São Paulo, terça-feira, 23 de janeiro de 2007

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BENJAMIN STEINBRUCH

Samba do crioulo doido


Enquanto patina, o Mercosul não pode ser um entrave às negociações brasileiras com o resto do mundo

O PRESIDENTE da Bolívia, Evo Morales, veio ao Brasil na semana passada para a reunião dos chefes de Estado do Mercosul, no Rio. Não aderiu oficialmente ao bloco e frustrou expectativas. Como sempre, chamou Lula de companheiro, mas deu-lhe uma cutucada ao dizer que a Bolívia subsidia o gás consumido pelo Brasil, vendido a US$ 1 por milhão de BTU (para uma usina térmica em Cuiabá), enquanto outros países pagam até US$ 5 por milhão de BTU.
Pouco antes de levar a estocada de Morales, Lula havia puxado a orelha do presidente da Argentina, Néstor Kirchner, ao sugerir que os dois maiores países do Mercosul sejam mais generosos com os parceiros mais pobres (Paraguai e Uruguai). O recado era claro para a Argentina, porque esse país se manifestou contra a proposta brasileira de facilitar as exportações dos sócios menores dentro do bloco.
E também bloqueou o ingresso da Bolívia como sócio pleno da entidade regional sem o cumprimento da TEC (Tarifa Externa Comum). A resposta a Lula veio no dia seguinte, quando o presidente uruguaio, Tabaré Vasquez, argumentou que o país não quer apenas generosidade mas justiça no tratamento dos países do Mercosul. Morales gostou do argumento sobre justiça e foi direto ao ponto: "Quando Lula fala em solidariedade e de generosidade, é importante que pensemos em US$ 5 por milhão de BTU".
Pouco depois do recado a Kirchner, Lula tomou uma alfinetada do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que disse faltar na América do Sul uma potência política. A frase de Chávez foi provocativa: "Já que o Brasil é tão adiantado cientifica e tecnologicamente, por que não cria um Viagra político?". O presidente do Equador, Rafael Correa, também contrariou expectativas e não pediu formalmente o ingresso no Mercosul.
O da Colômbia, Álvaro Uribe, bateu boca com Chávez a respeito de uma declaração de Morales. Este disse que a economia da Colômbia cresceu menos que a dos países antiimperialistas da América Latina. Esse foi o clima da reunião de cúpula do Mercosul da semana passada, um espetáculo explícito de cordial desunião. Nessas condições, nenhum anúncio importante foi feito em matéria de integração para o bloco -nem a adesão de Bolívia e Equador nem benefícios para sócios menores.
Brasil e Venezuela então aproveitaram para fechar acordos bilaterais, como o que cria o Grande Gasoduto do Sul. Obras faraônicas como essa, que, para início de conversa, deverá custar US$ 23 bilhões, não fazem muito sentido se os países não conseguem nem conversar e perdem tempo em briguinhas ideológicas -para o Brasil, talvez fosse melhor pensar em aprimorar o gasoduto da Bolívia.
Nesse clima de assembléia de grêmio estudantil, projetos criativos como o do gasoduto poderão servir mais para separar do que para unir os países, principalmente quando existem intenções políticas por trás de atos e declarações. A prioridade, neste momento, deveria ser a busca de um entrosamento que, pelo que se viu na reunião do Rio, não existe.
Enquanto patina, o Mercosul, seja por razões técnicas ou ideológicas, não pode representar um entrave às negociações comerciais brasileiras com o resto do mundo. Durante o governo Lula, o país teve uma nítida perda de mercado nos Estados Unidos. De 2002 a 2005, enquanto as exportações gerais do país cresceram 96%, as vendas para os EUA aumentaram apenas 46%. Isso ocorreu não só por problemas cambiais e pelo protecionismo americano mas também em razão da vinculação ao Mercosul, que impede o país de fechar acordos bilaterais de livre comércio.
O entendimento continental faz todo o sentido. A União das Américas, não só da América do Sul, é possível. Mas as bases ainda não estão semeadas e não dá para construir nada sem raízes profundas. Certamente o continente está atrasado nessa tarefa, mas a solução é começar do fácil para depois entrar no difícil. O mais fácil é a pregação da união, o desarmamento de espíritos, a busca da convergência, o cultivo da simplicidade e da humildade. Esse seria um começo viável, e não a implantação de obras faraônicas, ainda que elas sejam necessárias para a integração energética.


BENJAMIN STEINBRUCH , 53, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).

bvictoria@psi.com.br


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