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ARTIGO
Professor e banqueiro jogam por terra dogmas do mercado
Ben S. Bernanke, do Fed, e Henry M. Paulson, do Tesouro, são autores da maior intervenção governamental da história dos EUA, que envolve US$ 700 bilhões
PETER BAKER
DO "NEW YORK TIMES", EMWASHINGTON
Nos últimos 12 meses, enquanto a economia dos EUA
vem tropeçando de crise em
crise, o presidente do Federal
Reserve, Ben S. Bernanke, vinha avisando o secretário do
Tesouro, Henry M. Paulson, Jr,
que o agravamento da situação
poderia acabar por obrigar a
uma intervenção federal
abrangente.
Estudioso de longa data da
Grande Depressão, Bernanke
tinha consciência aguda do que
poderia acontecer se não fossem tomadas medidas decisivas. O momento em que essa
ação se tornou inevitável chegou na noite de quarta-feira.
Menos de 24 horas depois de o
Fed ter socorrido a gigantesca
seguradora American International Group, ficou claro que a
turbulência que agitava Wall
Street só estava se agravando e
que as soluções pontuais não
estavam funcionando.
Falando ao telefone de sua
sala de trabalho, Bernanke disse a Paulson que era chegada a
hora de se adotar uma estratégia abrangente que o Congresso teria que aprovar. Paulson
entendeu. Relutante, nos últimos dias, em submeter ao Congresso um plano que os legisladores tinham avisado que teria
poucas chances de ser aprovado rapidamente, ele temera
que uma possível rejeição tivesse efeito negativo ainda
maior sobre os mercados. Mas,
em dois telefonemas, na noite
de quarta e na manhã de quinta-feira, ele concordou que não
havia escolha.
"Aconteceu de maneira dramática", disse Paulson em entrevista na sexta-feira. "Só havia um jeito de tranqüilizar os
mercados e fazer frente a um
congelamento muito grande e
amplo do mercado de crédito.
Não houve cálculos políticos. A
necessidade da ação ficou avassaladoramente evidente."
E foi assim, simplesmente,
que o reservado Bernanke, ex-professor de uma das mais respeitadas universidades americanas, e Paulson, ex-operador
arrojado de Wall Street, lançaram aquela que seria a maior
operação de resgate econômico
governamental dos tempos
modernos, que rivaliza com a
guerra do Iraque em custos e
que, ao mesmo tempo, pode redefinir o papel de Washington
no mercado nos anos por vir.
Parceria
O plano de comprar US$ 700
bilhões em ativos problemáticos com dinheiro dos contribuintes foi traçado por dois homens que até dois anos atrás
não se conheciam e não se movimentavam nos mesmos círculos, mas que a história aproximou. Se Bernanke é a força
intelectual dessa dupla improvável, e Paulson, seu homem de
ação, o fato é que eles conseguiram criar uma parceria ímpar
em sua corrida para sustar a
turbulência financeira e impedir a economia de afundar.
Como convém a seus papéis e
personalidades, Paulson tornou-se o rosto público da equipe -ele pretende aparecer em
quatro "talk shows" no domingo-, enquanto o menos visível
Bernanke fornece as bases históricas da estratégia forjada.
Nesse caminho, eles deixaram de lado as posições defendidas por muito tempo pela administração em relação à regulamentação e ao envolvimento
do governo nas empresas privadas, chegando a reverter decisões no prazo de 24 horas e a
justificá-las como soluções práticas a ameaças graves.
"Em tempos de crises financeiras, não há lugar para ideólogos", disse Bernanke a colegas
na semana passada, segundo testemunha de uma reunião.
A natureza pontual e improvisada de seu esforço converteu
o presidente Bush e os democratas no Congresso em virtuais espectadores, às vezes incertos sobre o que virá a seguir,
reagindo com assombro à nova
dinâmica do poder na capital. A
cada vez que os legisladores
tentavam entender o que estava acontecendo e que papel poderiam exercer, com as eleições
cada vez mais próximas, Paulson e Bernanke apareciam no
Capitólio para mais uma reunião noturna e os surpreendiam com mais uma novidade.
Os dois homens vêm trabalhando desde cedo e até tarde,
acompanhando os mercados
asiáticos e atendendo a telefonemas com seus colegas europeus, depois falando ao telefone um com o outro, oito ou nove vezes por dia. Para ajudá-lo a
suportar os longos dias de trabalho, Paulson recorre a inúmeras Diet Coke. Chamado pelo Senado a testemunhar duas
vezes na semana passada, ele
pediu para ser liberado.
"Ele me falou que tinha dormido apenas quatro horas",
disse o senador democrata
Christopher J. Dodd, presidente do Comitê de Bancos. Mas a
boa vontade de Dodd tem limites. Ele contou que respondeu:
"O público quer saber o que está acontecendo."
Bernanke (cuja bebida preferida é a Dr. Pepper Diet) faz
questão de deixar seu gabinete
até a meia-noite para dormir
pelo menos um pouco, mas
seus amigos dizem que os sinais de cansaço são evidentes
nele.
Alan S. Blinder, seu amigo
de longa data e ex-vice-presidente do Federal Reserve, recorda-se de ter visto Bernanke
em uma conferência no mês
passado em Jackson Hole,
Wyoming. "Sua aparência era
de alguém que carregava o peso
do mundo nos ombros.".
E isso foi antes da semana
passada.
Personalidades
Bernanke assumiu seu cargo
em fevereiro de 2006, e Paulson cinco meses mais tarde.
Ambos são republicanos e ambos foram nomeados por Bush,
mas suas origens são muito diferentes. Bernanke, 54, administrava a política acadêmica
do departamento de economia
da Universidade Princeton, da
qual foi presidente, desenvolvendo um estilo conciliador.
Paulson, 62, chegou à presidência do Goldman Sachs falando
duramente ao telefone e ocasionalmente dando socos na
mesa.
"Hank é um sujeito hiperativo, do tipo que sempre tenta resolver o problema e seguir
adiante", disse Allan B. Hubbard, ex-assessor de economia
nacional de Bush. "Ele está
sempre impaciente para resolver as coisas. Já Ben age de maneira muito mais discreta. Ele
reflete muito. É um pensador
incrível, alguém que sabe ouvir,
que sabe analisar e que não se
deixa intimidar por ninguém.
Acho que eles fazem uma ótima
parceria."
Bernanke fala em termos
grandiosos e Paulson despeja o
jargão contundente de Wall
Street, mas o que uniu os membros da nova dupla dinâmica de
Washington foi em parte o beisebol. O secretário do Tesouro
é torcedor dos Chicago Cubs, e
o presidente do Fed torce pelos
Boston Red Sox, mas em Washington passou a torcer pelos
Nationals e a dividir ingressos
de temporada com o chefe do
Estado-Maior da Casa Branca,
Joshua B. Bolten.
Nem Paulson nem Bernanke,
porém, haviam tido envolvimento profundo no processo
político. Em seus esforços para
trabalhar juntos em Washington, eles se cercaram respectivamente de assessores vindos
do Goldman e de profissionais
de carreira do Fed.
Paulson recusou o primeiro
convite para entrar para o gabinete. Ele mudou de idéia apenas depois de um trabalho extenso de lobby e convencimento feito por Bolten, antigo executivo do Goldman, e de Bush
ter se comprometido a deixá-lo
dirigir de fato a economia política, diferentemente de seus
predecessores.
O Martelo, como Paulson é apelidado desde
seus tempos de jogador no time
de futebol americano de Dartmouth, levou a Washington a
intensidade que é sua característica.
"Ele é um furacão. Está acostumado a viver num mundo
turbulento", disse John H.
Bryan Jr., amigo íntimo de
Paulson e ex-executivo-chefe
da Sara Lee Corporation. "Está
acostumado a viver num mundo de "deadlines", decisões e
muita pressão."
Paulson, que é membro da
igreja Cientista Cristã, não fuma nem bebe. Uma vez, num
coquetel em que estava fazendo
um discurso, recordou um de
seus ex-colegas do Goldman,
Andrew W. Alper, Paulson acidentalmente tomou um gole de
vodca de um copo, pensando
tratar-se de água.
Seu rosto ficou vermelho e seus olhos lacrimejaram por uma hora.
"Mas ele continuou firme", disse Alper.
Bernanke tem um apelido
menos evidente, "Helicopter
Ben", que lhe foi dado depois de
um discurso que proferiu em
2002, falando sobre as injeções
emergenciais de dinheiro do
Fed para manter a liquidez do
sistema, como alimentos despejados de helicópteros para
ajudar vítimas de enchentes ou
outras catástrofes.
Para Bernanke, a crise atual é o ponto
culminante de toda uma vida
passada tentando entender como o sistema funciona desde o
ponto de vista teórico.
Bernanke deixou claro muito
tempo atrás que ele sabia que
algum dia poderia ser convocado a pôr em prática os frutos de
seus estudos.
Vincent R. Reinhart, um ex-funcionário do
Fed, disse que as pesquisas de
Bernanke sobre a crise financeira do Japão na década de
1990 reforçaram sua opinião de
que crises do mercado requerem intervenções governamentais agressivas.
Numa festa que promoveu
em 2002 para o 90º aniversário
do famoso economista Milton
Friedman, Bernanke, então um
dos diretores do Federal Reserve, falou sobre os erros cometidos pelo país diante da Grande
Depressão e prometeu não repeti-los. "Não o faremos de novo", disse ele.
Aviso prévio
Na entrevista da sexta-feira,
Paulson disse que Bernanke já
vinha avisando havia muito
tempo da possibilidade de chegada de um momento como o
da semana passada.
"Muito tempo atrás, talvez
há um ano já, Ben, que é um
economista de primeiro nível,
me disse: "Quando se olha para
a bolha imobiliária e a correção,
se a queda nos preços for suficientemente grande, a única
solução pode ser uma intervenção governamental em grande
escala'", contou Paulson. "Ele
falou sobre o que aconteceu
quando houve outras situações
históricas semelhantes."
Paulson disse que concordara, mas que esperava que a situação não chegasse a isso. "Eu
sabia que ele tinha razão, teoricamente", disse ele. "Mas eu tinha alguma esperança, e ele
também, de que, com toda a liquidez que havia dos investidores, depois de uma certa queda
chegaríamos ao fundo, e que a
queda terminaria."
Ainda na segunda-feira passada, Paulson estava ouvindo
de legisladores democratas e
republicanos sêniores, incluindo o líder da maioria na Câmara, Steny H. Hoyer, e o deputado de Ohio John A. Boehner, líder republicano da Câmara,
que não havia chances de o
Congresso aprovar qualquer legislação antes de seus membros deixarem a cidade, em setembro. Mesmo o deputado
Barney Frank, proponente de
um papel mais ativo do governo
no mercado, disse na segunda
que a questão teria que ser resolvida pelo próximo presidente e pelo novo Congresso, em
setembro.
Na terça, porém, os problemas só estavam se agravando.
O Lehman Brothers entrara
com pedido de concordata. O
Merril Lynch concordara em
ser comprado pelo Bank of
América, e a AIG estava à beira
do colapso. Paulson e Bernanke
montaram uma operação de
US$ 85 bilhões de socorro à
AIG e a apresentaram a Bush.
Mas os dois avisaram ao presidente que a operação talvez
não fosse o suficiente para estabilizar a crise mais ampla. Um
alto funcionário da administração, que pediu anonimato para
comentar deliberações internas, parafraseou nos seguintes
termos a mensagem que Bernanke e Paulson transmitiram
a Bush: "É possível que depois
disto ainda haja problemas, e,
se houver, vamos procurá-lo
outra vez".
Eles o fizeram dois dias mais
tarde, quando a queda vertiginosa de ações e o congelamento
do mercado de crédito deixaram claro que a estratégia caso
por caso não estava funcionando. Paulson tinha conversado
com Bush ao telefone ao longo
de toda a quarta e a manhã da
quinta. A decisão de tomar uma
medida radical, que abrangesse
o sistema inteiro, foi finalmente tomada apenas após uma seqüência interminável de teleconferências envolvendo funcionários do Fed, do Tesouro e
da "Securities and Exchange
Commission" (órgão que regula o mercado de capitais), recordou um participante, quando Bernanke declarou: "Temos
que ir ao Congresso". Paulson
concordou.
Na tarde de quinta-feira, Bernanke e Paulson, acompanhados do presidente do SEC,
Christopher Cox, foram à Casa
Branca explicar seu plano. "O
presidente disse "vamos fazer'",
contou um funcionário. "Não
houve hesitação."
Em questão de horas, Paulson e Bernanke estavam no gabinete da presidente da Câmara, Nancy Pelosi, fazendo um
resumo para transmitir aos líderes do Congresso a plena gravidade da situação. Os parlamentares ficaram abalados,
mas ofereceram apoio hesitante. Divididos entre os imperativos conflitantes de entrar em
ação ou de voltar a seus Estados
para fazer campanha, eles pareciam alternar-se entre gratidão
e ressentimento com relação à
nova dupla poderosa de Washington. Alguns falavam do
"presidente Paulson", e outros
reclamavam de um presidente
não eleito do banco central
prestando socorro de centenas
de bilhões de dólares.
Paulson e Bernanke foram
criticados por agirem com
agressividade excessiva e também por não serem agressivos o
suficiente. O senador republicano Jim Bunning, do Kentucky, disse que eles estavam
matando o livre mercado. R.
Glen Hubbard, ex-presidente
do Conselho de Assessores
Econômicos do presidente
Bush, achou que eles deveriam
ter agido antes.
"A oportunidade para uma
ação ousada obviamente teria
sido melhor se tivessem agido
meses atrás", disse ele. "Mas
antes tarde que nunca."
No final, o que deixou frustrados tantos parlamentares e
economistas foi a percepção de
que ninguém tinha uma idéia
melhor a propor. Então eles esperaram Paulson e Bernanke
lhes darem mais detalhes sobre
o que queriam fazer.
Tradução de CLARA ALLAIN
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