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ARTIGO
Elefante numa sala escura
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
"Eu estava gradualmente começando a acreditar que a maior
força da economia dos EUA fosse
sua resistência -sua capacidade
de absorver perturbações e se recuperar, muitas vezes de maneiras e em ritmo que seria difícil
prever, muito menos orientar".
Alan Greenspan, "A Era da Turbulência"
TODOS ESPERAMOS que
Alan Greenspan esteja
certo quanto à economia dos EUA. O corte de juros
decretado ontem pelo Federal
Reserve (Fed, o banco central
dos Estados Unidos) obterá sucesso caso Greenspan tenha razão. Mas muita gente teme que
ele esteja errado. E muita gente, além disso, o culpa pela confusão atual. Assim, como a economia mundial veio a encontrar as atuais dificuldades?
Uma opinião é a de que a crise tenha sido causada por um
sistema financeiro que padece
de sérios defeitos. Um e-mail
que recebi nesta semana delineava a acusação: a crise, dizia a
mensagem, era produto de "decisões extraordinariamente cobiçosas, imorais, movidas exclusivamente por autointeresse e prejudicadas por ilusões,
tomadas ao longo dos anos
2000, e anteriormente, por seres humanos de carne e osso
posicionados no topo da pirâmide das finanças".
O argumento é o de que um
sistema financeiro liberalizado,
que oferece oportunidades de
lucro extraordinário, exibe capacidade paralela de gerar erros que se perpetuam. A história é conhecida: inovação financeira e entusiasmo por riscos
geram rápida expansão do crédito, o que eleva os preços dos
ativos e assim justifica ainda
mais expansão de crédito, e
preços ainda mais altos para os
ativos. Então chega o limite da
alta no preços dos ativos, seguido por uma onda de vendas
causada por pânico, insolvência em massa e por fim recessão. Isso implicaria que um sistema de crédito desregulamentado seja inerentemente instável e causador de instabilidade.
Essa é a linha de argumentação associada a Hyman
Minsky, que foi professor da
Universidade Washington, em
St. Louis, até morrer. George
Magnus, do UBS, conquistou
distinção ao definir a crise atual
como um "momento Minsky":
"Um colapso das estruturas de
dívida e das instituições depois
de uma queda nos preços dos
ativos, a suspensão das funções
bancárias "normais" e uma intervenção ativa dos bancos
centrais". Tudo isso se segue a
uma dependência extraordinária do crescimento do crédito.
Os economistas poderiam
oferecer explicações contrastantes para essa fragilidade.
Uma delas está nos termos das
respostas racionais a incentivos. Outra envolveria a miopia
das pessoas. O contraste opõe
inteligência iludida e tolice.
Aqueles que enfatizam a racionalidade podem apontar facilmente para os incentivos a
que o setor financeiro assuma
riscos indevidos. Isso resulta da
interação entre "informação
assimétrica" -pessoas bem posicionadas sabem melhor o que
está acontecendo- e "risco
moral" a percepção de que os
governos resgatarão as instituições financeiras caso número
suficiente delas encontre problemas ao mesmo tempo.
Há verdades evidentes nas
duas proposições: caso, por
exemplo, o governo britânico
se sinta compelido a resgatar
um banco de crédito imobiliário de porte modesto, como o
Northern Rock, isso implica em
imenso risco moral.
Mas é evidente também que
todas as partes envolvidas -devedores, credores e autoridades regulatórias- podem se
deixar varrer pelas marés humanas de euforia e pânico. Errar é humano. Esse é um dos
motivos para que a regulamentação raramente contrarie os
ciclos econômicos: as autoridades também se deixam arrastar. A desregulamentação financeira e a securitização do ciclo econômico mais recente encorajaram um círculo incomumente amplo de pessoas a acreditar que podiam sair ganhadoras, enquanto os riscos, e os
custos, caberiam a terceiros.
Mas existe também uma
perspectiva diferente. O argumento, nesse caso, é o de que a
política monetária dos EUA foi
mantida frouxa demais por
tempo demais, depois do colapso da bolha de Wall Street, em
2000, e do atentado terrorista
de 11 de setembro de 2001. É
uma opinião crítica bastante
difundida entre os economistas. Ela é igualmente popular
nos mercados financeiros. "A
culpa não é nossa; a culpa é de
Alan Greenspan, aquele assoprador serial de bolhas".
O argumento de que a crise é
produto de séria desordem na
política monetária surge em
três variantes: a visão ortodoxa
é a de que um erro foi cometido;
uma segunda vertente, menos
ortodoxa, sustenta que o erro
foi intelectual -a determinação do Fed de ignorar os preços
dos ativos na formação da política monetária; uma terceira visão, ainda menos ortodoxa, é a
de que dinheiro criado artificialmente é inerentemente instável. Tudo isso será resolvido
quando, como Greenspan acreditava, o mundo retornar ao
ouro. Como Ulisses, os seres
humanos precisam se acorrentar ao mastro de ouro se desejam evitar repetidos naufrágios
monetários.
Uma perspectiva final é a de
que a crise deriva em última
análise não da fragilidade financeira nem dos erros de bancos centrais, mas de distúrbios
macroeconômicos graves na
economia mundial. O maior
deles seriam os imensos fluxos
de capital excedente dos emergentes asiáticos (em especial a
China), dos países exportadores de petróleo e alguns países
de alta renda, seguido pelos superávits financeiros dos setores empresariais.
Segundo essa visão, os BCs e,
com eles, os mercados financeiros estavam só reagindo ao ambiente econômico mundial. O
excedente de poupança não
significava só baixas taxas de
juros, mas necessidade de gerar
nível elevado de demanda compensatória nos países importadores de capital, dos quais os
EUA eram de longe o maior.
De acordo com essa visão
(com a qual concordo), o Fed só
poderia ter evitado a adoção de
políticas monetárias que agora
parecem demasiadamente expansivas caso estivesse disposto a aceitar uma prolongada recessão e uma potencial contração econômica. Mas ele nem
desejava nem tinha por missão
permitir que isso acontecesse.
O dilema do Fed, portanto,
era o de que a única maneira de
manter a demanda interna em
nível suficientemente elevado
para compensar os influxos de
capital seria um boom de crédito. Isso causou preços exageradamente altos para os ativos,
especialmente na habitação. O
doloroso legado do período é a
deflação de dívidas.
Quando leio essas análises,
sempre lembro da história em
que quatro pessoas são convidadas a entrar em uma sala escura, segurar a primeira coisa
que encontrarem e dizer de que
se trata. Uma diz que é uma cobra. A segunda, um pedaço de
couro. A terceira, um tronco de
árvore. A quarta diz que segurou uma corda. O que havia de
fato na sala era um elefante.
A verdade é que uma história
acurada dos fatos recentes envolveria diversos elementos. Os
desequilíbrios macroeconômicos mundiais desempenharam
papel importante nas decisões
de política monetária. Que levaram a bolhas nos preços das
moradias e a imensos excessos
financeiros. Agora as autoridades precisam combater os sintomas da melhor maneira possível. Mas precisam enfrentar
as causas subjacentes, se desejam evitar novas perturbações.
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