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BENJAMIN STEINBRUCH
Samba do crioulo doido
Enquanto patina, o Mercosul não pode ser um entrave às negociações brasileiras
com o resto do mundo
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O PRESIDENTE da Bolívia, Evo
Morales, veio ao Brasil na semana passada para a reunião
dos chefes de Estado do Mercosul,
no Rio. Não aderiu oficialmente ao
bloco e frustrou expectativas. Como
sempre, chamou Lula de companheiro, mas deu-lhe uma cutucada
ao dizer que a Bolívia subsidia o gás
consumido pelo Brasil, vendido a
US$ 1 por milhão de BTU (para uma
usina térmica em Cuiabá), enquanto
outros países pagam até US$ 5 por
milhão de BTU.
Pouco antes de levar a estocada de Morales, Lula havia puxado a orelha do presidente da Argentina, Néstor Kirchner, ao sugerir que os dois maiores países do Mercosul sejam mais generosos
com os parceiros mais pobres (Paraguai e Uruguai). O recado era claro
para a Argentina, porque esse país se
manifestou contra a proposta brasileira de facilitar as exportações dos
sócios menores dentro do bloco.
E também bloqueou o ingresso da Bolívia como sócio pleno da entidade
regional sem o cumprimento da
TEC (Tarifa Externa Comum). A
resposta a Lula veio no dia seguinte,
quando o presidente uruguaio, Tabaré Vasquez, argumentou que o
país não quer apenas generosidade
mas justiça no tratamento dos países do Mercosul. Morales gostou do
argumento sobre justiça e foi direto
ao ponto: "Quando Lula fala em solidariedade e de generosidade, é importante que pensemos em US$ 5
por milhão de BTU".
Pouco depois do recado a Kirchner, Lula tomou
uma alfinetada do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que disse faltar na América do Sul uma potência
política. A frase de Chávez foi provocativa: "Já que o Brasil é tão adiantado cientifica e tecnologicamente,
por que não cria um Viagra político?". O presidente do Equador, Rafael Correa, também contrariou expectativas e não pediu formalmente
o ingresso no Mercosul.
O da Colômbia, Álvaro Uribe, bateu boca
com Chávez a respeito de uma declaração de Morales. Este disse que a
economia da Colômbia cresceu menos que a dos países antiimperialistas da América Latina. Esse foi o clima da reunião de cúpula do Mercosul da semana passada, um espetáculo explícito de cordial desunião.
Nessas condições, nenhum anúncio
importante foi feito em matéria de
integração para o bloco -nem a adesão de Bolívia e Equador nem benefícios para sócios menores.
Brasil e Venezuela então aproveitaram para fechar acordos bilaterais, como o que cria o Grande Gasoduto do Sul. Obras faraônicas como
essa, que, para início de conversa,
deverá custar US$ 23 bilhões, não
fazem muito sentido se os países
não conseguem nem conversar e
perdem tempo em briguinhas ideológicas -para o Brasil, talvez fosse
melhor pensar em aprimorar o gasoduto da Bolívia.
Nesse clima de assembléia de grêmio estudantil, projetos criativos
como o do gasoduto poderão servir
mais para separar do que para unir
os países, principalmente quando
existem intenções políticas por trás
de atos e declarações. A prioridade,
neste momento, deveria ser a busca
de um entrosamento que, pelo que
se viu na reunião do Rio, não existe.
Enquanto patina, o Mercosul, seja
por razões técnicas ou ideológicas,
não pode representar um entrave às
negociações comerciais brasileiras
com o resto do mundo. Durante o
governo Lula, o país teve uma nítida
perda de mercado nos Estados Unidos. De 2002 a 2005, enquanto as
exportações gerais do país cresceram 96%, as vendas para os EUA aumentaram apenas 46%. Isso ocorreu não só por problemas cambiais e
pelo protecionismo americano mas
também em razão da vinculação ao
Mercosul, que impede o país de fechar acordos bilaterais de livre comércio.
O entendimento continental faz
todo o sentido. A União das Américas, não só da América do Sul, é possível. Mas as bases ainda não estão
semeadas e não dá para construir
nada sem raízes profundas. Certamente o continente está atrasado
nessa tarefa, mas a solução é começar do fácil para depois entrar no difícil. O mais fácil é a pregação da
união, o desarmamento de espíritos,
a busca da convergência, o cultivo da
simplicidade e da humildade. Esse
seria um começo viável, e não a implantação de obras faraônicas, ainda
que elas sejam necessárias para a integração energética.
BENJAMIN STEINBRUCH , 53, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do
conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo).
bvictoria@psi.com.br
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