São Paulo, segunda-feira, 22 de setembro de 2008

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Economistas questionam eficácia e custo do socorro

A dúvida é saber se plano para assumir créditos ruins terá reflexos para contribuintes

Na avaliação de economistas americanos, risco de os EUA enfrentarem anos de estagnação diminui com ação do governo

PETER S. GOODMAN
DO "NEW YORK TIMES'

Com o governo federal americano interferindo no centro da crise financeira, duas perguntas simples aparecem: Essa intervenção será suficiente para restaurar a ordem? E quanto esse grande gesto custará aos contribuintes?
O Departamento do Tesouro, como supervisor do sistema financeiro, lançou uma série de iniciativas para conter a catástrofe. Assumiu as maiores financiadoras de hipotecas e abriu mão de incontáveis bilhões de dólares dos contribuintes para ajudar outros mutuários endividados. Agora, ao invés de ajudar uma empresa de cada vez, está assumindo uma imensidão de papéis podres num golpe só.
Se o novo plano se concretizar, o medo dos bancos de emprestar seus dólares passará e eles voltarão a liberar crédito? E qual será o custo de longo prazo do resgate do governo ao sistema financeiro após financistas milionários terem ficado ainda mais milionários com apostas irresponsáveis no setor imobiliário?
Alguns questionam a prudência de se elevar a dívida do governo num momento em que o Tesouro americano depende da boa vontade de estrangeiros para fechar suas contas. Mesmo assim, há grande apoio à necessidade de uma grande intervenção quanto à proposta pelo Tesouro.
"É bastante abrangente e melhora o quando substancialmente", diz Alan Blinder, economista da Universidade Princeton e ex-membro do Fed (banco central dos EUA), que defendia há meses que o governo assumisse papéis ligados ao setor imobiliário.
Mas há também muito ceticismo com o plano. Ele prevê que o Tesouro adquira os papéis podres no mercado gastando até US$ 700 bilhões e revenda depois o que conseguir enquanto tenta destrinchar a alta complexidade dos títulos. Mas ninguém sabe quanto essa trama de papéis extremamente complexos valerá. Sem falar na mensagem que passará aos financistas sobre os riscos que podem tomar.
Mas alguns dizem que essas questões agora são menos importantes. O país enfrenta sua pior crise financeira desde a Grande Depressão dos anos 30. Até o anúncio oficial do plano, na última sexta-feira, as visões eram apocalípticas. "Parecia que estávamos caindo no abismo", diz Blinder.
"O risco de acabarmos como o Japão, com dez anos de estagnação, é muito menor agora", diz Nouriel Roubini, economista da Universidade de Nova York. "O trem da recessão já deixou a estação, mas serão 18 meses, não mais cinco anos", previu o economista.

Incertezas
Se o plano funcionar, atacará a causa central dos problemas da economia americana: a queda contínua do preço das casas. Se os bancos voltarem a emprestar mais livremente, haverá mais hipotecas.
Assim, as pessoas poderão comprar casas, aumentando seus preços ou ao menos impedindo que eles sigam caindo. Isso impedirá que investimentos ligados a hipotecas quebrem, melhorando ainda mais a situação dos bancos, estancando a espiral atual.
"É fácil esquecer em meio a coisas tão elaboradas -créditos derivativos, "swaps'- que a raiz do problema é o preço declinante das casas", diz Blinder. "Se você conseguir reverter isso, as pessoas sairão de seus "bunkers" e porão dinheiro onde hoje temem investir", afirma Blinder. Mas ressalva: "A crise pode não ter acabado".
Para alguns, o aperto no crédito é uma correção inevitável. Por um quarto de século, a economia americana se sustentou com dinheiro emprestado, com investimentos especulativos que criaram a explosão da bolha da internet e a da habitação.
"O crédito foi muito fácil por muito tempo, é uma correção necessária, mas dolorosa", afirma Mark Vitner, economista do banco Wachovia.

Dois extremos
Outros dizem que nas últimas semanas fomos da era do crédito exageradamente fácil ao extremo oposto: uma relutância geral a emprestar.
"O perigo é irmos do excesso de crédito fácil ao excesso da aversão ao risco", afirma Jared Bernstein, do Instituto de Política Econômica. A economia já cortou cerca de 600 mil empregos neste ano. Se as empresas saudáveis não tiverem acesso a crédito, não poderão se expandir e contratar.
"O que estamos assistindo agora é uma versão ampliada do que vimos desde agosto. Mas uma morte súbita, ao invés de uma sangria lenta", afirma Bernstein.
O impacto do recuo dos bancos no crédito era evidente na última sexta-feira na taxa cobrada por uma instituição para emprestar a outra no curto prazo. Tradicionalmente de 0,2 ponto percentual acima dos títulos do Tesouro, de risco zero, estavam perto de dois pontos.
Com a intervenção do governo para assumir os créditos ruins, se espera que os bancos retomem seus empréstimos. Se funcionará no longo prazo, restam dúvidas. Mas mesmo o mais céticos dos economistas afirma que o caminho do governo é o correto.
"Não é suficiente. Mas é a primeira vez que eles fizeram alguma coisa que faz alguma diferença", afirma Roubini, economista da Universidade de Nova York.


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