São Paulo, Sexta-feira, 22 de Outubro de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Os efeitos do boom de fusões e aquisições


MAILSON DA NÓBREGA

Uma característica marcante da economia mundial neste final de século é o boom de fusões e aquisições, estimulado pela globalização e pelo acirramento da concorrência. Nos EUA, o volume de negócios com fusões atingiu US$ 1,5 trilhão em 1998, valor que pode ser ultrapassado este ano.
A recente compra da Sprint pela MCI por US$ 120 bilhões formará um gigante na área de telecomunicações. É a maior transação desse tipo.
Nos últimos 20 anos, o conglomerado da General Electric cresceu adquirindo empresas e expandindo suas próprias unidades. Apenas a GE Capital adquiriu mais de 500 empresas. Jack Welsh, seu já lendário presidente, transformou a GE na mais admirada das empresas multinacionais.
No sistema financeiro, a fusão do Citicorp com a Travellers gerou um mamute de mais de US$ 700 bilhões de ativos. O BNP adquiriu o Paribas e se tornou o maior banco europeu. A fusão do Industrial Bank of Japan, do Dai-Ichi Kangyo Bank e do Fuji Bank formará o maior banco do mundo, com ativos de US$ 1.270 bilhão.
É verdade que há problemas. A BMW se deu mal na aquisição da Rover britânica. Há quem duvide do sucesso de fusão da Daimler com a Chrysler. Houve o cancelamento de fusões no ramo químico. Para a "The Economist", as grandes fusões no sistema financeiro podem gerar mais ineficiências do que benefícios de escala.
Apesar disso, o processo continua. Todas as grandes fusões e aquisições dos últimos anos foram aprovadas pelas agências de defesa da concorrência, um atestado de que não criam obstáculos à competição.
Em muitos casos, exigem-se ajustes para preservar a concorrência. A operação pode ter consequências em outro país. No caso Sprint/MCI, haverá reformulação do quadro de acionistas da Intelig brasileira, da área de telefonia interurbana e internacional.
No Brasil, o processo já é notório no sistema bancário e nos supermercados, em que as aquisições e associações, com ou sem presença estrangeira, aceleram a revolução desses segmentos, o que resultará em maior benefício para todos.
A fusão de maior destaque no país é a que envolveu pela primeira vez duas grandes empresas brasileiras, a Antarctica e a Brahma, centenárias rivais que se uniram para criar a AmBev e assim enfrentar o desafio da competição global.
Como a AmBev terá 73% do mercado de cervejas, houve quem previsse que ela prejudicará consumidores, trabalhadores e fornecedores do setor cervejeiro. Existiriam, no entender dos críticos, condições para a prática de preços abusivos.
Esses aspectos serão por certo considerados pelo Cade no exame do processo, mas tudo indica que os temores são exagerados. A concentração é uma característica do mercado cervejeiro em todo o mundo, com vantagens para os consumidores.
A experiência brasileira mostra, além do mais, que o consumidor atribui maior importância ao preço da cerveja do que às suas próprias preferências de marca. Segundo a Nielsen, nesta década as cervejas de baixo preço passaram a representar quase 30% do mercado, participação que foi extraída das marcas tradicionais.
O mercado relevante costuma ser o de bebidas, que no Brasil alcançou 22 bilhões de litros em 1998. A concorrência se dá de várias formas: via preços, produtos similares e distribuição conjunta. Todos agem e se substituem nesse mesmo mercado.
Ao elaborar estudo a respeito dos impactos da criação da AmBev sobre o emprego no mercado de bebidas, a Tendências constatou que o aumento de importações do setor, propiciado pela estabilidade e pela abertura, tornou imperativo "às empresas nacionais efetuarem esforços no sentido de aumentar a produtividade e a competitividade".
O estudo concluiu que, após superados os problemas iniciais de integração de "culturas" industriais, a AmBev será "seguramente uma empresa de bebidas mais completa do que as duas que lhe darão origem".
No primeiro momento, haverá alguma diminuição de postos de trabalho, que serão facilmente recuperáveis se o PIB crescer 4%. Em compensação, prevê-se elevação do nível de qualificação dos trabalhadores e de salários médios reais na nova empresa. A maior capacidade de investir propiciará aumentos futuros de produção e emprego.
Assim, ao contrário do que temem os opositores da Ambev, sua criação poderá beneficiar os consumidores, aumentar a demanda de insumos de seus fornecedores e gerar mais investimentos, produção e emprego.
A fusão da Antarctica e da Brahma testará a capacidade das empresas brasileiras de se unir para se tornar mais competitivas e enfrentar os desafios dos mercados globais.


Mailson da Nóbrega, 57, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney), sócio da Tendências Consultoria Integrada, escreve às sextas-feiras nesta coluna.

E-mail: mailson@palavra.inf.br


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