São Paulo, Sexta-feira, 22 de Outubro de 1999
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PREÇOS

Indústria já prepara remarcação de até 20%; "não temos como fazer mágica", afirma Furlan, da Sadia

Dólar a R$ 2 desencadeia reajustes

FÁTIMA FERNANDES
LUCIA REGGIANI
da Reportagem Local

O dólar na casa dos R$ 2 está desencadeando reajustes de preços em diversos setores da indústria, de alimentos a farmacêutica.
As empresas dizem ter chegado no limite da absorção dos aumentos de custos, acumulados com a desvalorização do real.
Da mudança no câmbio, em janeiro, até ontem, o dólar subiu 64,6%, encarecendo as matérias-primas importadas e aumentando o peso das dívidas em dólar.
"O dólar a R$ 2 tem impacto direto nos preços dos insumos importados. Além disso, muitas empresas, para se modernizar, tomaram empréstimos em dólar, e isso significa aumento de custo", diz Clarice Seibel, diretora da Fiesp, federação das indústrias de São Paulo). Ontem, o dólar bateu em R$ 2 e fechou a R$ 1,992.
O resultado são reajustes de preços de até 20% a partir de agora até o final do ano. A remarcação já começou.
A Seara, do grupo Bunge, reajustou em 10% os preços dos derivados de frango e suínos que produz e prepara aumento de mais 10% até o final do ano.
"A alta do dólar provocou aumento no preço do farelo de soja e do milho, que têm cotação internacional, e no das embalagens. O impacto sobre os nossos custos foi de 20%", afirma Sérgio Waldrich, vice-presidente da Seara.
A concorrente Sadia também vai aumentar preços. Luiz Fernando Furlan, presidente do conselho administrativo da Sadia, até ironiza o pedido de contenção de preços feito anteontem aos empresários pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
"Quando ouço declarações desse tipo, lembro-me do dito popular "Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço". Todos os índices de inflação sobem porque os preços controlados pelo governo os motivaram a subir", afirmou Furlan, que recebeu ontem o Prêmio Excelência 99, em São Paulo.
Para Furlan, as empresas não podem incorporar custos e ficar no prejuízo. "Leis do mercado devem valer na alegria e na tristeza, não temos como fazer mágica."
Entre os produtos da empresa que terão maior variação de preços está a linha de peixes, que é totalmente importada, e produtos cujo insumo é o milho, que este ano também foi importado. "Com esses produtos, o espaço de negociação é zero."
A Socma Alimentos, fabricante de massas alimentícias das marcas Adria, Isabela e Basilar, vai aumentar seus preços de 10% a 12% a partir de novembro. "Estamos brigando com os supermercados para reajustar", diz Dácio Pozzi, presidente da Socma. Neste ano, os preços do macarrão já subiram 14%, em média.
A indústria farmacêutica está estudando os aumentos de custos decorrentes da desvalorização do real e vai levá-los ao conhecimento do governo. "O setor é muito dependente de insumos importados", afirma Serafim Branco Neto, secretário-executivo da Abifarma (Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica).
Na indústria eletroeletrônica, também dependente de componentes importados, o reajuste de preços é necessário, mas não tem data para acontecer.
"Não dá para repassar aumento de custos já porque a queda de demanda não está deixando", diz Antônio Corrêa de Lacerda, diretor da Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica). Mas a tentativa é constante e já cria, segundo ele, impasse nas negociações entre indústrias, fornecedores e redes de varejo.
Tudo porque os empresários previam que dólar ficaria, na média, na casa de R$ 1,70, o que seria o suficiente para dar equilíbrio às exportações e às importações.
"O dólar a R$ 2 é um alerta para a pressão inflacionária. E isso é generalizado pelos vários setores. Qual é hoje a indústria que prescinde de insumos importados?", questiona Clarice Seibel.
Para ela, se a cotação do dólar recuar, mesmo que seja aos poucos, será um sinal positivo. Mas o impacto sobre os custos e a margem de lucro já terá acontecido.
"Embora seja natural para o mercado financeiro, a oscilação do dólar é ruim para o setor produtivo, que tem de tomar decisões de longo prazo", afirma Lacerda.
Na avaliação dos empresários ouvidos pela Folha, o que pode impedir grandes remarcações é a retração do consumidor.


Colaborou Rui da Silva Santos, da Reportagem Local

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