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OPINIÃO ECONÔMICA
O amor segundo Nelson Rodrigues
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Há um cansaço mais ou menos geral. 2005 foi um ano
meio deprimente para o Brasil.
Crise política e escândalos de corrupção, de um lado. Frustrações
na economia, de outro. Falamos
nisso quase o tempo inteiro. A esta altura, todos os assuntos parecem exaustos e esgotados.
Não tenho ânimo hoje para tratar de juros, câmbio ou PIB. Como me escreveu uma leitora, formou-se um verdadeiro "coro natalino" em favor da diminuição
dos juros. Uma multidão de economistas e jornalistas, muitos deles defensores contumazes da política econômica, declaram-se
agora "surpresos" e "decepcionados" com o desempenho da economia, que deve crescer menos de
3% em 2005, talvez apenas 2,5%.
Críticos da política econômica estão saindo pelo ladrão.
Esse consenso tardio produz um
certo tédio. Mas, enfim, como dizia aquele letreiro de motel na
Barra, no Rio: "Antes à tarde do
que nunca". Por outro lado temos
aquela frase de Nelson Rodrigues
que, de tão citada, também está
meio exausta: "Toda unanimidade é burra".
A citação me conduz ao tema
de hoje. Fui salvo do tédio por
uma coincidência providencial.
Escrevo, como sempre, de véspera.
Há exatamente 25 anos, no dia 21
de dezembro de 1980, morria Nelson Rodrigues, o santo padroeiro
desta coluna.
Não posso deixar a data passar
em branco. Afinal, foi com ele que
aprendi a escrever para jornal.
Um dos segredos, acredito, é tentar escrever como quem conversa
com o leitor. Com as devidas
transposições, é claro, e aí é que
reside a dificuldade. Trata-se, na
verdade, de simular uma conversa, elaborá-la num registro diferente, que é o do texto escrito, evitando porém as formalidades, os
cacoetes e o jargão do texto econômico habitual. Não foi fácil escapar da camisa-de-força estilística dos economistas e escrever
com naturalidade. Precisei de
tempo, de prática e da leitura de
Nelson Rodrigues.
No início, essa proximidade
com o grande cronista carioca
provocava uma certa estranheza.
Afinal, ele raramente abordava
temas econômicos. E tinha pelos
economistas, segundo dizia, um
"divertido horror". Mas aí é que
está, leitor: eu também tenho, pelos economistas, um "divertido
horror". O que aconteceu nos últimos 25 anos só fez reforçar essa
aversão.
Poucos sabem que, no seu último ano de vida, Nelson tornou-se
colunista da Folha. As duas últimas crônicas que escreveu, logo
antes de morrer, são comoventes e
delicadas, realmente maravilhosas. Prevalece a melancolia, mas
entremeada de tiradas humorísticas, bem ao seu estilo. Ainda hoje,
ao relê-las pela enésima vez, fiquei emocionado de novo. Elas
foram republicadas em livro editado por este jornal em 2001 ("Figuras do Brasil: 80 Autores em 80
Anos de Folha", PubliFolha).
Seu último tema foi o amor,
mais precisamente a nossa incapacidade de amar. Temos, dizia
ele, uma vastíssima experiência
amorosa e, paradoxalmente, não
sabemos amar. O ser mais sensível e lúcido, diante da pessoa
amada, é um incerto ou, pior, um
inepto. Se soubéssemos amar, escreveu Nelson, não elevaríamos a
voz nunca, jamais discutiríamos,
jamais faríamos sofrer.
O momento mais doce do amor
é o flerte. Veja, leitor, a beleza desta passagem: "O flerte não dilacera, não envenena. Um simples
olhar, de uma luz mais viva; um
sorriso leve é quanto basta para
que dois seres experimentem a esperança de uma comunhão docemente infinita".
Quando é que o amor começa a
morrer? Nem sempre são as grandes causas que liquidam o amor.
Quase sempre o que decide é a soma de pequenos incidentes. No
primeiro bate-boca, o sentimento
amoroso começa a definhar, adverte Nelson: "Todos os fracassos
matrimoniais vêm da soma de todos os "não chateia", de todos os
"não amole", que vamos largando
pela vida".
Vale a pena citar, na íntegra, o
último parágrafo da sua última
crônica: "Eu sempre digo que não
é na recepção do Itamaraty que
devemos ser perfeitos. Não. Devemos reservar o melhor de nós
mesmos, de nossa delicadeza, de
nossa cerimônia, de nosso charme, para a mais secreta intimidade do lar. É menos grave chamar
de "chato" um embaixador, um
ministro, do que o namorado, a
noiva, a esposa, o marido. Se respeitássemos o nosso amor, não seríamos tão solitários e tão malqueridos".
Obrigado, Nelson.
Paulo Nogueira Batista Jr., 50, economista e professor da FGV-Eaesp, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005)
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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