São Paulo, segunda-feira, 22 de setembro de 2008

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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

A crise se aprofunda


Como em 1929, a crise atual é gerada pela especulação de agentes financeiros em busca de maiores ganhos


NA ÚLTIMA semana a crise bancária americana se aprofundou dramaticamente, e já não há mais dúvida de que estamos diante da mais grave crise econômica mundial desde 1929. Como naquela época, estamos diante de uma crise gerada pela especulação de agentes financeiros em busca de maiores ganhos. Como naquela ocasião, os especuladores lograram contornar a regulação bancária existente. Diferentemente do ocorrido nos anos 1930, porém, o governo americano e, mais amplamente, os governos dos países ricos, munidos da teoria macroeconômica keynesiana, revelam competência muito maior em enfrentar e parcialmente anular os efeitos perversos da crise.
A crise financeira de 1929 representou um desmentido flagrante da teoria econômica neoclássica, que foi aos poucos substituída pela macroeconomia keynesiana. Durante os 40 anos seguintes à Grande Depressão, o mundo prosperou apoiado por políticas econômicas competentes. A partir de meados dos anos 1970, porém, teve início a ofensiva ideológica neoliberal que restaurará o domínio da teoria econômica neoclássica e neoliberal nas universidades -teoria desnecessariamente orientada a desmoralizar o Estado e justificar mercados auto-regulados. Os países ricos, porém, não utilizaram as teorias neoliberais que ficaram restritas à universidade e aos países em desenvolvimento.
Nos anos 1980, houve a grande crise da dívida externa que não foi conseqüência de erros da política econômica, mas da oferta de empréstimos irresponsáveis pelos grandes bancos internacionais e do erro dos países em desenvolvimento de aceitá-los. Entretanto, se os formuladores da política monetária dos países ricos não seguiram a teoria econômica neoliberal, o mesmo não se pode dizer de seus bancos.
Eles acreditaram na tese do mercado auto-regulado, rejeitaram a necessária regulação de suas "inovações financeiras" usando os argumentos daquela teoria, e agora estão quebrando. Se essas quebras ficassem limitadas às próprias empresas irresponsáveis, não haveria grande problema. Porém, como levam à crise toda a economia mundial, fica clara a perversidade do problema criado. Nesse quadro, apenas um fato é positivo: a política keynesiana que vem sendo adotada, e, por isso, não há possibilidade de voltarmos aos níveis de queda da renda e de desemprego dos anos 1930.
O Brasil já está sendo atingido pela crise através da queda do preço das commodities, da baixa das ações devido às saídas de capitais e da depreciação do real. Dada a notória apreciação do real, sua depreciação com essas saídas poderia ser bem-vinda. Na última semana, porém, um ataque especulativo interno contra o real, acelerando sua depreciação, mostrou que a economia brasileira voltou a se fragilizar internacionalmente, apesar dos US$ 208 bilhões de reservas.
E obrigou o BC a intervir vendendo dólares. Os especuladores locais puderam vender reais e comprar dólares porque o déficit em conta corrente voltou a se manifestar, uma vez que a liquidez em reais da economia brasileira subiu muito.
Como mostrou Yoshiaki Nakano no Fórum de Economia da FGV, o aumento de reservas dos dois últimos anos, através de compras de dólares pelo BC, não correspondeu ao equivalente aumento da dívida pública, mas ao aumento da quantidade de moeda. Portanto, da mesma forma que as reservas foram construídas através do aumento de liquidez em reais, sua diminuição pode levar à rápida desaparição das reservas internacionais se houver qualquer perda de confiança.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 74, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Macroeconomia da Estagnação:Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
Internet: www.bresserpereira.org.br
lcbresser@uol.com.br


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