São Paulo, terça-feira, 22 de outubro de 2002

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LUÍS NASSIF

Um decálogo para a transição

Diplomata experiente e polêmico, por sua independência intelectual, autor de livros importantes sobre a história da diplomacia, Paulo Roberto de Almeida, de seu posto em Washington, elaborou o chamado "decálogo da transição", com conselhos para o PT sobre como atravessar a transição com o mínimo de sobressaltos. Pela oportunidade, fica o registro resumido:
1) Unificar o discurso
Pequenos chefes e porta-vozes auto-assumidos têm de ser alertados para os efeitos nefastos da chamada "dupla linguagem". Em operações militares não pode haver dualidade de comando, e a arte da política tem regras muito semelhantes.
2) Falar ao país, não ao partido
A primeira palavra não deve ser aos seus seguidores, mas à nação, ainda que esse pronunciamento contenha palavras de agradecimento a todos aqueles que tornaram possível a vitória. Esqueça por um momento os grupos sociais e os problemas locais, com exceção de uma menção ampla aos excluídos e marginalizados, pois os interesses começam justamente a divergir quando se mencionam categorias específicas da população.
3) Dirigir-se ao mundo, seletivamente
Cabe ao novo presidente, cuidadosamente, planejar eventual viagem pré-posse (...), não necessariamente aos pontos que oferecem soluções aos problemas, mas àqueles que representam a própria fonte desses problemas. (...) Se nos dedicarmos (a combater a exclusão social) de forma consequente, com ou sem a cooperação internacional (...), o prestígio externo será o resultado de termos alcançado aquele objetivo, não a consequência de qualquer novo ativismo no plano externo.
4) Tranquilizar os agentes econômicos
(...) Essa confiança não cresce apenas com a abertura ao diálogo, mas sobretudo com a capacidade demonstrada de tomada de decisão. Há um momento, portanto, em que as consultas precisam ser interrompidas, e a decisão, anunciada.
5) Designar os principais assessores, depois negociar.
(...) Caberia designar a equipe econômica que vai começar a trabalhar na primeira fase da transição, dando-lhe inteiro respaldo e preservando-a das inevitáveis barganhas das demais escolhas. Uma vez feito isso, pode-se sentar para ouvir (...) sem negociar o que é essencial, isto é, a capacidade governativa no núcleo central.
6) Recompor um programa de governo
(...) De preferência será curto, preciso, objetivo, sem adjetivos, indicando claramente para onde vai dirigir-se a ação governamental, numa primeira fase pelo menos. Lembre-se de que não será possível contentar a todos, e assim certos problemas não serão necessariamente tocados. Isso não deve ser motivo de angústia, pois ninguém espera, sobretudo os mais esclarecidos, que a nova situação resolva tudo em seis meses.
7) Atender a circunstâncias excepcionais
(...) Determinados bens públicos devem ser preservados além e acima das querelas ideológicas, e a situação econômica é um deles. Eventualmente, medidas excepcionais serão necessárias, antes mesmo da assunção ao poder, o que exige, antes de mais nada, o abandono da postura do "eu não disse?" em favor da adoção de uma atitude de responsabilidade compartilhada no acolhimento dos custos -inclusive políticos- derivados de medidas restritivas ou de ajuste emergencial.
8) Indicar as linhas do discurso de posse
(...) Destacar mais os elementos afirmativos da futura ação governamental do que as críticas à herança recebida (ainda que algum "exagero" seja aqui compreensível).
9) Estruturar as bases do apoio congressual
(...) O novo governo, no Executivo ou no Legislativo, deve estar primariamente interessado na eficácia de suas ações, não na sua conformidade a qualquer cartilha política do passado. A clareza de propósitos deve servir como elemento de pressão (contras as pressões fisiológicas) do ponto de vista da opinião pública.
10) Preparar-se para o pior, manter a mensagem otimista
(...) A desconfiança no valor da moeda é o sinal mais claro do desconforto com a mudança, que não resulta necessariamente da obra de "especuladores" ou outros conspiradores externos. Tudo isso precisa ficar claro para a nova maioria, que não pode perder o sangue-frio e sair buscando "bodes expiatórios" e culpados de ocasião.
(...) Por isso caberia preparar-se para o pior, isto é, para uma deterioração ainda maior da situação econômica nos próximos meses, ainda que mantendo um discurso otimista -ou moderadamente realista -sobre a superação da presente fase de turbulências.

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