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São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 2003

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Pós-consenso de Washington vê além da meta fiscal

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

O comportamento individual diante do perigo é geralmente defensivo. Na economia mundial, essa tendência se espalha e condiciona as decisões de consumidores, investidores, empresários e organizações multilaterais. Coletivamente, o efeito é maior que a soma das partes. Milhões de comportamentos defensivos deprimem os mercados e a crise só piora, reforçando a tendência reativa.
O que é natural para o indivíduo (defender-se do perigo) torna-se coletivamente uma armadilha em que o perigo e o medo apenas aumentam sem parar.
Quando o governo eleva os juros e anuncia um aperto fiscal, está pagando um pedágio às expectativas de um mercado mergulhado no conservadorismo frente a um futuro incerto.
No sistema financeiro global, isso se traduz em números e receitas cada vez mais conservadoras e, portanto, mais draconianas. As exigências tornam-se mais duras quanto menores as chances de o país devedor dar conta do recado.
Essas expectativas assumem formas matemáticas e produzem sistemas de indicadores.
Mas quem garante que esses indicadores são os mais adequados? Ou que apresentam uma visão objetiva do "risco"?
Muitos países sujeitos ao receituário do FMI, tentando políticas supostamente capazes de restaurar a credibilidade, na prática perderam ainda mais o crédito do mercado.
Na dúvida, os indivíduos mais conservadores acreditam que "mais do mesmo" é o melhor manual de sobrevivência.
Contra a corrente, técnicos aos poucos acordam para a necessidade de novos olhares e, portanto, de novos indicadores.
Pelo menos uma contribuição vem do ninho onde floresceu o Consenso de Washington, o Institute for International Economics. No artigo "Sustentabilidade da Dívida, o Brasil e o FMI", Morris Goldstein ataca as fórmulas convencionais de avaliação do endividamento do governo (em http:// www.iie.com/ catalog/ wp/2003/ 03-1.pdf). Para ele, os indicadores convencionais da sustentabilidade da dívida de um país são insuficientes. Seu trabalho lista nada menos que nove problemas.
O modelo convencional olha a relação entre dívida e PIB, mas ignora por exemplo impactos da flutuação cambial sobre a dinâmica de endividamento do país.
Para o novo olhar, a capacidade que o país tem de gerar dólares é uma questão de finanças públicas. E a relação entre exportações e PIB pode ser crucial para avaliar o risco da dívida.
Empresas privatizadas no setor de serviços que se endividaram no exterior apostaram que suas receitas (em moeda local) seriam suficientes para comprar dólares (necessários para honrar seus compromissos internacionais). Apostaram e erraram feio. Quem paga a conta?
Outro indicador que mereceria maior atenção, para Goldstein, é o mapa das dívidas privadas. Em muitos casos, o "mico" privado de hoje é a dívida pública de amanhã. Não basta portanto olhar para a dívida pública em relação ao PIB para saber se o horizonte de financiamento do país é sustentável.
Esses refinamentos dos indicadores são tecnicalidades que jogam luz sobre as relações entre dívida pública, modelo econômico e políticas setoriais.
E tornam evidente que a conquista de credibilidade no mercado pode não depender apenas de alterações nas taxas de juros ou de novos apertos fiscais.



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