São Paulo, sexta-feira, 23 de janeiro de 2004

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PARCIMÔNIA RADICAL

Deputado pede convocação da diretoria do BC para esclarecer os motivos da decisão sobre juros

Delfim questiona necessidade de autonomia

GUILHERME BARROS
EDITOR DO PAINEL S.A.

O deputado federal Delfim Netto (PP-SP), 78, considerou "escabrosa" a decisão do Copom de manter a taxa básica de juros em 16,5% ao ano, anteontem. Ele encaminhou um pedido às Comissões de Economia e de Finanças da Câmara convocando a direção do BC a mostrar o modelo e os números usados para ter tomado a decisão.
Para ele, o Banco Central precisa dar explicações. O modelo, a seu ver, não pode ser secreto. Para Delfim, a decisão compromete o projeto de autonomia do BC. "Se o Banco Central pretende ser autônomo, agora é a hora de eles mostrarem para nós, ignorantes, por que precisam da autonomia."

Folha - Como o sr. viu a decisão do Copom [Comitê de Política Monetária] de manter a Selic?
Delfim Netto -
A decisão do BC foi ultraconservadora. Eu vou fazer uma proposta à Comissão de Economia e Finanças da Câmara para convocar a diretoria do Banco Central e seus técnicos a mostrarem o modelo e os números em que eles se basearam para não terem mexido nos juros. O modelo do Banco Central não pode ser secreto. Eu só posso achar anedótica essa conclusão do Banco Central de que os empresários estão se preparando para aumentar preços. Com a falta de demanda que está aí e com o desemprego que está aí, não há como justificar essa decisão do Banco Central de não baixar os juros. A impressão que dá é que o país está em pleno emprego e crescendo a 8% ao ano.

Folha - O Banco Central quis mostrar força?
Delfim -
O Banco Central fez um trabalho muito interessante em 2003. Adquiriu a credibilidade de que precisava e reduziu a inflação. A partir de maio do ano passado, ele já foi mais duro do que era necessário e por isso derrubou o Produto [Interno Bruto] mais do que precisava, mas não deixou dúvidas de sua competência. Mas há, sim, dúvidas se ele também não é prisioneiro de alguns mitos, como o de que o Brasil não pode crescer mais do que 3,5%. Por isso, a Comissão de Economia da Câmara deve convidar o Banco Central a expor o modelo e mostrar os números que eles usaram para terem chegado à conclusão de que não poderiam mexer na taxa. Basta o país querer crescer um pouco mais que se começa a subir os juros.

Folha - O modelo do Banco Central está equivocado?
Delfim -
Eles imaginam que são portadores da verdadeira ciência econômica e que são capazes de determinar a trajetória da Lua e de Marte. Não há teorema econômico e, sim axiomas religiosos.

Folha - Faltou coragem ao BC?
Delfim -
Na minha opinião, trata-se de um comodismo. O objetivo fundamental deles é o de satisfazer os seus mestres. Eles precisam tirar nota dez dos mestres que os ensinaram, quando eles tinham que tirar nota dez da sociedade que estão servindo. O nosso problema é de crescimento. É claro que estou falando de crescimento com estabilidade.
Todo mundo sabe que estabilidade e crescimento são independentes. Nem a inflação produz crescimento nem o crescimento produz necessariamente inflação. O Banco Central precisa dar explicações. Se o BC pretende ser autônomo, agora é a hora de eles mostrarem para nós, ignorantes, por que ele precisa da autonomia.

Folha - A autonomia do Banco Central está comprometida?
Delfim -
Se ele não explicar o modelo e os números que usou para concluir que há um risco de inflação, eu, que sou a favor da autonomia, nunca mais voto na autonomia do Banco Central. Foi um fato escabroso.

Folha - A decisão do BC não seria um contra-senso em relação às propostas do governo?
Delfim -
Eu acho que no Banco Central ninguém é contra a criação de empregos. Só que eles agem para não criar emprego. É o que se chama de dissonância cognitiva. Eles podem dizer que a tarefa deles é a de manter a inflação em 5,5%, mas, se for isso mesmo, por que eles não estão trabalhando duríssimo para reduzir o "spread" bancário? Essa história de que o "spread" não pode cair é a maior conversa para boi dormir que já ouvi na vida. Por que eles não agem em cima dos bancos para atacar os problemas de concentração bancária, de impostos e dos compulsórios para reduzir os juros do setor privado?

Folha - O sr. acha que o governo foi conivente com o Banco Central?
Delfim -
O Banco Central pode não ter prestado contas abertamente para ninguém, mas deve ter convencido alguém de que essa era a decisão correta.

Folha - Seria o [ministro] Palocci ou o [presidente] Lula?
Delfim -
O presidente ou o Palocci, enfim, o governo. O governo pode até não ter concordado, mas sabia.

Folha - Alguma comunicação deve ter tido?
Delfim -
É inegável. Para ter tomado uma atitude como essa, eu acho que o BC deve ter tido argumentos poderosíssimos. Eu suspeito que o Banco Central esteja sabendo de coisas que eu não sei e que há uma inflação me espreitando que eu não percebi. E, quando eu virar a primeira esquina, essa inflação vai me comer.


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