São Paulo, quarta-feira, 22 de setembro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Como manter o boom chinês e por que é importante

AUGUSTO LOPEZ-CLAROS

O último ano em que a taxa de crescimento da China esteve abaixo de 7,5% foi 1990. A lógica das taxas de crescimento nos diz que um índice de 7% dobrará o tamanho da economia do país a cada dez anos. Se mantida, isso significa que, dentro de uma década, a China terá ultrapassado a Alemanha como a terceira maior economia do mundo e terá alcançado o Japão até mais ou menos 2020. Essa performance impressionante fez com que a China se tornasse um vetor importante para o crescimento global, uma importante força nos mercados de commodities, o destino mais importante para investimento estrangeiro direto e uma potência emergente no comércio internacional.
O crescimento chinês foi preponderantemente obtido pela demanda interna do país e, por isso, não contribuiu com desequilíbrios do comércio global, que criou no passado inúmeras tensões entre alguns dos principais participantes da economia global. Enquanto as tendências acima contribuíram para aumentar a importância da economia da China -responsável agora por aproximadamente 4% do PIB mundial-, elas também tiraram centenas de milhões de pessoas da pobreza.
No entanto questões importantes ainda devem ser enfrentadas, para que essa performance seja sustentada a longo prazo, entre elas:
1) Infra-estrutura social - Nos últimos anos, a população chinesa tem deixado o campo em direção aos ambientes urbanos. Enquanto em 1980 menos de 20% da população da China morava nas áreas urbanas, essa parcela atingiu 33% em 2000. Na verdade, esses fluxos migratórios internos foram, em grande parte, os responsáveis pelas altas taxas anuais de crescimento do PIB. Essa tendência continuará nos próximos anos e exige um gerenciamento cuidadoso em várias frentes.
Primeiro, as taxas de desemprego chinesas estão aumentando -as estatísticas oficiais excluem milhões de demitidos por empresas estatais no país. Como em outras economias em transição, haverá aumentos passageiros no desemprego, ligados à reestruturação do setor produtivo. Isso exigirá a criação de esquemas de compensação para o desemprego e a criação de redes de segurança para suavizar o impacto desses ajustes. A China também terá de tomar providências em relação a sua população em envelhecimento, por meio do desenvolvimento de sistemas para proteção social, em especial fundos de pensão.
2) Setor bancário - A história mostra que a maior parte das economias em transição, como a chinesa, acaba inevitavelmente enfrentando sérios problemas no setor bancário, há muito dominado pelas instituições financeiras estatais, nas quais a lucratividade depende das relações com o governo e nas quais os bancos não aprenderam a precificar os riscos adequadamente. Ainda há muito a ser feito na China para estabelecer um sistema bancário sólido, bem capitalizado e competitivo, capaz de intermediar recursos financeiros de uma maneira eficiente. Reformas nessa área devem incluir aperfeiçoamento no regime regulatório, melhora nas capacidades de supervisão das autoridades monetárias e modernização da estrutura legal para procedimentos de falência e direitos dos credores.
3) Aterrissagem suave - A China está se aquecendo em demasia? Céticos dizem que não. Entretanto, com o crescimento de crédito alcançando níveis recordes, o consenso mudou de forma notável. A China tem de desaquecer rápida e gradualmente a economia, ao mesmo tempo em que mantém e impulsiona os importantes ganhos passados. Entretanto, medidas de política monetária tradicionais, tais como aumentos nas taxas de juros, não parecem ser o suficiente. A política fiscal deve ser utilizada também, uma vez que desestimula o crescimento da economia. Felizmente, com uma das mais baixas proporções de receita para o PIB no mundo, existe espaço considerável para manobras. Reformas estruturais mais profundas -principalmente aquelas que impulsionam a competição na economia, reduzem barreiras enfrentadas pelos empreendedores começando novos negócios e aumentam a transparência e o ambiente regulatório- ajudarão a fazer a economia chinesa mais flexível e aprimorará sua reposta a mudanças nas políticas.
A China é atualmente um pivô da economia global, crucial para impulsionar o crescimento asiático. Por isso, o gerenciamento de uma aterrissagem suave possivelmente terá repercussões benéficas, não só para a própria China mas também para muitos outros cuja prosperidade depende da performance de seu crescimento.
4) Um parceiro global - Os muitos desafios -sejam eles econômicos ou políticos- exigem uma cooperação internacional sincronizada. A globalização gradualmente corroeu a habilidade de Estados soberanos para lidar independentemente com problemas, fazendo questões serem abordadas de forma internacional. O papel da China nesse processo será primordial em razão de sua enorme população e por estar emergindo como um dos poucos pesos-pesados internacionais da economia.


Augusto Lopez-Claros é economista-chefe e diretor-executivo do Programa de Competitividade Global do Fórum Econômico Mundial.

Hoje, excepcionalmente, a coluna de Antonio Barros de Castro não é publicada.


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