanço de pagamentos. A queda nos investimentos diretos ainda não foi recuperada, embora as perspectivas de
retomada do crescimento econômico para os próximos anos indiquem, para breve, provável inversão.
A necessidade de uma política
de austeridade fiscal e de realismo cambial foi amplamente assimilada por todos. Já há uma percepção generalizada acerca da inviabilidade de uma política de expansão da atividade econômica
fora de um ambiente de estabilidade monetária e de equilíbrio
nas contas externas.
Nesse sentido, cabe indagar
qual a razão para a prorrogação
do acordo com o FMI.
No "Memorando Técnico de
Entendimento" assinado entre o
Brasil e o organismo internacional, o principal critério de desempenho, o superávit primário, foi
voluntariamente elevado pelo governo de 3,75% para 4,25% do
PIB e vem sendo cumprido com
folga. Nos primeiros sete meses de
2003 o setor público consolidado
apresentou superávit primário
acumulado de 5,05% do PIB. É
provável, portanto, que política
econômica continue a mesma, e
assim os aportes financeiros de
um novo acordo serviriam apenas para aumentar as reservas internacionais.
Também não há como argumentar que a renovação do acordo implicaria reforço de credibilidade internacional, pois o Brasil
já granjeou respeito de todos os
organismos internacionais. As últimas colocações de títulos do governo nos mercados externos têm
sido feitas com quedas significativas de custos. Entre abril e setembro deste ano a taxa acima dos T-Bills americanos exigida pelos investidores para a compra dos títulos brasileiros caiu de 7,83% para
6,33%.
Até mesmo o diretor-gerente do
FMI, Horst Köhler, já declarou
que o Brasil não necessita de
acordo, e a vice-diretora-gerente,
Anne Krueger, chamou os resultados obtidos de "commendable
policy performance". É razoável
supor que a continuidade dessa
política independeria de qualquer monitoramento internacional. A não-renovação do acordo,
portanto, poderia até reforçar a
sinalização a favor da livre opção
pela responsabilidade fiscal e monetária, sem imposições de terceiros, como afirmou Armínio Fraga.
Há que estar atento ao inevitável crescimento das importações
de equipamentos e matérias-primas que a retomada do crescimento causará. Ademais, apesar
dos sinais positivos emitidos pela
conjuntura internacional, principalmente no Japão, as incertezas
políticas do momento, os focos de
beligerância e a aversão ao risco
que acometeu os investidores internacionais ainda não estão superados. Espera-se, contudo, que
a posição estratégica do país como liderança emergente na economia mundial reforce a disposição dos organismos internacionais em acudir o Brasil na eventualidade de uma crise exógena.
A renovação do acordo com o
FMI não é necessária. É possível
até que um novo acordo seja indesejável, se forem mantidas algumas das descabidas metas de
desempenho incluídas no acordo
de 2002. Alguns dos critérios de
desempenho implicam indevida
interferência em assuntos de política econômica interna, que compete exclusivamente ao governo
decidir, como a retirada da cumulatividade do PIS e da Cofins,
a venda de bancos públicos, a
busca de alternativas de arrecadação para a CPMF e a criação
de fundos de pensão complementares para servidores públicos.
A não-renovação do acordo
ainda poderia facilitar a remoção
de sérios obstáculos para a retomada dos investimentos públicos
por parte de empresas estatais e
de governos estaduais ou municipais. Hoje, empresas públicas com
recursos disponíveis encontram
dificuldades para investir (apenas a Petrobras foi excluída dessas limitações), e o limite do endividamento público estabelecido
em resoluções do Senado, do Banco Central e do Conselho Monetário Nacional impedem por completo a contratação de operações
de crédito por parte de governos
estaduais ou municipais absolutamente saudáveis e capazes de
demonstrar adequada capacidade de pagamento. Nesses casos,
transfere-se à população o sacrifício do ajuste na forma de carência de serviços públicos com elevada taxa de retorno social e econômico.
Recolocar o país na trilha do
crescimento é imperativo econômico e político para o atual governo. Não há mais razões que o impeçam de agir ativamente nessa
direção. A renovação do acordo
com o FMI não parece ser necessária ao prosseguimento da implementação do ajuste econômico, mas poderia implicar algum
desnecessário constrangimento
na retomada dos investimentos
públicos. Melhor seria prosseguirmos sozinhos.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 58, doutor pela Universidade
Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, é secretário das Finanças
de São Bernardo do Campo e autor de "A
verdade sobre o Imposto Único" (LCTE,
2003). Escreve às segundas-feiras, a cada
15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
E-mail -
mcintra@marcoscintra.org
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